Nossos padres subversivos

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Patuí, caçado pelos nazistas[editar]

Ele foram considerados comunistas, enfrentaram

perseguição, cadeia e até condenação à morte

Udine, nordeste da Itália. A região foi durante muitos anos dominada pela Áustria, passando ao controle italiano em 1865. Mas na I Guerra Mundial parte da região voltou a ser ocupada. Quando a cidade foi invadida pelas tropas austríacas, um professor foi capturado e condenado à morte por subversão. Seu nome: Antônio Patuí.

Sim, exatamente o mesmo Antônio Patuí que foi um dos primeiros padres a prestar assistência religiosa aos cascavelenses e que depois seria “seqüestrado” pela comunidade de Toledo, onde foi o primeiro vigário e forneceu excelentes contribuições ao desenvolvimento do Oeste paranaense.

A província de Udine faz fronteira com a Áustria e tem 137 comunas. Sua capital é a histórica cidade do mesmo do mesmo nome, palco de célebres batalhas desde a antiguidade.

Não se sabe ao certo como o suspeito professor Patuí escapou da prisão e da morte e voltou a lecionar, mas, se foi por um milagre, talvez isso explique porque, na década de 30, ele resolveu ingressar na vida religiosa, sendo sagrado padre em 1933.

Segunda condenação[editar]

No ano seguinte o novo padre travou conhecimento com o Brasil, mas apenas como turista. De volta à Europa, desenvolvia propaganda antinazista quando foi preso pela Gestapo alemã e novamente condenado à morte.

Voltou a fugir, refugiando-se no Brasil, onde passou a prestar assistência religiosa na região de Foz do Iguaçu.

Foi nessa condição que um dia, estando de passagem em Cascavel, rezava missa na capelinha local, em 1946, quando mais uma guinada se preparava para acontecer em sua vida.

“Numa das idas em busca de alimentos, Juvenildo Lorandi e o chofer Orlando Cambruzzi Thomé chegaram no momento em que acontecia uma missa. Terminada esta, foram falar com o padre, e contaram-lhe a história da sede Toledo, onde mais de cinqüenta homens estavam trabalhando há quatro meses sem a visita de um padre. Combinaram buscar o padre dois dias depois” (Ondy Hélio Niederauer, Toledo no Paraná).

"Viva el pretti!"[editar]

O padre Antônio Patuí foi então a Toledo pela primeira vez. Ele mais tarde faria uma emocionada narrativa do que presenciou:

“Quando o caminhão parou eu me assustei. Um bando de homens barbudos, com roupas rasgadas, trazendo na cintura compridos facões, e alguns andavam de revólver. Cercaram o caminhão gritando coisas que, no início, eu não entendia. Eu tinha certeza que havia caído na emboscada de um bando de salteadores, que iam pedir aos meus superiores algum resgate. O chofer, do meu lado, me empurrava para eu sair, mas eu meio me segurava. Daí, aos poucos, fui entendendo que estavam gritando ‘el pretti, viva el pretti!’ Foi então que, ainda meio desconfiado, fui descendo devagarinho. Descobri depois que aqueles risos eram de alegria sincera e que essa gente estava sentindo, naquele momento, uma grande emoção que, para mim, era um pavoroso susto. Eram todos amigos, e como eram amigos!” (padre Antônio Patuí, depoimento ao Museu Histórico Willy Barth).

À noite foi providenciada uma novena e Patuí ouviu confissões dos peões da Maripá. No dia seguinte, 30 de julho de 1946, foi rezada a primeira missa, às margens do arroio Toledo.

Por sua vez, o primeiro vigário cascavelenses, padre Luiz Luíse, também fundador da Copacol, de Cafelândia, foi por muitos anos alcunhado de “padre comunista” pelos atravessadores que exploravam os colonos na região e consideravam o cooperativismo “um comunismo disfarçado”:

“Experimentaram derrubar-me com difamação. Acusaram-me junto ao agente secreto militar, o tenente Speck, passando-me por ‘padre comunista e agitador’. Mas conseguiram o efeito contrário, pois o tenente Speck era uma pessoa reta que só acreditava vendo. A Copacol sempre trabalhou bem, honestamente e hoje é muito admirada. É que ela está sob a proteção de Nossa Senhora Consolata, sua padroeira” (padre Luiz Luíse, depoimento).

