Memória sobre a ilha Terceira/V/III/VII
CAPÍTULO VII A ilha Terceira durante o reinado de D. Maria I Se D. Antão de Almada foi um grande reformador da administração pública da ilha Terceira, e se se tornou ilustre pelas suas sábias medidas, não menos distinto foi o seu sucessor D. Dinis Gregório de Melo, a quem o insigne mestre Padre Jerónimo Emiliano de Andrade se refere, nos seguintes termos: «Dinis Gregório Melo foi o segundo capitão-general, que veio substituir D. Antão de Almada, e talvez, o governador que mais serviços fez à Terceira e que mais trabalhou no aumento da sua prosperidade. Génio duro, e até algumas vezes cruel; mas assim mesmo humano, religioso e amigo do bem público, foi o único homem capaz de saber vencer a rebeldia dos terceirenses, e a oposição que mostravam ao trabalho, e a tudo o lhes podia servir de felicidade. Seu antecessor contentou-se com acabar os tumultos populares, com destruir as intrigas dos grandes, e com governar pacífico; nada alterando, nem reformando da marcha ordinária dos costumes dos povos. Dinis Gregório de Melo cheio de grandes vistas e amigo de coisas grandes ainda empreendeu, e conseguiu mais. Reformou os costumes públicos, que estavam inteiramente estragados, fez respeitar a religião, abrilhantou a cidade, mandou abrir estradas úteis, promoveu a agricultura, e pelos novos géneros que fez cultivar na ilha pode ser reputado como o principal motor felicidade e riqueza dos terceirenses.» Em 1782 começou o capitão-general por dar impulso à instrução, fazendo criar uma escola de primeiras letras na Vila da Praia e outra em São Sebastião e uma de gramática latina nesta última freguesia.
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Em 1782 tentou D. Dinis Gregório de Melo estabelecer um seminário em Angra, para a organização de um clero hábil, que pudesse, tanto no púlpito como no confessionário, exercer dignamente as funções sacerdotais. Foi escolhido para esse fim o edifício dos Jesuítas, mas não teve o êxito que se esperava, apesar do empenho do general perante o governo de D. Maria I. Mereceu também a atenção de D. Dinis Gregório de Melo o estado de atraso em que estava a agricultura da ilha Terceira. Tendo havido grande escassez de cereais em 1785, pelo que foi alcunhado de «ano de fome», falecendo algumas famílias, fez importar alguns géneros alimentícios; e em 1789 mandou vir, à sua custa, diferentes qualidades de sementes, com especialidade de trigo, de milho e de giesta, que era desconhecida em toda a ilha, para suprir a falta de lenha em muitas freguesias. Vendo também a grande vantagem que podia advir para o povo terceirense da cultura da batata inglesa, dirigiu-se às três Câmaras para que obrigassem os lavradores a semeá-la, regulando-se pela seguinte postura: «O lavrador que cultivar 5 alqueires de terra, será obrigado a semear uma quarta de terra de batatas; o que cultivar 10 alqueires, semeará meio alqueire e assim em proporção». Houve grande repugnância por parte dos lavradores na execução de tão louvável projeto, fazendo a sementeira no terreno mais ordinário e sustentando com ela os porcos. Foi também por pedido do general que, em 1789, se permitiu a livre exportação de cereais e outros géneros, desenvolvendo-se prodigiosamente o comércio de Angra. Cultivou também, à sua custa, algumas terras que arrendou para experiências de certas culturas que quis introduzir na ilha e mandou vir gado de boas raças para o sustento do qual se viu obrigado a fazer pastagens artificiais. Além destes melhoramentos importantes, mandou também o general abrir novas estradas, que pusessem em fácil comunicação as freguesias da ilha, e mandou reconstruir a ermida de Santo António da Grota, no Monte Brasil. No dia 3 de dezembro de 1793 falecia D. Dinis Gregório de Melo, sendo a sua morte bastante sentida em toda a ilha Terceira. Não havendo quem lhe sucedesse, tomou conta da administração geral dos Açores um governo interino, formado pelo Bispo, D. Fr. José de Ave Maria Leite da Costa e Silva, que governava o bispado desde 1785, e do corregedor Manuel José de Arriaga Brum que, em 1795, foi substituído pelo desembargador Luís de Moura Furtado. Um dos primeiros atos do governo interino foi providenciar contra o giro da moeda estrangeira e outra falsa que corria no mercado, procedendo a investigações contra os falsos moedeiros e pedindo enérgicas medidas à Rainha, contra o péssimo estado em que estava o comércio. A 22 de março de 1794 mandavam os governadores interinos uma representação
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à Rainha sobre a crise monetária em Angra, e a 27 de setembro do mesmo ano escrevia o Bispo de Angra uma extensa carta, expondo o abuso que havia com o moeda estrangeira e a que falsamente se fabricava na ilha Terceira. Pouco tempo depois mandava a Rainha o desembargador Luís de Moura Furtado com o dinheiro necessário para a troca da moeda, nomeando-o ao mesmo tempo corregedor da ilha Terceira. Por Alvará com força de lei, de 8 de janeiro de 1795, foi regulada a troca da moeda, acabando em pouco tempo a crise monetária.
