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Memórias Póstumas de Brás Cubas/LXXXIII

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CAPITULO LXXXIII

 
13
 

O Cotrim tirou-me daquelle gozo, levando-me á janella. — Você quer que lhe diga uma cousa? perguntou elle; — não faça essa viagem; é insensata, é perigosa.

— Porque?

— Você bem sabe porque, tornou elle: é, sobretudo, perigosa, muito perigosa. Aqui na côrte, um caso desses perde-se na multidão da gente e dos interesses; mas na provincia muda de figura; e tratando-se de personagens politicos, é realmente insensatez. As gazetas de opposição, logo que farejarem o negocio, passam a imprimil-o com todas as lettras, e ahi virão as chufas, os remoques, as alcunhas...

— Mas não entendo...

— Entende, entende; e, na verdade, seria bem pouco amigo nosso, se me negasse o que toda a gente sabe. Eu sei disso ha longos mezes. Repito, não faça semelhante viagem; supporte a ausencia, que é melhor, e evite algum grande escandalo e maior desgosto...

Disse isto, e foi para dentro. Eu deixei-me estar com os olhos no lampião da esquina, — um antigo lampião de azeite, — triste, obscuro e recurvado, como um ponto de interrogação. Que me cumpria fazer? Era o caso de Hamlet: ou dobrar-me á fortuna, ou lutar com ella e subjugal-a. Por outros termos: embarcar ou não embarcar. Esta era a questão. O lampião não me dizia nada. As palavras do Cotrim resoavam-me aos ouvidos da memoria, de um modo bem diverso do das palavras do Garcez. Talvez o Cotrim tivesse razão: mas podia eu separar-me de Virgilia?

Sabina veiu ter commigo, e perguntou-me em que estava pensando. Respondi que em cousa nenhuma, que tinha somno e ia para casa. Sabina esteve um instante calada. — O que você precisa, sei eu; é uma noiva. Deixe, que eu ainda arranjo uma noiva para você. Saí de lá oppresso, desorientado. Tudo prompto para embarcar, — espirito e coração, — e eis ahi me surge esse porteiro das conveniencias, que me pede o cartão de ingresso. Dei ao diabo as conveniências, e com ellas a constituição, o corpo legislativo, o ministerio, tudo.

No dia seguinte, abro uma folha politica e leio a noticia de que, por decretos de 13, tínhamos sido nomeados presidente e secretario da provincia de *** o Lobo Neves e eu. Escrevi immediatamente a Virgilia, e segui duas horas depois para a Gamboa. Coitada de D. Placida! Estava cada vez mais afflicta; perguntou-me se esqueceriamos a nossa velha, se a ausencia era grande e se a provincia ficava longe. Consolei-a; mas eu proprio precisava de consolações; a objecção do Cotrim affligia-me profundamente. Virgilia chegou dahi a pouco, lepida como uma andorinha; mas, ao ver-me triste, ficou muito seria.

— Que aconteceu?

— Vacillo, disse eu; não sei se devo aceitar...

Virgilia deixou-se cair, no canapé, a rir. — Porque? disse ella.

— Não é conveniente, dá muito na vista...

— Mas nós já não vamos.

— Como assim?

Contou-me que o marido ia recusar a nomeação, e por motivo que só disse a ella, pedindo-lhe o maior segredo; não podia confessal-o a ninguem mais. — É pueril, observou elle, é ridiculo; mas em summa, é um motivo poderoso para mim. E referiu-lhe que o decreto trazia a data de 13, e que esse numero significava para elle uma recordação funebre. O pae morreu n’um dia 13, treze dias depois de um jantar, em que havia treze pessoas. A casa em que morrera a mãe tinha o n. 13. Et cætera. Era um algarismo fatidico. Não podia allegar semelhante cousa ao ministro; dir-lhe-hia que tinha razões particulares para não aceitar. Eu fiquei como ha de estar o leitor, — um pouco assombrado com esse sacrificio a um numero; mas, sendo elle ambicioso, o sacrificio devia ser sincero... E ficavamos. Para alguma cousa ha de servir a superstição dos homens.