Meteorito de Bendegó: relatorio (1888)/07
Graças á liberalidade do Exm. Sr. Barão do Guahy, e aos esforços, quasi sobrehumanos, do Sr.Dr. José Carlos de Carvalho, enriqueceu-se a sciencia com um meteorito dos mais notaveis, cuja chegada a esta Côrte veiu despertar um vivo interesse no espirito publico. Accedendo ao pedido que o Sr. Dr. J. C. de Carvalho dignou-se dirigir-nos, procuramos, nesta curta noticia, satisfazer a legitima curiosidade que a imponente massa meteorica provocou, indicando a origem provavel dos meteoritos, os phenomenos mais interessantes que precedem e acompanham a sua quéda na terra, a sua estructura e composição.
Diversas hypotheses têm sido formuladas sobre a origem provavel dos meteoritos, ligando-se ás mais salientes os nomes de Chladni, Lagrange e outros, e mais recentemente os de Daubrèe, Stanislas Meunier, Hans Reuch, Newton, etc. Essas hypotheses podem dividir-se em duas classes principaes: 1ª as que attribuem aos meteoritos uma origem terrestre, e 2ª as que lhes suppoem uma origem extra-terrestre.
Estas ultimas podem por sua vez dividir-se em tres outras:
A 1ª suppõe os meteoritois productos de erupções volcanicas, sobrevindas em outros planetas do nosso systema ;
A 2ª admitte que os meteoritos sejam provenientes da fragmentação ou ruptura de algum astro do nosso systema ;
A 3ª considera os meteoritos como de origem sideral, ou não pertencentes a nosso systema planetar.
Examinemos rapidamente essas diversas hypotheses.
A origem terrestre só poderia explicar-se pelo facto de ter havido em tempos remotos erupções volcanicas capazes de lançar fragmentos fóra da esphera da attracção terrestre, e que em seguida percorressem orbita fechada, isto é, elliptica, em torno do sol, como um dos fócos.
Esta hypothese, apresentada por Lagrange, tem por partidarios Tschermack, Ball e outros ; sendo digno de nota que, na sessão de 18 de Junho ultimo, da Academia das Sciencias, o Sr. Faye, cujo nome é universalmente respeitado na sciencia, relembrou essa hypothese, mostrando que a fórma fragmentada dos meteoritos, a identidade de sua constituição chimica e mineralogica, com as massas profundas da terra, e a grande frequencia de suas quédas, são absolutamente incompativeis com uma proveniencia estranha a nosso systema planetar.
Erupções volcanicas como as que se manisfestam hoje, na superficie da terra, seriam totalmente incapazes de projectar qualquer fragmento fóra da esphera da attracção terrestre ; porém, póde-se admitir que as forças explosivas, que se desenvolviam nessas erupções, na época em que a constituição geologica da terra era mui differente da que apresenta hoje, eram incomparavelmente superiores ás actuaes, e que os actuaes aerolithos e meteoritos fossem então expellidos do interior da terra.
Quanto á constituição mineralogica dos meteoritos, no que se refere á sua identidade como a do interior do nosso globo, admittiremos, como Stanislas Meunier, que a analyse chimica provou que os meteoritos não contèm nenhum corpo simples que seja estranho á chimica terreste. A analyse mineralogica, porém, além de certos elementos que se encontram no globo terrestre, revelou a existencia de outros que até agora as rochas terrestres não apresentaram.
O argumento a favor desta hypothese, baseado nas leis da mecanica celeste, é por certo digno de consideração. Com effeito, avaliando grosseiramente em cerca de 600 o numero dos meteoritos que annualmente cahem na superficie da terra, e notando que as orbitas de todos esses meteoritos cortam a orbita terrestre, lembraremos que um corpo lançado de um ponto qualquer do espaço, com bastante velocidade para descrever uma orbita elliptica em torno do sol, deve forçosamente tornar a passar pelo mesmo ponto ; é uma lei da mecanica celeste. Em consequencia disso, na hypothese da origem volcanica
terrestre, qualquer fragmento expellido ha de tornar a passar pelo ponto da orbita terrestre onde se achava a terra na occasião do phenomeno (Vide fig. 1). Si,por outro lado, desprezando quaesquer influencias perturbadores, o periodo de sua revolução fòr commensuravel com o dia da terra, está caro que, em uma ou outra das suas revoluções em torno do sol, o fragmento virá forçosamente encontrar a terra. Admittida, pois, esta origem, nada ha que estranhar sem ver tão grande numero de corpusculos virem encontrar a terra. Nesta hypothese, porém, as orbitas devem estar distribuidas do modo o mais variado, e sobretudo apresentar inclinações sobre a ecliptica mui diversas umas das outras e de movimento ora direito, ora retrogrado. Entretanto, de um trabalho de Newton, agora publicado no American Journal of Science, e reproduzido no Nature, resulta que os 256 meteoritos existindo nas collecções dos museus, cuja quéda foi presenciada, e ácerca de cujas orbitas se possuem certos dados, eram, com mui poucas excepções, animados de movimento directo, o que constitue argumento poderosissimo contra a hypothese da origem volcanica terrestre.
