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Mundo da Lua/59

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Comedias tragicas.


PAIZAGEM lugubre. Céu plumbeo de dia que parou de chover por cansaço de chover. Restos de luz moribunda, se é luz o pallor que nas tardes chuvosas precede ao cahir da noite. Para que nada falte ao quadro, uma serraria distante sérra, sérra, sérra... Sérra taboas e com as taboas, nossos nervos.

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Triste como este fim de dia, o fim de casamento a que assisti ha tempos.

Estavamos á espera do café, no cartorio, fugidos á inclemencia do sol. Tres horas. Subito, assomou á porta o dr. Moreira em companhia de linda moça vestida de preto e de dois homens. Os dois homens, mais o advogado, foram cochichar com o escrivão, emquanto a moça modestamente se sentava numa cadeira recuada, de olhos no chão, sombrinha entre os joelhos, immovel.

Esgueirei-me, sorrateiro, e fui indagar do escrevente quem era.

— Mulher do Rivas. Divorciou-se e vem agora receber o que lhe coube na partilha.

— E o Rivas, qual é?

— O que está falando com o dr. Moreira. O outro é irmão.

— Irmão della?

— Sim.

O cartorio encheu-se. Entrára a bandeja de café e atrás, os filantes da praxe.

A moça apparentava impassibilidade e o marido a imitava nisso, forçando a nota, a rir, a conversar. Serviu-se de café, risonho, embora ao mexel-o se trahisse por leve tremor de mãos.

— Prompto! disse o advogado. Toca a assignar.

Assignam-se papeis. O marido abre a carteira e entrega ao escrivão um pacote de notas. O escrivão passa-o ao moço que por sua vez o entrega á irmã, dizendo de modo a ser ouvido:

— Conte!

— Ella guardou na bolsa o dinheiro, depois de lançar ao irmão um dorido olhar de censura.

O advogado deu por findo o drama.

— Está tudo terminado.

O irmão tomou o chapéu.

— Vamos!

A divorciada ergueu-se e dirigiu-se até á porta. Ahi parou. Indistinctamente, adivinho-a a perguntar ao irmão: "Digo-lhe adeus?"

A resposta foi um imperioso e resoluto — "Qual!" Ella, então, cortejou a sala inteira, com um movimento de cabeça, abriu a sombrinha e partiu.

O marido assucarava nesse momento a terceira chicara de café, a um canto da sala, de costas para os circumstantes. Fingia não dar a minima attenção á partida da mulher. Mal, porêm, viu-a desapparecer, depoz a chicara na bandeja e mudou de cara. Mudou a cara alegre que mantivera até alli, por outra, laivada de amargura.


Finda a comedia, tiram-se as mascaras...

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.