Memórias Póstumas de Brás Cubas/CLIV

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CAPITULO CLIV

 
Os navios do Pireu
 

— Ha de lembrar-se, disse-me o alienista, daquelle famoso maniaco atheniense, que suppunha que todos os navios entrados no Pireu eram de sua propriedade. Não passava de um pobretão, que talvez não tivesse, para dormir, a cuba de Diogenes; mas a posse imaginaria dos navios valia por todas as drachmas da Hellade. Ora bem, ha em todos nós um maniaco de Athenas; e quem jurar que não possuiu alguma vez, mentalmente, dous ou tres patachos, pelo menos, póde crer que jura falso.

— Tambem o senhor? perguntei-lhe.

— Tambem eu.

— Tambem eu?

— Tambem o senhor; e o seu criado, não menos, se é seu criado esse homem que alli está sacudindo os tapetes á janella.

De facto, era um dos meus criados que batia os tapetes, emquanto nós falavamos no jardim, ao lado. O alienista notou então que elle escancarára as janellas todas, desde longo tempo, que alçára as cortinas, que devassára o mais possivel a sala, ricamente alfaiada, para que a vissem de fóra, e concluiu: — Este seu criado tem a mania do atheniense: crê que os navios são delle; uma hora de illusão que lhe dá a maior felicidade da terra.