Passemos ás hypotheses sobre a origem extra-terrestre.
A primeira destas consiste em admitir que os aerolitos seham productos volcanicos do nosso satellite, e foi sustentada por Laplace, Biot, Poisson, Bessel, como, muito a proposito, lembrou o Sr. Faye na nota, á qual já nos referimos.
Na realidade, a superficie da lua está coberta de um immenso numero de crateras, porém, todas essas crateras pertencem a volcões, actualmente extinctos. Ora, é inadmissivel que meteorito algum cahido agora seja proveniente de erupção volcanica sobrevinda no tempo em
que se achavam em actividade os volcões lunares, pela razão seguinte, apresentada, pensamos, pela primeira vez, por Robert S. Ball, director do observatorio de Dublin.
Todo o fragmento lançado por algum volcão lunar ha de descrever uma orbita em torno da terra, como fóco (Vide fig. 2). Portanto, só no caso particular de passar a orbita a uma distancia do centro da terra menor do que o raio desta, como no caso da fig. 3, é que o meteorito poderia encontral-a ; nos outros casos, tal encontro não poderia dar-se. Nos casos do encontro, convém observar que este ha de forçosamente dar-se na primeira revolução do meteorito em torno da terra, o que mostra evidentemente que, pelo menos, os meteoritos que cahem actualmente sobre a terra não podem ter sido lançados pelos volcões da lua, na época de sua actividade.
As figs. 2 e 3 representam as condições geometricas do phenomeno em ambos os casos.
Sómente no caso da fig. 3, é que póde haver encontro entre o aerolitho e a terra, e mostrar-se que a hypothese volcanica lunar é pouco sustentavel.
Deixando para depois o exame da segunda hypothese sobre a origem extra-terrestre, temos agora de citar a terceira, que admite a origem sideral, isto é, que os meteoritos nos chegam das regiões intrasideraes, que pertencem ao espaço muito além da esphera de attracção do nosso sol.
Esta hypothese tem contra si o argumento, já apresentado e tirado do trabalho de Newton, concernente ao sentido do movimento de translação dos meteoritos em torno do sol, e não se concilia também com a idéia que os meteoritos sejam provenientes de um só corpo, sendo, pois, necessario admittir que seriam fragmentos de diversos corpos de composição identica.
Chegamos, finalmente, á hypothese de que os aerolithos e meteoritos sejam provenientes da ruptura ou explosão de algum outro planeta do nosso systema. Esta hypothese é sustentada por varios astronomos e geologos. Talvez venha aqui a proposito lembrar uma memoria publicada em 1879, intitulada Distribuição do grupo dos planetoides entre Marte e Jupiter, na qual collaborámos com o illustrado Sr. Emm. Liais.
E' sabido que, no principio deste seculo, o astronomo Olbers, notando que as orbitas dos quatro primeiros planetoides Ceres, Pallas, Junon, Vesta, cortavam-se approximadamente em um mesmo ponto do espaço, emittiu a opinião de que pudessem ser os fragmentos de um grande planeta que se tivesse rompido em varios pedaços.
Mais tarde, quando a descoberta de maior numero de planetoides mostrou que suas orbitas não se cruzavam mais, como faziam as quatro primeiras, foi geralmente abandonada a hypothese de Olbers.
Na memoria em que 1879 sahiu como primeiro fasciculo dos Annaes do Imperial Observatorio do Rio de Janeiro, procurámos mostrar que o facto da não concentração das orbitas desses planetoides não se constituia por si só um argumento sufficiente para tornar inadmissivel a hypothese de Olbers.
E, mostrando pelo exame de todas as orbitas então conhecidas, que estas apresentavam quatro ou cinco pontos de concentração no espaço, onde suas orbitas se cruzavam, fizemos ver que semelhante concentração podia explicar-se admitiindo que se produzissem, em logar de uma só ruptura do planeta primitivo, varias rupturas, em pontos diversos da orbita. Nestes mesmos pontos onde se concentraram-se as orbitas dos planetoides, verificámos, pelo mesmo exame, que alli também cruzavam-se as orbitas dos cometas periodicos de Encke, Tempel II, Winnecke, Brorsen, Tempel I e Arrest, todos animados do movimento directo.
