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Memória sobre a ilha Terceira/V/III/VIII

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CAPÍTULO VIII A ilha Terceira durante a regência do príncipe D. João Logo que o príncipe D. João tomou conta do governo de Portugal, fez expedir para o Conde de Almada uma carta régia com alterações ao regimento do governo geral dos Açores, que tinha sido dado por seu avô D. José I. Na parte civil modificou a jurisdição do capitão-general, permitindo às outras autoridades o poderem reclamar perante El-Rei, contra as determinações que lhes fossem dadas e que lhes parecessem melhor e mais regulares: criou uma Provedoria dos Resíduos, Órfãos e Capelas e suspendeu os recrutamentos nos Açores até segunda ordem. Na parte militar ficou sendo o capitão-general o Inspetor e Comandante em chefe da tropa; criou no Castelo de São João Baptista uma aula de estudos militares, debaixo da regência de um oficial convenientemente habilitado; suspendeu as praças que tinham o nome de Pé de Castelo para serem substituídos por tropa regular e outras pequenas alterações de menor importância. No ano seguinte, mandou o Conde executar a lei de 21 de fevereiro de 1765, sobre o comércio dos comestíveis dos Açores, cessando desta forma as taxas arbitrárias impostas pelas Câmaras, conforme fora ordenado em aviso de 9 de janeiro de 1800; exigiu também uma cópia autêntica de todas as posturas antigas e modernas, e que dali em diante nenhumas outras fizessem sem licença régia. Com esta sábia medida cessaram as arbitrariedades dos vereadores e o lançamento de novos impostos. Exigiu também de todas as Câmaras um mapa circunstanciado dos empregados civis, agricultores, artistas, negociantes, jornaleiros e outras ocupações, bem como dos cereais, linho, cânhamo, legumes, fava, batatas, vinho, aguardente, frutos, panos de lã e de linho e o valor aproximado destes produtos. Em harmonia com esta deliberação, convocou a Câmara de Angra uma


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reunião de nobres, plebeus, letrados, etc., para serem alteradas as posturas e pedir-se autorização ao Regente para ser dado um imposto sobre os géneros exportados, tais como, trigo, vinho e aguardente; e que se dobrasse o da carne a fim de alcançar receita que pudesse satisfazer à grande despesa que havia com os expostos, construção de estradas e encanamento de água exigido pelo Conde de Almada. Protegeu também a agricultura, mandando plantar árvores nos baldios e estradas, fazendo uma grande sementeira de cedro zimbreiro, que lhe fora remetida da ilha do Flores. E para auxiliar o comércio fez estabelecer, por intermédio da Junta da Fazenda, uma feira franca no Alto das Covas, nos dias 24, 25 e 26 de junho de cada ano, submetida a um regulamento especial, constante da seguinte Provisão: «Dom João por graça de Deus príncipe regente de Portugal e Algarves de aquém e de além mar, em África, senhor de Guiné, etc. — Faço saber a vós juiz vereadores e mais oficiais da Câmara dessa cidade que sendo o feiras públicas nos lugares e tempos oportunos um princípio pelo qual se facilitam as vendas, compro e permutações em comum e recíproco benefício dos povos, como sempre inspirou o mais bem regulado comércio e a experiência tem mostrado nas muitas que se acham estabelecidas nas vilas e lugares mais notáveis destes meus reinos: — Fui servido encarregar a junta da minha real fazenda da capitania das ilhas dos Açores novamente criada pela carta régia de 20 de outubro de 1799, e instruções da mesma data que lhe mandei dar para seu regulamento, de adotar e fazer aplicável este princípio nos territórios da sua jurisdição, que lhes parecerem mais acomodados, para que os meus fiéis vassalos dos referidos continentes participem também das utilidades que esta providência lhes puder facilitar. E tendo consideração a todo o referido, ordeno que nos três dias 24, 25 e 26 do mês de junho de cada ano, principiando no corrente, e no sítio do largo da Graça e Covas, da dita cidade, haja uma feira franca aonde possam concorrer todas as pessoas que quiserem