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Mulheres e creanças/Capítulo VII

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CAPITULO VII

As dactas d’uma vida

 

 
A ida para o collegio


— Então achaste o que procuravas?

— Achei. Eu tinha consultado a este respeito a baroneza de S., que tem, como sabes, immenso juizo. Indicou-me o collegio de M.me Maubry.

Uma franceza elegantissima.

Parece-me que fiquei muito bem servida.

— Tu é que foste ao collegio fallar com a directora?

— Pois a quem havia eu de confiar similhante encargo? Fui, vi, julguei por meus proprios olhos, e fiquei satisfeita.

— O collegio está bem situado? — Sim. Está n’um sitio muito central, muito concorrido, tudo muito á mão. Um constante vai-vem de carruagens, que nas horas de recreação ha de distrahir immenso as creanças.

— E a respeito de jardim para ellas correrem?

— Tem um jardim pequeno, mas muito bonito, muito bem tratado, á ingleza. Conhece-se á primeira vista a obediencia e a docilidade das discipulas, olhando para o jardim. Nem um vestigio de travessuras infantís. Uma limpeza ideal nas pequenas ruas arêadas.

Fui lá na hora do recreio da tarde; andavam as meninas passeiando e conversando com uma gravidade! uma compostura!.. pareciam senhoras em miniatura!.. Achei engraçadissima aquella parodia de uma das nossas salas.

— Ainda bem que me contas isso tudo, Mathilde. Ando com vontade de metter as minhas pequenas em um collegio, porque estão de uma maldade!.. Não pára nada com ellas! Importunam-me extraordinariamente. Tu sabes. Nem eu nem o pae gostamos de barulho, e dous diabretes em uma casa pequena, é de se morrer. Decido-me pelo teu collegio. Perguntaste o que lá ensinam.

— Oh! a esse respeito podes estar descansadissima.

Uma perfeita educação de senhora. M.me Maubry é o typo da parisiense delicada e graciosa.

Tem um cuidado inexcedivel com as maneiras das discipulas, com o seu modo de se apresentarem, com a sua toilette.

Disse-me ella que tinha por systema, dar-lhes desde muito cedo o gosto de agradarem na sociedade, de excitarem em torno de si uma sensação agradavel... impregnal-as d’aquella graça especial que constitue a mulher do mundo!.. Approvo immenso aquella maneira superior de entender a vida social.

— Mas não me fallaste ainda da instrucção que recebem as discipulas...

— Oh! já se vê, correspondente ao resto. Linguas... nas linguas M.me Maury tem um apuro especial. Piano, canto, um pouco de historia, de geographia, dança, desenho, varios bordados, etc., etc. Creio que é o sufficiente para brilhar entre as primeiras.

M.me Maubry segue o systema moderno no que elle tem de muito aproveitavel. Ministra a instrucção brincando por assim dizer. Ha concertos semanaes em que figuram as melhores discipulas; ha cursos de conversação; ha noutes em que se lê alto, se recita ou se representa. N’uma palavra, o fim d’ella é tornar deleitoso o estudo, e desenvolver a emulação entre as discipulas. Como verdadeira franceza, percebeu que a vaidade é o motor principal da mulher e...

— Minha querida, interrompeu n’este momento o marido da oradora; faze o que quizeres, visto que tive a imprudencia de te jurar que educarias tua filha conforme te aprouvesse e sem que eu nunca entrasse n’isso; mas o que desde já te affirmo é que a tua M.me Maubry é uma corruptora inconsciente da mocidade, e que a tua filha nunca passará de uma boneca!


Durante as ferias


— Mamã, eu antes quero o laço côr de rosa...

— Pois faz a Lili muito mal. O azul fica-lhe muito melhor. Olha que no baile infantil hão de estar muitas companheiras tuas do collegio. Que alegria para ellas se te virem feia!

— Alegria, mamã? Alegria porque? As meninas do meu collegio são todas minhas amigas, hão de gostar muito de me ver bonita e bem vestida.

— Assim será, minha filha, mas as mamãs d’ellas é que com certeza hão de ter inveja de mim se tu fores a mais linda, a mais bem vestida, a que dançar melhor! Chega-te aqui Lili! Deixa-me annellar os teus cabellos. Assim é que ficas bonita, ouviste? Levanta os teus olhos para mim, são tão bonitos os teus olhos!..

— A mamã quer que eu levante os olhos? M.me Maubry ralha commigo por eu os levantar de mais. Diz ella que uma menina deve andar sempre de olhos baixos, deve córar de vez em quando... nunca se deve rir com vontade.

— M.me Maubry diz-te isso?..

— Diz, mamã, e que assim é que as senhoras agradam e se tornam amaveis.

 

 

— Então, minha Lili, tu e a mamã divertiram-se muito no tal baile infantil?

— Ah! papá, não imagina! Dancei muito, e todos me disseram que eu era a menina mais bonita que lá estava.

— É verdade! a Lili estava encantadora. Não imaginas como a elogiaram! Todas me perguntaram onde ella aprendeu a dançar.

— E a mim tambem, mamã.

As outras meninas perguntaram-me onde era o meu collegio.

— Vês! dizias tu, meu maridinho ralhador, que M.me Maubry era uma professora má. Vê o triumpho que teve a nossa filha no primeiro dia em que appareceu em publico!

Lili, corada de alegria, foi dar uma pirueta defronte do espelho.


A primeira communhão


Acabou agora mesmo de vestir-se. Branca, branca que parece uma pomba.