Transcrevemos agora da mesma memoria os seguintes trechos, em que vêm expostas algumas considerações em apoio da hypothese que ora estamos apresentando:
« Seja como fòr, é digno de nota que o facto inesperado da concentração das orbitas dos cometas periodicos nas zonas onde se acham condensados os planetoides, embora possa ser fortuito para algumas dellas, vem no emtanto reforçar consideravelmente a opinião de Olbers, a qual já se achava provada pelo facto só da concentração das orbitas planetarias que mencionamos.
« O modo possivel da origem de certos cometas, á qual acabamos de alludir, levanta numerosas questões interessantes. Examinando o assumpto com a devida attenção, não se póde deixar de observar que em um astro que tivesse, como a terra, volcões alimentados por poderosas acções chimicas collocadas debaixo do ponto da superticie onde se acham, e emittindo aliás gazes, como o fazem os volcões terrestres, é evidente que, no caso de uma ruptura do astro, essas regiões volcanicas achar-se-hiam repartidas nos diversos fragmentos ; ora, esta circumstancia não impediria os phenomenos chimicos que estavam em jogo, de continuar a se produzir, porém os effeitos d'ahi provenientes seriam mui differentes do que antes. Com efeito, antes da ruptura, a acção da gravitação exercitada pelo planeta primitivo manteria, em torno de si, como uma atmosphera, os gazes emittidos, e chamaria a si as materias projectadas fóra das crateras ; pelo contrario, sobre um fragmento de menos massa, e portanto desprovido de forte gravitação, todas as materias emittidas, gazes e projectis, sahiram sem difficuldade da esphera de atracção para circular no espaço em torno do sol como corpos independentes, e o mesmo dar-se-hia para os vapores e gazes não permanentes á temperatura do espaço, os quaes teriam de condensar-se em enxames de corpos animados de suas respectivas velocidades de projecção. Esta consideração mostra tambem como os cometas tém podido originar-se do mesmo modo ; isto é, longo tempo depois da ruptura original, e conseguintemente que não é necessario encontrar as suas orbitas nas zonas de concentração das orbitas dos planetoides para autorizar semelhante opinião. Em todos os casos não haveria alli a explicação da relação curiosa verificada entre certos cometas periodicos que se approximam consideravelmente da terra e varias quédas periodicas de estrellas cadentes?
« Não será, com effeito, digno de nota, que o cometa Biela, em cuja orbita circula o immenso enxame de poeira cosmica, o qual deu logar ás quédas de meteoros de 29 de Novembro de 1872, e á qual se attribuem tambem os enxames de 6 a 13 de Dezembro, varias vezes mencionadas na historia, como tendo sido de uma intensidade extraordinaria, atravessar tambem uma região de condensação de orbitas dos fragmentos de um corpo planetario destruido ? Si, além disso, se levam em conta os importantes e recentes estudos de Daubrée e Stanislas Meunier sobre a natureza dos aerolithos, que nos mostram caracteres geologicos do maior interesse que os ligam a um mundo destruido, como sejam rochas filonicas, rochas eruptivas, mas sobretudo, facto ainda mais notavel, rochas estratificadas sedimentarias e metamorphicas ; si lembrarmos tambem certas analyses anteriores, que mostraram, como materias corantes, certos hydrocarburetos da natureza daquelles que sómente encontramos sobre o globo pelos effeitos da decomposição das meterias organicas, que parecem indicar que a vida reinou sobre esse mundo destruido, cujos fragmentos nos chegam agora,é-se necessariamente impressionado por essas coincidencias notaveis, as quaes, dir-se-hia, se apresentam como que para dar á theoria d'Olbers um ultimo caracter de certeza. »
Eis o que escreviamos na Memoria publicada em 1879, e passando á estimação da grandeza a mais provavel que devia ter o planeta que originou os asteroides entre Marte e Jupiter, servimo-nos de duas ordens de considerações distinctas, uma mecanica e outra optica, donde se póde concluir que o planeta primitivo não devia exceder o volume do planeta Marte.