Foi necessário ao governo interino proceder energicamente na execução das ordens régias, pois que, tendo o comércio conhecimento delas, fechou os seus estabelecimentos com os géneros que tinham à venda. As irregularidades praticadas pelo governo interino, que não sabia manter as diversas autoridades locais no exercício dos seus cargos, produziram geral descontentamento, chegando a Câmara de Angra, em nome de todas as outras, a pedir à Rainha lhes mandasse por capitão-general o Conde de Almada, D. Lourenço, filho de D. Antão de Almada, o qual partiu de Lisboa no dia 2 de março de 1798. Durante o governo interino recebeu-se em Angra uma ordem régia, para se proceder a um grande recrutamento nos Açores, pelo que as Câmaras de Angra e de São Sebastião fizeram duas representações, que foram acompanhadas do seguinte ofício: «Ilustríssimo e Excelentíssimo Sr. — Temos a honra de pôr na presença de V. Ex.ª duas representações inclusas dos oficiais da Câmara desta cidade e Vila de São Sebastião, datadas de 16 e 18 do corrente, em que nos expuseram a calamidade que fica experimentando esta ilha, e sua agricultura, com a falta dos lavradores jornaleiros que nesta ocasião vão recrutados para o Reino, e de que a V. Ex.ª temos com muita antecipação dado conta em diferentes ofícios, que a V. Ex.ª havemos respeitosamente apresentado sobre este artigo; como porém esta Câmara confia mais dos seus clamores que do nosso auxílio, e vigilância, por uma presunção que lhes é inata; julgamos conveniente pô-las originalmente na presença de V. Ex.ª, e juntamente a pretensão que faz a segunda parte da mesma representação de que suspendêssemos na remessa dos recrutas que vão neste comboy, ao menos de alguma parte deles, ao que nos não conformamos, nem poderíamos concordar sem o mesmo erro que a Câmara concebeu, e projetou por serem só próprias do trono as modificações na execução das Reais Ordens. — Deus guarde a V. Ex.ª muitos anos. — Angra, 20 de outubro de 1797. — Il.º e Ex.º Sr. D. Rodrigo de Sousa Coutinho. — Os governadores interinos, D. Frei José, Bispo de Angra — Luís de Moura Furtado.» Foi atendido pela Rainha tão justo pedido, mandando logo suspender o
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recrutamento em todas as ilhas, não deixando de se proceder às obras indispensáveis para uma boa fortificação. Foi também com este governo interino que se estabeleceu em Angra um correio marítimo pelo Alvará de 20 de janeiro de 1798, como se vê no seguinte ofício: «Il.º e Ex.º Sr. — Em observância do aviso de V. Ex.ª de 8 de março próximo passado, acompanhando o Alvará de 20 de janeiro do corrente ano que estabeleceu os paquetes regulares para a correspondência entre o Reino, estados do Brasil, e ilhas dos Açores, e Madeira pelo método das instruções que V. Ex.. foi servido comunicar-nos, fica estabelecido por este governo de comum acordo com a Junta da Real Fazenda o correio desta cidade, com os seus competentes oficiais, e da mesma forma se vão comunicando estas mesmas providências para as mais ilhas do distrito deste governo, esperando que em todas fique este estabelecimento fixo e perpetuado debaixo das regras prescritas por Sua Majestade, de cujo conhecimento daremos conta a V. Ex.ª oportunamente. — Deus guarde a V. Ex.ª muitos anos. — Angra, 30 de maio de 1798. — Il.º e Ex.