Numa Forja

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De inexplicáveis ânsias prisioneiro

Hoje entrei numa forja, ao meio-dia.

Trinta e seis graus à sombra. O éter possuía

A térmica violência de um braseiro.

Dentro, a cuspir escórias

De fúlgida limalha

Dardejando centelhas transitórias,

No horror da metalúrgica batalha

O ferro chiava e ria!



Ria, num sardonismo doloroso

De ingênita amargura,

Da qual, bruta, provinha

Como de um negro cáspio de água impura

A multissecular desesperança

De sua espécie abjeta

Condenada a uma estática mesquinha!



Ria com essa metálica tristeza

De ser na Natureza,

Onde a Matéria avança

E a Substância caminha

Aceleradamente para o gozo

Da integração completa.

Uma consciência eternamente obscura!



O ferro continuava a chiar e a rir.

E eu nervoso, irritado,

Quase com febre, a ouvir

Cada átomo de ferro

Contra a incude esmagado

Sofrer, berrar, tinir.



Compreendia por fim que aquele berro

À substância inorgânica arrancado

Era a dor do minério castigado

Na impossibilidade de reagir!



Era um cosmos inteiro sofredor,

Cujo negror profundo

Astro nenhum exorna

Gritando na bigorna

Asperamente a sua própria dor!

Era, erguido do pó,

Inopinadamente

Para que à vida quente

Da sinergia cósmica desperte,

A ansiedade de um mundo

Doente de ser inerte,

Cansado de estar só!

Era a revelação

De tudo que ainda dorme

No metal bruto ou na geléia informe

No parto primitivo da Criação!

Era o ruído-clarão,

- O ígneo jato vulcânico

Que, atravessando a absconsa cripta enorme

De minha cavernosa subconsciência,

Punha em ciarividência

Intramoleculares sóis acesos

Perpetuamente às mesmas formas presos,

Agarrados à inércia do Inorgânico

Escravos da Coesão!



Repuxavam-me a boca hórridos trismos

E eu sentia, afinal,

Essa angústia alarmante

Própria de alienação raciocinante,

Cheia de ânsias e medos

Com crispações nos dedos

Piores que os paroxismos

Da árvore que a atmosfera ultriz destronca.

A ouvir todo esse cosmos potencial,

Preso aos mineralógicos abismos

Angustiado e arquejante

A debater-se na estreiteza bronca

De um bloco de metal!

Como que a forja tétrica Num estridor de estrago

Executava, em lúgubre crescendo

A antífona assimétrica

E o incompreensível wagnerismo aziago

De seu destino horrendo!



Ao clangor de tais carmes de martírio

Em cismas negras eu recaio imerso

Buscando no delírio

De uma imaginação convulsionada

Mais revolta talvez de que a onda atlântica

Compreender a semântica

Dessa aleluia bárbara gritada

Às margens glacialíssimas do Nada

Pelas coisas mais brutas do Universo!

(Outras Poesias, 22)