A fórma exterior que apresentam em geral os meteoritos vem ainda corroborar essa origem fragmentaria, sendo commum a todos apresentarem aspecto anguloso. Esse caracter de fragmento é mais facilmente encontrado nos meteoritos, cuja quéda é recente. Nos outros, depois de expostos por muito tempo á acção dos agentes atmosphericos, os angulos acham-se arredondados, o que se nota, por exemplo, no meteorito de Bendegó, independentemente dos effeitos provenientes do aquecimento durante o trajecto do meteorito na atmosphera terrestre.
A hypothese sobre a origem pela ruptura ou explosão de algum grande planeta, concilia-se tambem com a periodicidade da quéda dos diversos corpusculos : estrellas cadentes, bolides e aerolithos ou meteoritos. Quanto ás primeiras, ella póde ser considerada como provadissima, á vista dos trabalhos de Schiaparelli, Newton, Coulvier, Gravier e outros, e dos quaes resulta a connexão dos principaes enxames de estrellas cadentes com alguns dos cometas periodicos.
Em relação aos segundos, a sua periodicidade não póde ser considerada como facto adquirido á sciencia, por basear-se em numero relativamente insufficiente de observações. Si o numero de aerolithos e meteoritos, que annualmente encontram a terra, póde ser avaliado em cerca de 600, o numero daquelles cuja quéda é notada, com certeza chega apenas a quatro ou cinco no anno. D'ahi, a difficuldade de se estabelecer uma theoria segura. Entretanto, pelos trabalhos de Hans Reusch, cujos resultados se acham expostos em uma interessante conferencia feita na Universidade de Christiana, na Noruega, e transcripta no Jornal do Commercio de 9, 11 e 13 de Julho do corrente anno, parece existir uma certa periodicidade na quéda destes corpusculos, periodicidade que para os casos citados pelo Sr. Hans Reush, seria de seis a oito annos, isto é, semelhante á de alguns cometas periodicos, com os quaes teriam então, segundo este autor, uma connexão, como existe para as estrellas cadentes. Dahi, pois, autoriza-se o Sr. Hans Reusch, conjunctamente com o Sr. Newton, em definir um pouco ousadamente, como diz, o meteorito como sendo um pedaço de cometa.
Da exposição supra, que resume rapidamente as diversas hypotheses ácerca da origem dos meteoritos, parece que a ultima, que os attribue á ruptura ou fragmentação de algum planeta existente outr'ora entre Marte e Jupiter, reune a seu favor maior numero de argumentos. Planetoides, certos cometas periodicos, estrellas cadentes, aerolithos, meteoritos teriam assim uma origem commum, sendo ao mesmo tempo explicados o movimento directo dos meteoritos, a inclinação nunca grande das suas orbitas, e seu aspecto fragmentario.
Trataremos agora, rapidamente, de descrever os phenomenos que acompanham a quéda dos meteoritos, sua composição chimica, estructura e sua classificação, etc.
A velocidade com que os corpusculos cosmicos penetram na nossa atmosphera é extremamente variavel. Podemos admittir, sem erro apreciavel, que a maioria das estrellas cadentes se move no espaço ao approximar-se da terra (mas antes de penetrar na sua atmosphera) com a velocidade parabolica, isto é, a da terra multiplicada por . Si admitirmos a velocidade da translação da terra cerca de 30 kilometros por segundo, a dos meteoros será kilometros.— Esta é a velocidade absoluta no espaço; devemos, porém, considerar a velocidade relativa, que é a que nos interessa, visto que ella representa o deslocamento que possue o meteorito em relação á terra e ao entrar na sua atmosphera.
Si o meteoro mover-se em sentido contrario ao movimento da terra, a velocidade relativa será a somma das velocidades absolutas, isto é, kilometros.
Si o meteoro mover-se em mesmo sentido ao movimento da terra, a velocidade relativa será a differença, isto é : kilometros. 72 kilometros e 12 kilom. são pois a velocidades limites com que os corpusculos cosmicos, estrellas cadentes, bolides, meteoritos, penetram na atmosphera terrestre.
O primeiro effeitto, que resulta da penetração do corpusculo na atmosphera, é a diminuição de sua velocidade pela resistencia que lhe oppõe o ar, e, ao mesmo tempo, a producção de calorico, pelas leis da physica. Ninguem melhor do que o professor Hirn, a nosso ver, tem descripto e estudado os phenomenos luminosos e calorificos que acompanham a quéda dos bolidos, por isso os algarismos que passamos a expôr, para dar idéa exacta da intensidade dos phenomenos, foram extabelecidos por esse illustre physico.
Em primeiro logar, convém lembrar que a resistencia que o ar oppõe ao bolide é proporcional á densidade do ar e ao quadrado da velocidade do bolide. Porém, a fórma do corpo influe consideravelmente sobre essa resistencia.
