Memória sobre a ilha Terceira/V/III/IV
CAPÍTULO IV A ilha Terceira durante a regência e o reinado de D. Pedro II Logo que saiu o governador Leitão e a comitiva real, sossegaram os terceirenses, dissipando-se o terror em que estavam com as prisões e espionagem. No ano seguinte, foi nomeado governador do castelo o fidalgo António Nunes Preto, homem hábil e sábio na sua administração, conseguindo captar a estima geral dos terceirenses. Em 1676 sofreram os praienses consideráveis estragos na sua Vila com uma grande enchente de mar que houve em toda a costa, destruindo algumas casas e terras marginais. Foi o edifício do mosteiro da Luz o mais danificado de todos, tendo de sofrer reparos importantes, até que mais tarde teve de ser edificado um outro no lugar do Rossio. O antigo convento, igreja e cerca, hoje submergido pelo mar, estava situado um pouco adiante do antigo forte da Luz e ainda não há muitos anos que, nas grandes baixas de mar, se viam vestígios daquele edifício. O terreno para o novo mosteiro foi, em 1678, cedido também para igual fim aos religiosos de Santo Agostinho mas, como existisse uma ordem régio para o mosteiro da Luz ser edificado naquele lugar, viram-se obrigados os frades a edificarem o seu convento fora da Vila. O temporal, que se manifestara com mais intensidade na parte oriental da ilha, destruiu também as sementeiras e estradas marginais, pelo que foi decidido em reunião da Câmara, no dia 20 de setembro de 1679, que as estradas fossem construídas à custa dos cidadãos que possuíssem terreno naquelas imediações, começando por um novo caminho desde o forte das Chagas até à Ribeira Seca e um outro em volta da costa até ao mesmo ponto.
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No ano seguinte ressentiram-se as colheitas dos cereais, proibindo-se a exportação para o Brasil e reduzindo-se consideravelmente o número de moios de trigo que poderia sair para Portugal, onde havia também a mesma falta. Foi em 1680 que as autoridades tentaram dar um impulso à agricultura na ilha Terceira, ordenando a execução das ordens já expedidas sobre o plantio de amoreiras e criação do bicho da seda, o que traria consigo uma fonte de riqueza para a ilha. Ordenou-se também a todos os lavradores que efetuassem o plantio de castanheiros, nogueiras e de muitas outras árvores que dessem madeira de construção, cuja falta se tornava sensível em toda a ilha. Este amor pela agricultura durou pouco tempo, voltando os lavradores à sua faina antiga. Em 1683, falecia em Sintra o desventurado D. Afonso VI, sendo aclamado Rei de Portugal o príncipe D. Pedro. Nos últimos anos da sua regência, procedeu-se à fundação em Angra do mosteiro das religiosas capuchas, que teve lugar no dia 14 de maio de 1680, autorizada por breve do Papa Inocêncio XI. Foi edificado no edifício cedido para aquele fim pelo diácono Gaspar de Brum e onde hoje funciona a cadeia civil. Foi dado também um novo regimento para os soldados do Castelo de São João Baptista, e nomeado em 1682 para governador Martim Afonso de Melo, um dos cinco fidalgos que acompanharam D. Afonso VI à ilha Terceira. Correto e zeloso nos primeiros meses do seu governo, tornou-se depois imprudente para com o corregedor, pelo que foi demitido mais tarde, em 1687, e substituído por Alexandre de Sousa de Azevedo que soube, durante o seu governo que terminou em 1694, manter a tranquilidade do povo terceirense e ser por ele estimado, o que não era fácil naquelas épocas. Sucedeu-lhe Manuel de Magalhães Sequeira, ex-governador da praça de Sines, que não foi tão feliz como o seu antecessor. As tempestades, que tão frequentes vezes passavam pelos Açores, destruíam quase por completo as sementeiras, tornando-se mais notáveis as de 1690 e 1691: e como não houvesse importação de cereais do continente, onde mais se cuidava de guerras do que do bem-estar dos povos, ressentiu-se o povo da ilha Terceira da falta de providências para minorarem a fome, que lhes batia à porta. Isto deu lugar em 1695, à célebre revolta da Ribeirinha, que veio refletir-se em algumas ilhas dos Açores, com especialidade em São Jorge e São Miguel. Dirigido por alguns capatazes, veio o povo daquela freguesia à cidade, clamando contra a fome que os ameaçava e pedindo, ao corregedor e à Câmara, providências enérgicas. Dado o sinal de rebate no castelo, saiu imediatamente uma companhia de soldados e cercando a praça da Câmara, onde estava o povo amotinado, prendeu com facilidade os cabeças do motim, pondo em debandada o resto do povo.
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No concelho da Praia, procedeu com mais energia a Câmara praiense, mandando embargar a quarta parte dos trigos para ocorrer à subsistência pública, antes que se levantasse o povo daquele concelho, como fizera o de Angra. Informado El-Rei do estado de excitação em que se encontrava o povo terceirense, mandou no ano seguinte grande quantidade de trigo com que pôde abastecer o mercado da ilha Terceira e socorrer a classe pobre. Governava o bispado de Angra nesta época, D. António Vieira Leitão. Induzido talvez pelos que o rodeavam, tornou-se malquisto pelos terceirenses, levantando conflitos com as autoridades locais. Quis reformar os abusos cometidos pelas freiras de São Gonçalo, em cumprimento das instituições do bispado e regulamentos que pretendeu estabelecer para reforma do clero regular e secular. Em 1697 queixou-se a Câmara de Angra a El-Rei de que o Bispo D. António Vieira Leitão exorbitava dos seus deveres, já nas repreensões, já nos salários dos casamentos. A esta queixa respondeu D. Pedro II, repreendendo o Bispo por tais excessos e ordenando-lhe a observância dos antigos costumes. Desgostoso com esta repreensão, que não esperava, saiu o Bispo da ilha Terceira em visita à sua diocese, voltando em 1699. No ano seguinte obteve o contador de Fazenda uma sentença de recurso contra o Bispo, por publicar uma pastoral em que excomungava aqueles que cobravam dos eclesiásticos os direitos para pagamento dos soldados do presídio. Vendo quão leviano tinha sido o seu proceder e a animosidade de quase todos os terceirenses, retirou-se para a ilha de São Jorge, onde faleceu na Vila das Velas a 22 de maio de 1714. Finalmente, a 9 de dezembro de 1706, falecia na sua quinta de Alcântara D. Pedro II, sucedendo-lhe no trono seu filho D. João V.
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