comprar, vender e permutar os seus respetivos frutos ou outros géneros quaisquer que eles sejam: — Pelo que muito vos recomendo e encarrego que obrigueis os mercadores, artífices, e todas as pessoas de qualquer estado e condição que sejam, excetuando somente aquelas que por sua notória indigência, ou outro atendível motivo mostrarem que o não podem fazer, para que por si ou por outrem a ela concorram a fazer as ditas vendas, e permutações, nos sítios que por vós lhes forem demarcados e assinados para o suas respetivas tendas e aposentos, que não poderão exceder nem alterar tudo, sobre certas multas regulares e moderadas que aplicareis ao sustento e criação dos inocentes expostos: — Que obrigueis igualmente o padeiras, e vivandeiras, que conduzam toda a sorte de pão, e mais víveres que vos parecerem convenientes e necessários: — Que participeis às Câmaras


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da Vila da Praia e São Sebastião esta minha real determinação, segurando-lhes que será muito do meu real agrado que elas persuadam os moradores das suas jurisdições para que conduzam à sobredita feira a maior cópia dos géneros que possível lhes for, sem que contudo sejam multados nem condenados os que não concorrerem, como dito fica; — Que destineis lugar decente em sítio oportuno para que o juiz de fora dessa cidade, ou quem o seu cargo servir, possa nela presidir, e facilmente ocorrer a qualquer desordem, que suceda, ou providência que. lhe peça; — Que finalmente afixeis editais, e procedais a todas as mais diligências necessárias para que esta minha real resolução se lhes faça pública, e chegue à notícia de todos, sem perda de tempo de sorte que se possam conseguir os úteis fins a que ela se dirige que assim cumprireis. — O Príncipe Regente Nosso Senhor o mandou pelos ministros abaixo assinados, deputados da junta da real fazenda da capitania das ilhas dos Açores. — José Pires de Gamboa a fez nesta cidade de Angra aos 21 de maio de 1800, e eu Félix dos Santos Carvalho escrivão da fazenda, deputado da referida junta a fiz escrever, e subscrevi. — José Acúrsio das Neves — Francisco Celis Medina. — Por resolução da junta da real fazenda das ilhas dos Açores de 21 de maio de 1800.» Neste mesmo ano foram as ilhas dos Açores, e principalmente a ilha Terceira, fortemente agitadas por abalos de terra, que começaram no dia 24 de junho e se repetiram quase todos os dias até 4 de setembro do mesmo ano, tornando-se mais sensíveis nos lugares de Vila Nova e São Sebastião, onde os edifícios sofreram grande ruína. No ano seguinte, pelas 3 ½ horas da tarde do dia 26 de janeiro, sentiu-se um outro abalo, mais forte, arruinando quase por completo a igreja matriz de São Sebastião, casa da Câmara e muitas casas até às fortalezas da mesma Vila. No Cabo da Praia, Fonte do Bastardo e Vila Nova, ficaram também arruinadas as paroquiais, sendo necessário despender-se muito dinheiro para a reedificação dos edifícios, o que só pôde ser completada anos depois. Na Vila da Praia, não foram menos insignificantes os estragos causados pelo terramoto, ficando inabitáveis os mosteiros das freiras e o de São Francisco e muitas outras casas, que ficaram destruídas até aos alicerces. Em 1801, sofria o Conde de Almada um profundo golpe com a morte de sua virtuosa esposa, a quem idolatrava; e associado este desgosto aos dissabores do seu cargo bem espinhoso, resolveu pedir a sua demissão de capitão-general dos Açores. Constando ao povo de Angra qual a intenção do Conde, reuniu-se a municipalidade com os principais dignitários da cidade e juntos assinaram uma representação ao príncipe D. João, com data de 3 de abril de 1802, pedindo a permanência por mais três anos de tão ilustre governador. Mal cuidava o Conde de Almada que estas provas de estima e consideração seriam, em pouco