Imaginamos um bolide de fórma espherica, de secção de um metro quadrado, e animado de uma velocidade de 30 kilometros por segundo. Este bolide, ainda quando estiver em uma altura de 37.000 metros, experimentará a enorme resistencia de 582,000 kilogrammas.
Lembrando que a pressão atmospherica ao nivel do mar é de 10,333 kilogrammas por metro quadrado, resulta d'ahi que a resistencia desenvolvida será de 65 atmospheras ! Como, porém, na altura de 37 kilometros a pressão do ar é apenas de 1/100 de atmosphera, vê-se que a velocidade do meteorito torna a pressão do ar 5,600 vezes maior do que era antes !
E' opinião bastante acreditada, que a producção de luz, que acompanha a penetração do bolide na atmosphera, é resultado do attrito do corpusculo com o ar. Ora, por experiencias concludentes, está provado que este attrito não póde, por fórma alguma, produzir aquecimento apreciavel, quanto mais o immenso calorico desenvolvido por occasião da quéda do bolide.
O phenomeno é diverso. Adiante do bolide o ar comprime-se, emquanto atrás produz-se um vacuo que o ar preenche pouco a pouco. A enorme pressão a que se acha submettido o ar, torna este incandescente, tal qual o faria um briquet à air. Com a velocidade de 30 kilom. por segundo, a temperatura produzida pela compressão do ar será de 3.400 gráos centigrados !
A enorme pressão á qual é submettido o bolide deve pulverisar instantaneamente a superficie ; e o pó mineral, assim produzido, exposto a um calor de alguns milhares de gráos deve tornar-se logo luminoso, como é o caso para o pó de cal, de magnesia, que se atira na chamma do gaz oxihydrico. Assim explica-se a cauda ou rasto luminoso que acompanha a quéda das estrellas cadentes, bolides, etc.
E' facto extremamente curioso, que a differença de temperatura produzida é independente da densidade do ar, mas sómente da differença das pressões produzidas pelo choque, a qual não depende da densidade, mas sómente da velocidade do bolide.
Assim, para um bolide, animado de uma velocidade de 30 kilom. por segundo, o accrescimo de pressão será de um para 5832 e o accrescimo da temperatura de 273º para 3341º, quer esteja o ar na pressão de 1/1000 ou de uma atmosphera. Eis o que explica por que razão as estrellas cadentes, que atravessam as regiões elevadas da nossa atmosphera tornam-se mui luminosas. Entretanto, convem notar que, si a differença de temperatura é independente da densidade do ar, a quantidade de calor é, pelo contrario, em razão directa da densidade. Por isso, um bolide, em condições de igual velocidade torna-se mais luminoso nas camadas baixas da atmosphera.
Por causa da resistencia que lhe oppõe o ar, a velocidade do bolide diminue consideravelmente. Eis dous exemplos numericos que tornarão palpavel essa diminuição da velocidade.
Seja um aerolitho espherico de 1 metro quadrado de secção, do peso de 200 kilogr., densidade 2,6, e velocidade de 30 kilometros por segundo. Para que sua velocidade seja reduzida ao centesimo, isto é, a 300m por segundo, bastará que o aerolitho percorra uma trajectoria de 145 kilometros.
Suppondo agora a secção de 10m², mesma densidade, e peso de 6300 kilogr. será necessario que o aerolitho percorra 459 kilometros para produzir a mesma diminuição na velocidade.
Consideremos agora o caso da quéda vertical do primeiro aerolitho, do pelo de 2000 kilogr.; a sua velocidade ao chegar ao sólo será apenas de 2460 metros, e o tempo de sua quéda será sómente de 15 segundos.
Incomparavelmente menor é a velocidade de que se acha animado o aerolitho ou meteorito ao cahir sobre a superficie da terra. Eis o que explica por que, nem sempre, elle se acha enterrado, nem tampouco completamente despedaçado, como seria o caso, si encontrásse a terra com uma velocidade de alguns kilometros por segundo.
Na realidade o phenomeno passa-se do seguinte modo.
O corpusculo penetra na atmosphera com velocidade planetar, e encontrando immensa resistencia por parte do ar, não tarda em mover-se com velocidade muito menor. O alto gráo de pressão e a consideravel temperatura desenvolvida, produzem a ruptura do bolide, e não propriamente a sua explosão, que mais deve entender-se quando produzida por forças internas. Depois da ruptura, os fragmentos animados com velocidade ainda mais reduzida, do que a do corpo primitivo cahem sobre o chão. E', pois, uma verdadeira quéda de altura variavel, que póde ser de alguns kilometros, e que não se póde, as mais das vezes, fazer penetrar muito o aerolitho no interior do solo. Acontece outras vezes que o meteorito faz ricochet, indo cahir em logar differente daquelle onde em primeiro lugar tinha encontrado a terra.
