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Meus amores

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Pretidão de amor,
Tão leda a figura
Que a neve lhe jura,
Que mudara a côr.
(Camões.—Endeixas.)



Meus amores são lindos, côr da noite
Recamada de estrellas rutilantes ;
São formosa creoula, ou Tethis negra,
Tem por olhos dous astros scintillantes.

Em rubentes granadas embutidas
Tem por dentes as perolas mimosas,
Gottas de orvalho que o inverno gela
Nas breves petalas de carminea rosa.

Os braços torneados que allucinão,
Quando os move perluxa com langor,
A bocca é roxo lirio abrindo a medo,
Dos labios se destilla o grato olor.

O collo de velludo Venus bella
Trocàra pelo seu, de inveja morta;
Da cintura nos quebros ha luxuria
Que a filha de Cyneras nao supporta.

A cabeça envolvida em nubia trumfa
Os seios são dous globos a saltar;
A voz traduz lascívia que arrebata,
—E' cousa de sentir, nao de contar.

Quando a brisa veloz, por entre am goas,
Espaneja as cambraias escondidas,
Deixando ver aos olhos cubiçosos,
As lisas pernas de ebano luzidas.

Santo embora, o mortal que a encontra pára;
Da cabeça lhe foge o bento sizo ;
Nervosa commoção as bragas rompe-lhe
E fica como Adão no Paraiso.

Meus amores são lindos, côr da noite
Recamada de estrellas rutilantes ;
São formosa creoula, ou Tethis negra,
Tem por olhos dous astros scintillantes.

Ao ver no chão tocar seus pés mimosos,
Calçando de setim alvas chinellas,
Quizera ser a terra em que ella pisa,
Tomal-as em colher, comer com ellas.

São mingoados os seculos para amal-a,
De gigante a estructura não bastára,
De Marte o coração, alma de Jove,
Que um seu lascivo olhar tudo prostrára.

Se a sorte caprichosa em vento, ao menos,
Me quizesse tornar, depois de morto;
Em bojuda fragata o corpo d’ella,
As saias em velame, a tumba em porto.

Como os Euros, zunindo d’entre os mastros,
Eu quizera açoitar-lhe o pavilhão;
O velacho bolsar, bramir na prôa,
Pela pôpa rojar, feito em tufão.

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Dar cultos á belleza, amor aos peitos,
Sem vida que transponha a eternidade,
Bem mostra que a sandice estava em voga
Quando Uranus gerou a humanidade.

Mas já que o fado iniquo não consente,
Que amor, além da campa, faça vasa,
Ornemos de Cupido as santas aras,
Tu feita em fogareiro, eu feito em braza.

(Publicado no Diabo Coxo de 3 de Setembro de 1865)