Mundo da Lua/46
Incesto.
O novidadeiro: typo digno de ser empalhado por Thackeray. Temos um cá, de 24 quilates, o nosso pharmaceutico.
Varejou-me a casa, inda ha poucos minutos, com a novidade do dia, fresquinha, a pular-lhe da bocca.
— O cabo Tenorio, commandante do destacamento, morreu! Foi achado no caminho da Cruz Preta, cahido da egua, com a bocca cheia de sangue!
— Mas...
Não me ouviu, não me attendeu. Disparou, qual um foguete, na ansia de espalhar a noticia. Seu grande prazer é contar as novidades de primeira mão. Um sport. Collecciona, talvez, caras de espanto, ohs! boccas abertas, testas franzidas pelo trauma instantaneo da novidade.
Chego á janella e vejo-o radiante. Está a gosar a cara de espanto do Chico da venda...
Que dia cheio para o pharmaceutico! Reappareceu-me á tarde com outra novidade.
— O Isaias enlouqueceu!
— Mas...
Isaias, o thema forçado de Oblivion ha um mez. O pae que deshonestou a filha. O incestuoso. Pois enlouqueceu hontem, e hoje pela manhã...
Foi ainda o pharmaceutico o portador da novidade:
— Suicidou-se!
— Mas...
Não consegui nenhum pormenor. Como a novidade era de vulto, o novidadeiro funccionava fulgurantemente, feito corrente electrica empenhada em ferir o maior numero de cerebros no menor espaço de tempo.
Chego á janella.
Bem cedo ainda. O relogio da igreja marca seis horas. Oblivion desperta, espreguiça-se. Duas praças entram em casa do delegado... O coronel Casusa e o escrivão passam, meditativos, rumo á cadeia...
Fui tambem. Encontro o Isaias de pé, rente á grade da sua cellula. Mas pendurado... Entre os beiços roxos, certa coisa escura, á guiza de terceiro labio: — a lingua negra. Longo fio de baba desce-lhe das narinas ao chão. Olhos semi-cerrados. Mão cahida ao longo do corpo; outra arrimada á grade. Os pés atados pelo tornozelo com um lenço côr-de-rosa e escorregados para fóra da janella, atravez das reixas do xadrez. Enforcara-se na ceroula.
Seu filho, soldado do destacamento, montava guarda essa noite. A's onze horas approximou-se da cellula para uma palavra ao pae. Como o encarcerado lhe não respondesse, trouxe luz e, estarrecido, deu com o horrivel quadro...
Pobre incestuoso!
Se tivesse luzes não commetteria o horrendo crime. Eloquentemente lhe ensinaria a historia que o incesto só é permittido aos grandes do mundo, aos Borgias, ao imperador Augusto, a Napoleão — aos que se localizam alem das fronteiras do Bem e do Mal. Nunca foi requinte permittido a pobre...
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.