O sofrimento de d. Manoel[editar]

Depois da morte de monsenhor Guilherme Maria Thiletzek, prelado (bispo) de Foz do Iguaçu, em 25 de fevereiro de 1937, assumiu a Prelazia dom Manoel Köenner.

Em 1937/38 hospedava-se na casa dos padres, naqueles anos a casa mais confortável da cidade, um membro da família real da Áustria, um arquiduque de Habsburgo. Este tinha uma grande fazenda no Paraguai.

Foi diversas vezes por semana com um próprio para lá, com cientistas e exploradores, para estudar o solo desta fazenda. No início de 1938 foi para a Europa, mas prometeu voltar logo neste mesmo ano.

Mas quando em março de 1938 as tropas de Hitler invadiram a Áustria ele foi preso e não voltou mais.

“Deixou aos cuidados dos padres alguns caixotes grandes com artigos de uso pessoal e artigos e material de trabalho para exploração das terras da fazenda. Continham também alguns fuzis e munição e l a 2 quilos de dinamite. Os padres nem sabiam do conteúdo dessas caixas e guardavam religiosamente tudo num quarto sempre chaveado” (jornal Nosso Tempo, Foz do Iguaçu).

Um bispo itinerante[editar]

Sem saber de nada a respeito, d. Manoel Köenner foi nomeado em 1940 chefe da Prelazia, passando a desenvolver imediatamente as atividades pastorais, prestando assistência religiosa às paróquias e capelas sob sua responsabilidade.

D. Manoel atendia a uma vasta região, pois a área da Prelazia de Laranjeiras ia do centro do Estado até as barrancas do rio Paraná.

Andava sempre a cavalo, tanto para ir a Campo Mourão, a 150 quilômetros de Laranjeiras, como para a distante Foz do Iguaçu, a 350 quilômetros da sede episcopal.

Em suas jornadas, o prelado usava botas altas, chapéu largo e guarda-pó, que mais tarde foi trocado por uma blusa de couro.

Prisão e calúnia[editar]

D. Manoel teve uma vida repleta de aventuras e dificuldades. Nascido na Alemanha, foi ordenado padre em 1910, partindo para a missão de Moçambique, então colônia lusitana.

Em 1916, durante a I Guerra, os padres alemães das colônias foram presos, somente sendo libertos em 1919. Depois de livre, padre Köenner se dirigiu novamente à Alemanha, de onde foi designado para atuar no Brasil.

Foi professor em Belo Horizonte (MG), onde chegou a superior provincial de sua congregação e recebeu a designação para dirigir a Prelazia paranaense.

Em 1942, um homem que morava em Foz do Iguaçu e conhecia o arquiduque austríaco hospedado entre 1937 e 1938 na casa dos padres, assim como o conteúdo explosivo das caixas ali ocultas, denunciou d. Manoel Köenner na delegacia de polícia por ocultar material bélico em sua residência.

“Ele não sabia de nada, nem das caixas e nem de seu conteúdo, pois era provincial em 1938, com residência em Minas. Os outros padres, ao lhe deixarem na casa sozinho, só lhe disseram que naquele quarto havia caixas e coisas pertencentes ao arquiduque. Na segunda metade de janeiro, antes da festa de São Sebastião, foi repentinamente preso, dentro de sua residência, pelo próprio delegado de polícia” (jornal Nosso Tempo, Foz do Iguaçu).

Punição injusta[editar]

Para culminar, d. Manoel foi destituído da Prelazia sem direito a defesa, denunciado por dois padres como sendo um “mau administrador”.

Em setembro de 1943, d. Manoel foi levado ao Rio de Janeiro, onde respondeu a processo sob liberdade vigiada, sendo condenado a três anos de prisão pela guarda de explosivos na Prelazia.

Foi absolvido no dia 15 de fevereiro, tendo seu processo arquivado por carecer de qualquer base jurídica. Como conseqüência, os padres afastados de Foz do Iguaçu puderam retornar e no dia 27 de fevereiro houve a celebração de missa em manifestação de júbilo pela correção do erro judicial.

(Fonte: Alceu A. Sperança, jornal O Paraná, seção dominical Máquina do Tempo)