Para dar idéa da somma consideravel de calorico desenvolvido pela diminuição ou anniquilamento da velocidade, bastará dizer que cada kilogramma de um bolide, animado primitivamente da velocidade de 30 000 metros desenvolve calor sufficiente para quecer de 0º a 100º um peso superior de 1000 kilog. d'agua.
A maior parte deste calor communica-se no ar, pois que, ainda que alguns dos meteoritos sejam compostos de materiaes bons conductores do calorico, é completamente impossivel que elle se communique, em tão pouco tempo (alguns segundos apenas), da peripheria ao interior.
E', com effeito, o que se nota. Os aerolithos e meteoritos, na occasião dessa quéda, apresentam um certo gráo de calor, ás vezes elevado, porém este calor é superficial, e desaparece em pouco tempo, por causa da temperatura mui baixa do interior.
A consideravel pressão de centenas e ás vezes milhares de atmospheras á qual se acham submettidos os meteoritos, e a grande elevação de temperatura de, ás vezes, 5.000 gráos, explica por que, em geral, os aerolithos e meteoritos são de pequenas dimensões.
Si sua dimensão, ao penetrar na nossa atmosphera, já fór pequena, o aerolitho será completamente volatilisado, e teremos então uma simples estrella cadente. Si as dimensões forem maiores, o corpusculo cosmico poderá, pelos phenomenos de luz apresentados, pertencer á categoria dos bolides, e si se produzir ruptura em fragmentos, que em seguida cahirem na terra, estes merecerão o nome de aerolithos ou meteoritos.
Como ja vimos, os aerolithos que se movem em sentido contrario ao movimento de translação da terra, devem encontrar esta com uma velocidade muito maior do que no caso contrario. Nos dous casos, as velocidades respectivas são de 72 ou de 12 kilometros por segundo.
Por outro lado, um maior numero de corpusculos deve encontrar o hemispherio da terra virado do lado para o qual é dirigido a cada instante o seu movimento de translação ; ora, em relação ao horizonte, muda esta direcção a cada instante. Assim, por exemplo, ao pór do sol, a direcção do movimento de translação da terra é vertical, porém o sentido é do zenith para o nadir, e portanto, neste momento, a terra afasta-se da região do espaço cujo centro é o zenith. Ao nascer do sol é exactamente o contrário ; o movimento da terra é ainda vertical, porém dirigido para o zenith. (Quando dizemos que o movimento é vertical, desprezamos a inclinação da ecliptica. Na realidade, o movimento da terra está sempre comprehendido dentro do plano da ecliptica). Eis o que explica por que o numero das estrellas cadentes é maior pela manhã do que á tarde, como prova tambem a estatistica estabelecida por Schiaparelli.
Entretanto nota-se uma maior frequencia dos bolides e aerolithos á tarde. Eis a razão. Os corpusculos cosmicos que encontram a terra pela manhã, devem, pelas considerações já apresentadas, ser animados de grande velocidade relativa, e, penetrando com esta velocidade na atmosphera, comprehende-se que grande numero delles deve volatilisar-se, tornando-se simples estrellas cadentes. Eis por que predominam estes meteoros nas horas da madrugada.
Pelo contrario, os corpusculos que encontram a terra á tarde devem possuir pequena velocidade relativa, insufficiente para alguns de volatisal-os completamente, d'onde resultarão os aerolithos e os meteoritos.
Si encararmos a frequencia annual, verifica-se que, para o hemispherio austral, o numero de corpusculos encontrando a terra, deve ser maior de Dezembro a Junho, e maior nos outros seis mezes ; o que resulta ainda da posição da ecliptica sobre o horizonte, mais elevada no primeiro periodo do que no outro.
Quanto á frequencia diurna e annual, podemos resumir os resultados do seguinte modo:
Maximo dos bolides e meteoritos | de tarde | |
Minimo das estrellas cadentes.... | ||
Minimo dos bolides e meteoritos | de manhã | |
Maximo das estrellas cadentes... |
Maximo | do solsticio | do verão ao do inverno. | ||
Minimo | do inverno ao verão. |
Devido á attracção da terra, o numero das estrellas cadentes deve crescer, porém mais para aquellas de pequena velocidade do que para as outras. Pelos trabalhos de Schiaparelli, vê-se que o accrescimo para as primeiras é na razão de 1:1,025, e. para as outras, na de 1:1,849. Portanto, a proporção das estrellas cadentes de manhã ás da tarde deve estar na razão de 5:9. Este facto compensa em grande parte o effeito da variação diurna dos meteoros,diminuindo a proporção entre a frequencia da manhã e a da tarde.