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tempo, transformadas em dissabores e ingratidão de um povo que lhe devia uma boa administração e um grande número de melhoramentos públicos. No dia 15 de dezembro de 1802 entrava, pela primeira vez na Sé Catedral, o Bispo D. José Pegado de Azevedo, da Congregação de São Filipe Neri, com plenos poderes de visitador e reformador das ordens religiosas da sua diocese. Iniciou o seu governo com transferências de eclesiásticos, colados nalgumas igrejas do bispado, organizou estatutos e regulamentos para governo das colegiadas e paróquias rurais e por último procedeu à sagração da Sé. Com estas medidas, um tanto enérgicas, procurou D. José Pegado levantar o clero que se encontrava desmoralizado, submetendo-o a uma boa disciplina; e por último, cuidou dos mosteiros de um e de outro sexo, onde perigava a religião e a moral com desprezo pelas leis e regulamentos. O seu governo austero, mas bom e correto, acarretou-lhe os maiores desgostos desde o começo do seu governo até à sua morte, que teve legar em 1812. O descontentamento de uns e a inveja de ter escolhido o convento de São Francisco para sua residência, enquanto não estavam concluídas as obras do paço episcopal, fez aumentar a insubordinação dalguns mosteiros; e, apesar das medidas enérgicas adotadas pelo Bispo D. José Pegado, não foi possível evitar-se o descrédito que os seus subordinados lhe acarretaram, alcunhando-o de vaidoso e amigo de ostentação. Durante a sua visita à ilha do Faial, redobraram as denúncias contra o Bispo, a quem atribuíram várias cenas de deboche e lascívia; e, na noite de 25 de junho de 1803, foram afixados alguns pasquins nas portas da Sé e esquinas das ruas principais, depreciando consideravelmente o carácter de D. José Pegado, que se conservou naquela ilha até à saída do Conde de Almada, com quem não estava em boa harmonia. Não menos desgostoso andava o capitão-general no seu governo, pela guerra surda que lhe fazia a nobreza de Angra, vendo-se obrigado a proceder energicamente contra algumas autoridades de Angra, Vila da Praia e de outras ilhas, que exorbitavam dos seus deveres e que, na sombra, urdiam a saída do general. Sendo informado o Príncipe Regente do que se passava na ilha Terceira, despachou o Conde de São Lourenço José António César de Melo, depois Marquês de Sabugosa, para capitão-general dos Açores, o qual tomou posse do seu cargo no dia 17 de outubro de 1804. Um dos primeiros atos do seu governo foi exigir das Câmaras Municipais uma relação de todos os terrenos cultos e incultos, autorizando-as ao mesmo tempo ao arrendamento e aforamento de pequenas parcelas, com a cláusula de as reaverem, quando os enfiteutas deixassem de as tapar e cultivar no espaço de um ano. Novamente se levantava a questão dos baldios,


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com grande oposição dos povos de Santa Bárbara, que, à mão armada, derribavam os tapumes. Repetiram-se várias vezes estes atos selváticos do povo terceirense, até que o general, conhecendo que só à força poderia conseguir o seu fim, mandou, no dia seguinte a um derrubamento, alguma tropa convenientemente armada para a freguesia de Santa Bárbara e seus arredores até à Serreta, com ordem expressa aos comandantes de cercarem aqueles povoados e prenderem toda a gente que encontrassem de um e de outro sexo. Encheram-se as cadeias públicas e foi fácil ao capitão-general descobrir os chefes dos derrubadores, que se prontificaram à reparação dos estragos. Belo exemplo digno de se imitar pelas nossas autoridades que deixam hoje praticar impunemente estes atos de selvajaria. Animado com tão bom resultado, exigiu o general a cultura dos terrenos, dando todas as providências para que os povos pudessem auferir grandes lucros da sua terra. Na presente portaria, enviada ao juiz de fora da Vila da Praia, se vê claramente o empenho do Conde de São Lourenço no desempenho da agricultura terceirense: «Tendo-se conhecido em todos os tempos a grande utilidade, que resulta aos povos do aumento da agricultura, e muito mais aqueles que tem a fortuna de habitar junto ao mar, onde é muito mais fácil a exportação do produto de suas colheitas, eu me tenho proposto a animar este ramo de tal sorte que os habitantes desta ilha em pouco tempo conheçam a utilidade que disto lhe resulta, persuadindo-me que o meio mais pronto para conseguir este