º Sr. D. Rodrigo de Sousa Coutinho. —Os governadores interinos, D. Frei José, Bispo de Angra — Luís de Moura Furtado — D. Pedro António Castilblanque do Canto.» Pouco depois do Conde de Almada ter tomado posse da capitania geral dos Açores, foi criada em Angra uma nova Junta da Fazenda, a 20 de outubro de 1798, pela seguinte carta régia, que veio acompanhada de instruções especiais para o seu bom funcionamento: «Conde de Almada, do meu Conselho, Governador e Capitão-General das Ilhas dos Açores. — Eu a Rainha vos envio muito saudar, como àquele que prezo. — Havendo o bem comum dos Povos exigido a imposição dos Direitos e estabelecimento das Rendas Reais, para com elas se ocorrer às muitas e importantes despesas que se fazem inevitáveis; não podendo conseguir-se aqueles úteis fins sem que a Real Fazenda seja arrecadada e distribuída com exacção, cuidado e método que pelo objeto de tanta importância, em que utiliza essencialmente a causa pública; e não tendo produzido o seu devido efeito as muitas e providentes ordens, que em diversos tempos se têm expedido para se conseguir o melhoramento da mesma Real Fazenda na Capitania das Ilhas dos Açores, nem para isso foi bastante o Decreto de 2 de agosto de 1766, que nelas estabeleceu uma Junta, antes pelo contrário se têm deteriorado cada vez mais os Cofres Régios, por se não dar conta das importantes sobras de rendimentos que tem havido desde o ano de 1762, até o presente, e isto em grave dano do meu Real Erário, e das pessoas nele interessadas. — Sou Servida encarregar-vos não só da reforma dos abusos que
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se estão praticando, mas também do estabelecimento de uma nova Junta da Fazenda na referida Capitania, semelhante no que lhes for aplicável à da Ilha da Madeira, para cujo fim Hei por bem ordenar-vos o seguinte: — Que o lugar de Provedor da Minha Real Fazenda, ofícios e ordenados, que lhe são pertencentes, fiquem abolidos e sem algum efeito, como se nunca houvessem existido; — Que a referida nova Junta seja composta do Governador e Capitão-General, como Presidente dela, e dos Deputados abaixo nomeados, que vem a ser, o Corregedor da Comarca, para o qual passará a Jurisdição contenciosa, que dantes tinha o extinto Provedor, sentenciando as causas e pleitos das minhas Reais execuções na instância que lhe competir, com apelação e agravo para o Juízo dos Feitos da Fazenda da Corte e cidade de Lisboa, vencendo de ordenado anual duzentos mil réis; o Juiz de Fora da cidade de Angra, que servirá de Procurador da Fazenda, com igual ordenado ao do Corregedor; o Tesoureiro Geral, que há-de sempre ser eleito pela Junta, sendo pessoa de conhecida probidade e inteligência, muito abonada e isenta de contrato com a Real Fazenda, pois por ele fica a sobredita Junta responsável, vencendo de ordenado seiscentos mil réis; e finalmente o Escrivão dela e da Receita e Despesa da Tesouraria Geral, com um conto de réis de ordenado; — e tanto o referido Tesoureiro Geral com o sobredito Escrivão terão voto e assento igual na Junta, em observância da ordem de 31 de março de 1769, expedida à Junta da Fazenda da Bahia, da qual se vos remete cópia, assinada pelo contador geral das Províncias do Reino; — Que a Jurisdição voluntária fique no corpo da Junta, conforme o dispõe o Alvará de 3 de março de 1770, de que com esta se vos remetem exemplares, para se observarem inviolavelmente no que for aplicável; — Que a administração e arrecadação e execuções da Minha Real Fazenda, se faça pela referida Junta, conforme o dispõem as Leis de 2l de dezembro de 1761, e da mesma sorte que o pratica o Conselho da Fazenda; — Que das três diferentes chaves do cofre, que pela Carta régia de 2 de agosto de 1766, se mandaram estabelecer na Junta passada, fique a primeira em poder do Tesoureiro Geral, a segunda do Escrivão da Fazenda, e a terceira do Contador Geral; — Que logo sem dilação se crie a contadoria da Junta, debaixo da inspeção do Escrivão da Fazenda e a cargo de um Contador Geral, e de um primeiro Escriturário, vencendo o contador seiscentos mil réis anuais, e o Escriturário trezentos mil réis, com assistência diária de manhã, e sendo bem necessário também de tarde, para serem guardadas e escrituradas correta e metodicamente todas as contas dos Tesoureiros, Recebedores e Devedores à Real Fazenda, na conformidade das instruções expedidas e assinadas pelo Contador Geral das Províncias do Reino; — Que os ordenados que ficam enunciados, sejam todos satisfeitos pelo cofre da sobredita Junta, à custa da minha Real Fazenda; — Que a mesma Junta ficará privativamente subordinada ao meu Real Erário, não só para cumprir com pontualidade as ordens que pelo Presidente
