Memórias Póstumas de Brás Cubas/LXXIX

Wikisource, a biblioteca livre

CAPITULO LXXIX

 
Compromisso de gato
 

Não acabaria se houvesse de contar pelo miudo o que padeci nas primeiras horas. Vacillava entre um querer e um não querer, entre a piedade que me empuxava á casa de Virgilia e outro sentimento, — egoismo, supponhamos, — que me dizia: — Fica; deixa-a a sós com o problema, deixa-a que ella o resolverá no sentido do amor. Creio que essas duas forças tinham egual intensidade, investiam e resistiam ao mesmo tempo, com ardor, com tenacidade, e nenhuma cedia definitivamente. Ás rezes sentia um dentesinho de remorso; parecia-me que abusava da fraqueza de uma mulher amante e culpada, sem nada sacrificar nem arriscar de mim proprio; e, quando ia a capitular, vinha outra vez o amor, e me repetia o conselho egoista, e eu ficava irresoluto e inquieto, desejoso do a ver, e receioso de que a vista me levasse a compartir a responsabilidade da solução.

Por fim interveiu um compromisso entre o egoismo e a piedade; eu iria vel-a em casa, e só em casa, em presença do marido, para lhe não dizer nada, á espera do effeito da minha intimação. Deste modo, poderia conciliar as duas forças. Agora, que isto escrevo, quer-me parecer que o compromisso era uma burla, que essa piedade era ainda um fórma de egoismo, e que a resolução de ir consolar Virgilia não passava de uma suggestão de meu proprio padecimento. Occorre-me a este proposito um naturalista, — não me lembra qual, — mas era um naturalista, — em quem li esta observação curiosa: «O gato não nos affaga, affaga-se em nós.» Vejo que eu fazia um compromisso de gato.