fim é principiar por fazer cultivar todas as terras incultas; e tendo-me chegado à notícia a grande quantidade de baldios que há nesta ilha, tanto de particulares, como do concelho, e a maior parte destes de nenhuma utilidade para os povos, e só por um simples abuso, e por um mal entendido capricho, abandonados aos afetados gados dos mesmos povos de que lhes não resulta proveito algum, antes gravíssimo prejuízo: — ordeno ao Dr. juiz de fora, e mais oficiais da Câmara, que tendo tomado um exato conhecimento daqueles baldios pertencentes ao concelho, que afastados das povoações lhes não servem de logradouros; mandem fixar editais arrendando-os a quem mais der, preferindo os vizinhos do dito terreno, devendo ser os aforamentos em pequenas porções, e com a cláusula de ser para cultivar; e ficará devoluto logo que passe um ano sem que o enfiteuta o fabrique, prestando-lhe todos os auxílios precisos para que os povos lhes não embaracem o taparem-nos; facultando-lhes aos mesmos rendeiros para os aforamentos por meio de provisões alcançadas por eles do desembargo do paço. — O Dr. juiz de fora e mais oficiais da Câmara o tenham assim entendido, e façam executar, passando as ordens precisas. — Angra, 1.° de abril de 1805. — Conde de São Lourenço. — Sr. Dr. Juiz de fora da Vila da Praia, e mais oficiais da Câmara.»


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A 13 de janeiro de 1805, escrevia o general um extenso oficio ao ministro, Visconde de Anadia, reclamando as seguintes providências para os povos dos Açores: — autorização para não permitir a exportação de cereais que existissem em pequena quantidade; — suspensão do recrutamento nos Açores, que, juntamente à emigração para a América, prejudicavam consideravelmente a agricultura; — finalmente, a reparação de estradas, que não podia ser feita pelas Câmaras, pelos seus escassos recursos. Tentou também a construção duma doca no porto de Angra, chegando a oficiar ao ministro neste sentido e apresentando-lhe o projeto que mandara fazer; e, de todas as suas excelentes medidas, foi esta a única que não viu executada. Terminou o governo do Conde de São Lourenço em 1806, deixando numerosas simpatias em toda a ilha pela imparcialidade com que governou, sem distinção de classes, sabendo manter a paz e o sossego do povo terceirense. No dia 10 de maio do mesmo ano, tomava posse da capitania geral dos Açores D. Miguel António de Melo. Começou o seu governo por ordenar a execução dos §§ 18.º e 19.° da Carta de lei de 2 de agosto de 1766, acerca da escolha dos vereadores das Câmaras, recomendando a máxima cautela, para que só fossem escolhidos entre a nobreza. Conquanto pareça insignificante esta medida tomada pelo general, foi ela de um grande alcance, acabando com as dissidências que se davam em todas as Câmaras, pela incapacidade dos seus vereadores. Ordenou também a todos os senados a organização de um tombo completo dos bens do concelho, indicando-lhes o melhor meio de cobrança dos seus rendimentos. Tudo estava num perfeito caos; e foi com dificuldade que o general pôde obter de todas as Câmaras uma escrituração perfeita e completa da receita e despesa de cada concelho, acabando com os abusos praticados por algumas, na distribuição dos seus rendimentos. Protegeu também a agricultura, pondo em execução as leis que lhe diziam respeito; e suspendeu a feira e mercado da cidade, autorizado a venda de todo e qualquer produto na praça pública, aos domingos e dias santificados. Regularizou a administração das casas de beneficência e exigiu de todos os mosteiros e conventos uma relação dos seus bens e número de religiosos, por onde se conheceu o prejuízo que teve a ilha Terceira com aquelas casas, não só pelo capital ali acumulado, como pelo número de braços que roubavam à sua pátria. Foi o general D. Miguel António de Melo o primeiro que pediu para esta ilha a vacina para combater a epidemia de varíola, que então grassava em quase toda a ilha Terceira. A 5 de outubro de 1806 partia de Lisboa o cirurgião Estanislau José Coelho, encarregado de proceder à vacinação, que começou pelos expostos.