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dele lhe forem dirigidas, sem dúvida ou embaraço algum, mas também para que pelo mesmo Presidente subam à Minha Real presença os negócios que pertencerem à mesma Junta, e que dependerem de resolução minha, para Eu os resolver como for mais do Meu Real Agrado e conforme à Justiça; — Que a referida Junta execute inteiramente o que se lhe ordena nas Instruções que para o seu particular governo lhe Mando expedir pelo Presidente do meu Real Erário, e que devem constituir uma parte essencial e integrante da presente minha Carta régia; — Que a administração dos bens confiscados aos ex-jesuítas das sobreditas Ilhas passem logo para a mencionada Junta, a fim de cuidar na sua arrecadação, na forma do Alvará de 21 de fevereiro de 1766, passando para a respetiva contadoria, as contas que lhe respeitam, para nela serem escrituradas com separação nos livros auxiliares que no sobredito Alvará se contêm. — Confio do zelo, com que me servis que haveis de concorrer da Vossa parte com a maior atividade, para que esta minha Real resolução tenha o seu devido efeito. — O que tudo executareis e fareis executar, não obstante quaisquer Leis, Regulamentos e disposições em contrário, que todos hei por bem derrogar para este efeito somente, ficando aliás em seu vigor a observância. — Escrita no Palácio de Queluz aos 20 de outubro de 1798. — O Príncipe.» Começava o governo do terceiro capitão-general sob os melhores auspícios. Depois da sua chegada a esta cidade, que foi festejada por espaço de três dias, com repiques de sinos e luminárias, tratou o Conde de Almada de tomar novas medidas para o bom regímen de todas as ilhas, ordenando que em todas se executassem os regulamentos e ordens dos seus antecessores, as quais, por vários motivos, tinham sido postas de parte. Em cumprimento das ordens que trazia, escreveu o Conde o seguinte ofício ao cabido de Angra: «Ainda que por ordens régias se acha proibida nesta capitania das ilhas dos Açores o ingresso de todas as pessoas que pretendam entrar nos conventos das ordens religiosas, e vestir o hábito das mesmas: — Manda Sua Majestade novamente, por aviso de 7 de novembro de 1798, recomendar a este ilustríssimo Cabido a observância desta proibição, determinando que assim o tenha por muito recomendado, e faça expedir as ordens necessárias. — Deus guarde a VV. SS. — Angra, 23 de novembro de 1799. — Conde de Almada.» Pouco tempo durou esta ordem em vigor. A pouco e pouco foram dando ingresso nos conventos, até que foram extintos totalmente. Mereceu também especial atenção do novo governador a triste classe
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dos expostos, que mal podia ser socorrida pelas Câmaras, pelos seus poucos rendimentos. Querendo providenciar de modo a auxiliar os tristes entes lançados à comiseração pública, e renegados por aqueles que lhes deram o ser, tentou o Conde de Almada lançar alguns tributos indiretos para este fim; mas, tantos eram os encargos que sobrecarregavam as Câmaras e os seus munícipes, que foi deliberado, pela Câmara de Angra, não receber expostos do concelho da Praia e ficar apenas com a roda da cidade. Foi então que a Câmara da Praia deliberou edificar, no lugar denominado o Rossio, uma roda para expostos, a qual se concluiu a 3 de março de 1800. Finalmente, a 23 de janeiro de 1800, enviou o general a todas as Câmaras Municipais a cópia da Carta régia, pela qual o príncipe D. João se havia declarado Regente do reino de Portugal e seus domínios, durante a loucura de sua mãe D. Maria I.
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