Após termos examinado quaes as diversas hypotheses que melhor podem explicar a origem dos meteoritos, e exposto os phenomenos mais salientes que apresentam ao atravessar a nossa atmosphera, vamos tratar do aspecto que apresentam os meteoritos, sua estructura e composição chimica, e sua classificação.
Pela sua apparencia externa, muito differentes são os meteoritos uns dos outros. Um caracter que em geral apresentam, é a fórma que affecta um corpo solido resultando da fragmentação de outro. Todos os aerolithos acham-se encobertos de uma camada mui delgada de uma substancia negra e reluzente, que deve ser attribuida aos effeitos do aquecimento do ar atmospherico.
Diremos aqui algumas palavras de uma apparencia caracteristica que apresentam os meteoritos: consiste ella na existencia de cavidades arredondadas na superficie dos mesmos, e que, segundo Daubrée, se devem attribuir á violencia das acções mecanicas que a colossal pressão do ar produziu. O mesmo geologo deu a essas cavidades o nome de cupolas ou piesoglyptos (gravadas pela pressão) e para mostrar que são devidas aos movimentos gyratorios do ar, por occasião do trajecto do meteorito na atmosphera terrestre, conseguiu produzil-as artificialmente. Estas cupolas verificam-se em diversos pontos da superficie do meteorito de Bendegó.
Vem talvez aqui a proposito rectificar uma opinião admittida por algumas pessoas, e é que este meteorito tivesse cahido debaixo da fórma de uma massa plastica, depois de ter sudo submettido a uma fusão interna.
Todos os factos verificados depoem contra semelhante opinião. Os meteoritos chegam-nos, taes e quaes estavam no espaço, conservando até a parte interna de alguns a temperatura do espaço, com uma estructura cristallina e fórma fragmentaria, que os caracterisa. O facto só de se encontrar varios fragmentos, cuja juxtaposição permitte reconstituir o meteorito primitivo, basta para provar o nenhum fundamento da opinião precitada.
A analyse dos meteoritos mostra que elles contêm corpos simples que, sem excepção alguma, se encontram no globo ; eis os principaes : ferro, silica, oxygeneo, magnesio, nickel,enxofre, phosphoro e carbono.
A sua classificação é complexa, porém podemos admittir as seguintes classes principaes:
1. Holosyderites. Compostos exclusivamente de metaes, principalmente ferro e nickel.
2. Syssiderites. Pequena quantidade de silicatos disseminados em massa de ferro.
3. Sporadosyderites. Pequena quantidade de ferro em granulos, dentro de uma massa rochosa.
4. Asyderites. Que não contém nenhuma parcella de ferro.
Os meteoritos de 3ª classe são os que se encontram mais frequentemente.
O meteorito de Bendegó pertence á 1ª classe dos holosyderites. O ferro nickelifero ou ferro meteorico apresenta certas propriedades physicas e chimicas que merecem ser lembradas.
Alguns ferros meteoritos são passivos, não precipitando o cobre de sua solução sulfurica, e segundo Martius, o ferro meteorico de Bendegó apresenta esta propriedade. Pelas experiencias feitas no laboratorio do Imperial Observatorio, pelo Sr. William Lutz, esta passividade seria incompleta. Segundo Stanislas Meunier, esta passividade do ferro meteorico constitue uma propriedade que não apresentam do mesmo modo, os ferros terrestres.
Debaixo do ponto de vista mineralogico, os ferros meteoricos constituem, segundo S. Meunier, uma classe de rochas, interiramente distinctas das rochas terrestres, pela distribuição que apresentam seus elementos, e que uma simples observação superficial indica. A crystallisação dos ferros meteoricos é sobremodo notavel, apresentando a estructura octaedrica, emquanto no ferro terrestre se nota a estructura cubica. Segundo o mesmo autor, o exame attento desses ferros meteoricos indica uma crystallisação de toda a massa, como que indicando um crystal unico de dimensões gigantescas. Nada de semelhante se encontra nas rochas terrestres.