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Tendo aparecido, em 1808, uma outra doença em todas as crianças vacinadas, julgou o povo que seriam causadas pela vacina e em diversa, representações feitas ao general pediram a isenção dos seus filhos. Foi com grande dificuldade que se conseguiu desvanecer aquela ideia errónea. Decorria pacificamente o ano de 1807 para os terceirenses, quando foi recebida a notícia da invasão de Portugal pelo exército francês comandado por Junot e a fuga intempestiva e vergonhosa da família real portuguesa para o Brasil. Aterrados com tão fatais acontecimentos, e vendo a indiferença com que eram tratados pela sua mãe pátria, procuraram os terceirenses, conjuntamente com o general, reparar as fortificações da costa. Mas que fazer de pronto, se a artilharia estava quase toda desmontada e as comunicações interrompidas com o continente? Entregaram-se nas mãos da Providência, até que em 1809 foi sabido em Angra que Portugal estava liberto do inimigo. Por tão fausta notícia mandou o general celebrar um grande Te Deum na catedral e em todos os concelhos, ao qual se seguiram outros festejos públicos. Não passou desapercebido ao general o estado decadente em que estava a instrução pública na ilha Terceira e deu ao professorado as instruções necessárias para o bom desempenho de tão nobre missão. Criou uma aula militar no Castelo de São João Baptista, que, pouco depois, foi substituída por uma academia militar, por se reconhecer o pouco aproveitamento dos soldados. Esta academia foi inaugurada a 4 de novembro de 1811 pelo capitão-general Aires Pinto de Sousa. Finalmente, representou o general ao governo a necessidade que havia na criação de uma Junta Criminal. Por Alvará de 15 de novembro A 1810 foi organizada esta Junta, sendo pouco depois nomeado o capitão-general para presidente e na sua falta o Bispo da diocese. Tendo acabado o tempo de governo de D. Miguel António de Melo, que depois foi Conde de Murça, foi nomeado para o substituir Aires Pinto de Sousa, que tomou posse do seu cargo no dia 9 de setembro de 1810. Não foi tão feliz nos primeiros meses do seu governo o novo general. Habituados os terceirenses à brandura dos antecessores, não viram com bons olhos o procedimento pouco correto de Aires Pinto de Sousa para com os deportados políticos que, a 26 de setembro de 1810, desembarcavam em Angra de bordo da fragata Amazona. A indisposição que o general tinha com alguns dos presos, levou-o quase a opor-se ao seu desembarque, alegando as péssimas condições em que se encontravam as cadeias e outras prisões. Reuniu-se em conselho as principais autoridades, e, apesar dos empenhos do general, foram todos unânimes em que se devia receber os deportados e distribui-los pela cadeia e fortaleza. Entre os presos que vinham na Amazona, contavam-se, como mais importantes: os regulares, D. André, cónego regrante, e D. Francisco da Soledade; o padre Francisco Wanzeler,1 pregador régio; Dr. Ferrão; o padre José Portelli, professor de filosofia; o diácono Manuel Ferreira