O véu de gaze cahe em prégas soltas e ondeantes por sobre aquelle corpo esbelto e franzino, de 14 annos; a corôa de rozas emmoldura-lhe deliciosamente a fronte eburnea e levemente sombreada por uns toques de infantil melancolia.

Acha-se linda, e sente que todos que a virem hão de achal-a assim!

Dentro da sua alma resôa como que um cantico de orgulho!

Vae ser noiva do Senhor, vae receber pela primeira vez no puro tabernaculo do seu coração a visita mysteriosa do Esposo!

O seu director espiritual, um moço sacerdote francez, fino, louro, delicado, com uma voz branda e persuasiva, com umas mãos brancas, de cardeal, com uns gestos lentos e graves de irreprehensivel bom gosto, acabou hontem de a conduzir até aos umbraes d’essa nova vida, em que ella vae penetrar já consciente do que é e do que vale.

Que doçura mystica tinham as palavras d’aquelle padre!

Eram ternas, unctuosas, de uma graça desconhecida!

Até alli para ella a religião fôra um não sei quê de vago, triste e indefinivel, mais para assombro e terror do que para delicioso extasi...

O Christo macilento e ensanguentado, com a fronte coroada de espinhos, e o corpo cravejado de prégos, dera-lhe a idéa de uma angustia desoladora e desesperada, que ás vezes enchera de lagrimas a sua pequenina alma de dez annos.

Porque seria que, á voz do moço confessor, o Martyr do Calvario como que se tinha transfigurado aos olhos d’ella?

O padre pintara-o bello, radiante de mocidade, prodigo de ineffaveis esperanças, chamando a si as almas virginaes, e promettendo-lhe a eternidade no amor, a radiosa alegria das nupcias celestiaes.

Era uma nova musica, a que elle fizera vibrar aos ouvidos da gentil neophyta, que sentia, sem saber como, inundal-a uma alegria anciosa, um pungitivo arrebatamento, inteiramente desconhecido ao seu passado! E olhava para o espelho, e sentia-se bella, moça, radiosa de vida e de esperanças, com um profano desejo de alegrias novas, de triumphos ignorados a alvoroçar-lhe o seio juvenil.

E agitando em torno de si as prégas fluctuantes do véo de noiva do Christo, baixou os olhos languidos sobre o livro das orações e leu em voz baixa e palpitante as palavras sagradas, na lingua melodiosa em que se habituara, por um requinte de aristocracia, a fallar com Deus:

«Oh! venez le bien-aimé de mon coeur! venez, Agneau de Dieu, chair adorable, venez servir de nourriture á mon âme! Que je te voie, ô le Dieu de mon coeur, ma joie, mes délices, mon amour, mon tout!

«Qui me donnera des ailes pour voler vers toi! Mon âme éloigneé de toi, impatiente d’être remplie de toi, languit, te souhaite avec ardeur et soupire après toi, ô mon Dieu, ô mon unique bien, ma consolation! Embrase moi, mon Dieu, brule, consume mon coeur de ton amour... Mon bien-aimé est à moi»

O que, traduzido na nossa lingua, decididamente reputada impropria para fallar com a Divindade, significa pouco mais ou menos a seguinte edificante declaração de amor:

«Vem, amado da minh’alma! cordeiro de Deus! carne que eu adoro! vem servir-me de alimento ao coração! Quero ver-te, oh Deus amado, minha alegria, minha delicia, meu amor, meu tudo!

«Quem me dera azas com que voasse para ti!

«Minh’alma afastada da tua presença almeja por se impregnar de ti, enlanguece, deseja-te com ardor, e suspira por ti, oh meu Deus, oh meu unico bem, minha consolação!

«Abraza-me oh Deus! queima, consome o meu coração com as chammas do teu amor!..

«És meu, oh bem amado, pertences-me!»


Na volta do baile


Lili vem extraordinariamente pallida e pensativa! As brancuras opalisadas do alvorecer penetram atravez dos vidros da carruagem, e como que cingem de uma graça ideal os contornos delicados do seu rosto, que o capuz de baile emmoldura em alvas rendas.

Dançou até ás seis da manhã; vem cansada, abatida, toda ennovellada nos fôfos coxins do seu coupé, mas vem pensando muito.

É que o viu no baile, e lhe disseram que elle seria o seu marido.

O pae antes d’ella partir de casa — vestida de tulle e rendas, coroada de myosotis, e com um collar de perolas lacteas e iriadas, a affagar voluptuosamente a transparencia rosea do seu collo — o pae, antes d’ella partir, dissera-lhe gravemente, mas com uma gravidade em que havia muito affecto:

Elle é moço, é nobre, é herdeiro de uma casa riquissima.

A familia deseja este enlace. Não te quero forçar, Lili; mas, se gostares d’elle, approvarei com enthusiasmo essa affeição!

— É moço e nobre, pensára Lili comsigo. Hei de amal-o por força. Terá maneiras distinctas, um porte correcto, um sorriso levemente desdenhoso. E dirá amo-te, com uma graça fina e superior!

Depois, á proporção que o baile se ia approximando, com o esplendor prestigioso dos seus lustres, com o capitoso aroma das suas montanhas de flores, com as prismaticas scintillações dos seus diamantes, com o ruge-ruge que fazem ouvir as serpentes e as sedas, Lili pensava que era positivamente uma cousa agradabilissima ser rica!

— Irei muitas vezes ao baile, ouvirei em torno de mim o murmurio discreto de admiração que enlouquece as mulheres, terei vestidos de velludo negro, com diademas de brilhantes a morderem o ouro fulvo dos meus cabellos! Invejar-me-hão, e quando eu sahir acclamada e triumphante das salas em que fôr rainha,