Uma das particularidades notaveis que apresenta o ferro meteorico verifica-se quando se ataca uma lamina polida deste metal pelo acido; a superficie então apresenta as figuras chamadas de Widmannstaetten, provenientes da crystallisação da massa e da presença de materias regularmente orientadas em fórma de laminas e inegualmente soluveis nos acidos. Convem dizer que nem todos os ferros meteoricos apresentam estas figuras geometricas. No meteorito de Bendegó, as figuras de Widmannstaetten, que o Sr. Orville Derby produziu, revelaram-se sobremodo interessantes, mostrando particularidades notaveis ainda não apresentadas por outros meteoritos.
Estas mesmas figuras de Widmannstaetten manifestam-se igualmente pela acção do calor, porém não mais em relevo, como na experiencia do acido, mas sim pelas suas diversas colorações, bem distinctas umas das outras e formando uma especie de mosaico irisado.
Outras propriedades bem caracteristicas apresentam os ferros meteoricos, submettendo-os á acção dos alcaloides, dos saes metallicos, sobre os quaes não nos estenderemos.
De cada especie de meteorito daremos aqui os resultados de uma analyse para caracterisar a sua composição :
HOLOSYDERITES ou ferros meteoricos, consistindo em massas de ferro nickelifero.
Exemplo:
Ferro | 92.7 | 99.2 | |
Nickel | 5.6 | ||
Outros elementos | 0.9 |
Ferro | 63.7 | 99.6 | |
Nickel | 34.0 | ||
Outros elementos | 1.9 |
Vè-se que o ferro meteorico de Santa Catharina contém proporção elevada de nickel. Porém o meteorito mais rico em nickel é o de Octibbeha (Mississipi), que contém 60% desse metal.
Fickenischer. | Wollaston. | Luiz A. Corrêa da Costa | |
Ferro. | 91.90 | 95.1 | 96.35 |
Nickel. | 5.71 | 3.9 | 3.22 |
Outros elementos. | 2.39 | 1.0 | 0.43 |
_____ | _____ | _____ | |
100.00 | 100.00 | 100.00 |
A densidade desses meteoritos varia geralmente entre 7,0 e 8,5. O Sr. William Lutz achou para densidade do meteorito de Bendegó, 7,49, media de diversas determinações feitas com varias amostras; e o Sr. Luiz A. Corrêa da Costa achou 7.316 a 20º cent.
SYSSIDERITES.— Massa de ferro, formando uma esponja metallica, e contendo partes rochosas.
Exemplo:
Massa metallíca | Massa rochosa | |||
Ferro. | 88,042 | Silica. | 40,85 | |
Nickel. | 10,732 | Magnéxia. | 47,35 | |
(Densidade. 7,2 a 7,9) | Protoxydo de ferro. | 11,72 | ||
(Densidade. 3,4) |
SPORADOSYDERITES.— Massa rochosa contendo grãos metallicos.
Exemplo:
Ferro nickelifero. | 11.60 | 100,83 | |
Pyrite magnetica. | 3,74 | ||
Ferro chromoso. | 1,83 | ||
Perídote. | 44,8 | ||
Hornblende. albite. | 38,00 |
A densidade desses meteoritos varía entre 3,5 e 6,0.
ASSYDERITES.— Sem ferro metallico. São mui raros.
Exemplo:
Silica. | 35,30 | 99,39 | |
Magnesia. | 31,76 | ||
Protoxydo de ferro. | 26,70 | ||
Outros elementos. | 5,63 |
Os maiores meteoritos que se conhecem são:
1. | Santa Catharina. | 25.000 | kilogrammas |
2. | Tucuman (Republica Argentina). | 15.000 | — |
3. | China. | 10.000 | — |
4. | Bendégo (Brasil). | 5.360 | — |
5. | Melbourne (Australia). | 3.000 | — |
O meteorito de Santa Catharina, quando encontrado, achava-se em fragmentos, dos quaes o maior pesava 2.250 kilogrammas. Porém, conforme relata o Sr. Dr. Derby, (vide pag. 5, Revista do Observatorio do mez de Janeiro de 1888),o livro da mesa de rendas de S. Francisco do Sul accusou a sahida de 25.000 kilogrammas.
As informações concernentes ao segundo e terceiro meteoritos são vagas, carecendo confirmação.
Quanto ao meteorito do Bendegó, o seu peso foi estimado pelo Sr. Mornay em 14.000 libras, Spix e Martius avaliaram o peso em 9.600 kilogrammas. Hoje, porém, pelos dados fidedignos obtidos pelo Dr. José Carlos de Carvalho, sabe-se que o verdadeiro peso é 5.360, ou 5.300 kilogr., deduzindo o pedaço que foi tirado para amostras.