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Gordo; o Dr. Joaquim José da Costa e Simas; o desembargador Vicente Ferreira Cardoso; o prior da igreja dos Anjos, José Ferrão de Mendonça e Sousa; e o cirurgião Inácio Quintino de Avelar.2 Às suas ideias democratas associou-se em parte o povo terceirense, que se revoltara contra o mau tratamento que davam aos presos os subalternos do general com consentimento deste, que não pôde encobrir a sua animosidade para com os seus compatriotas. Reinava nesta época grande dissidência no clero terceirense. Por um lado, o cabido e o vigário-geral Frutuoso José Ribeiro, disputavam entre si os deveres do seu cargo na ausência do Bispo que permanecia em São Miguel, em visita; por outro, continuava o Bispo D. José Pegado sofrendo insultos dos franciscanos micaelenses, chegando a ser repreendido pelo príncipe regente, pelo modo como tinha procedido para com o custódio provincial. Com esta repreensão aumentou a soberba dos franciscanos, que redobraram em insultos ao seu Bispo. Estes desgostos, que bastante impressionaram o prelado, associados às doenças físicas que de há muito o atormentavam, abreviaram-lhe a vida, vindo a falecer no dia 19 de junho de 1812, sucedendo-lhe D. Alexandre da Sacra Família, eleito a 17 de dezembro daquele ano. Vejamos quais as medidas adotadas pelo general Aires Pinto de Sousa: modificou a ordenança da ilha, estabelecendo logo no princípio do seu governo, treze companhias em Angra e São Sebastião e dez na Vila da Praia, sendo uma para cada freguesia, ao mesmo tempo que exigia do governo português armas de fogo e munições de que tanto carecia; na Junta Criminal, ordenou que os juízes de fora, em conformidade com a lei, lhe enviassem todos os processos das suas repartições criminais. Tornou-se, por assim dizer, o chefe supremo de todas as ilhas dos Açores. Foi também no governo de Aires Pinto de Sousa que se estabeleceu a Mesa do Desembargo do Paço, a 10 de setembro de 1811, e por Alvará de do mesmo mês a Junta do Melhoramento da Agricultura. No ano seguinte, assinalou-se tristemente o governo do capitão-general, como presidente da Junta Criminal, sentenciando à forca cinco infelizes da ilha de São Miguel, por terem assassinado o juiz de fora da Ribeira Grande. Foi revestido de tal aparato a sentença e a execução que a todos causou indignação, retirando-se para fora da cidade quase todas as famílias, deixando desertas as ruas por onde devia passar o cortejo. Este procedimento pouco digno de um general e muito diferente do dos seus antecessores, fê-lo decair no conceito do público, tornando-se mais infamante a sua pertinácia em não esperar pela decisão do recurso interposto ao príncipe regente. Três dias depois da execução, chegava a absolvição para todos os réus. Quando em 1814 se recebeu em Angra a agradável notícia de Portugal estava livre das iras de Napoleão e restabelecida a paz europeia, mandou


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o capitão-general celebrar um solene Te Deum em ação de graças, nas principais igrejas; e, em seguida, pelo perdão geral concedido aos presos de estado, mandou dar a liberdade aos que tinham vindo de Portugal, e licença para embarcarem num navio de guerra que foi mandado expressamente aos Açores a 5 de dezembro daquele ano. A 20 de outubro de 1816 foi recebida em Angra a notícia da morte da Rainha D. Maria I no Rio de Janeiro, começando no dia seguinte as salvas nas fortalezas e as cerimónias exigidas em tais atos, observando-se luto rigoroso por algum tempo. Terminou neste mesmo ano o governo de Aires Pinto de Sousa, sendo nomeado para o substituir o general Francisco António de Araújo. Finalmente, a 14 de abril de 1817 recebia a Câmara de Angra um aviso régio assinado pelo Marquês de Aguiar, participando a aclamação de D. João VI e ordenando que se fizessem em todas as ilhas dos Açores demonstrações de regozijo público, precedido de um Te Deum na Sé Catedral.


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