O que eu vi, o que nós veremos/Parte II
Estava na Europa em 1915, quando recebi da Directoria do Aero Club da America um convite para tomar parte no Segundo Congresso Scientifico Pan-Americano, onde se fizeram representar, pelos seus filhos mais illustres, todos os paizes do nosso Continente.
Aproveitei a opportunidade, que tão especialmente se me offerecia, para, mais uma vez, exprimir a minha inteira confiança no futuro da navegação aerea.
Escolhi, para isso, este thema:
As condições topographicas do continente sul-americano, tornando economicamente impossivel a construcção de estradas de ferro e, portanto, o transporte e communicação adequados, tèm retardado a estreita união, tão desejavel, entre os Estados do Hemispherio Occidental. Cidades importantes, situadas em grandes altitudes, ficam isoladas. Algumas, em verdade, parecem estar, praticamente, fora do alcance da civilisação moderna.
A longa e penosa viagem, o tempo que nella se gasta, em vapor, vae demorando a alliança intima dos paises sul-americanos com os Estados Unidos, para quem parecem inaccessiveis, por tão remotos.
Um largo tempo de percurso nos separa, impedindo o desenvolvimento de proveitosas relações commerciaes, reciprocamente interessantes, sobretudo agora que a guerra anormalisa o mercado mundial.
Quem sabe quando uma potencia européa ha de ameaçar um Estado americano? Quem poderá dizer se na presente guerra não veremos uma potencia européa vir apoderar-se de territorio sul-americano? A guerra entre os Estados Unidos e um paiz da Europa é impossivel? Uma alliança estreita entre a América do Norte e a do Sul redundaria em uma força formidavel.
Eu vos falei do commercio e da difficuldade do seu desenvolvimento, das facilidades de transporte e communicações e do incremento das relações amistosas. Estou convencido que os obstaculos de tempo e distancia serão removidos. As cidades exiladas da America do Sul entrarão em contacto direto com o mundo de hoje. Os paizes distantes se encontrarão, apesar das barreiras de montanhas, rios e florestas. Os Estados Unidos e os paizes sul-americanos, se conhecerão tão bem como a Inglaterra e a França se conhecem. A distancia entre Nova York ao Rio de Janeiro, que é agora de mais de vinte dias de viagem por mar, será reduzida a 2 ou 3 dias. Annullados o tempo e a distancia, as relações commerciaes, por tanto tempo retardadas, se desenvolverão espontaneamente. Teremos facilidades para as communicações rapidas. Chegaremos a um contacto mais intimo. Seremos mais fortes, nos nossos laços de compreensão e amizade.
Tudo isso, Srs., será realisado pelo aeroplano.
Não me parece muito longe o tempo em que se estabeleça o serviço de aeroplanos entre as cidades dos Estados Unidos e as capitaes sul-americanas. Com um serviço postal em aeroplano a communicação entre os dois continentes se reduzirá de vinte para dois ou tres dias. O transporte de passageiros entre Nova York e os mais longínquos pontos da America do Sul não é impossivel. Creio, Srs., que o aeroplano, com pequenos aperfeiçoamentos, resolverá o problema por que tanto temos luctado.
A possibilidade da navegação aerea entre os Estados Unidos e a América do Sul, é mera especulação phantasiosa?
Intimamente creio que a navegação aerea será utilisada no transporte de correspondencia e passageiros entre os dois continentes. Algum de vós demonstrará incredulidade e rirá desta predicção.
Sem embargo, fazem 12 annos que eu disse que as machinas aereas tomariam parte nas futuras guerras e todos, incredulos, sorriram.
Em 14 de Julho de 1903, voei sobre a revista militar de Longchamps. Nella tomavam parte 50.000 soldados e em seus arredores se acotovelavam 200.000 espectadores. Foi a primeira vez que a navegação aerea figurou em uma demonstração militar. Naquella época, predisse que a guerra aerea seria um dos aspectos mais interessantes das futuras campanhas militares. Minha predicção foi ridicularisada por alguns militares: outros, entretanto, houve que, desde logo, alcançaram as futuras e immensas utilidades da navegação aerea. Dentre estes, é, para mim, grato recordar o nome do General André, então Ministro da Guerra da França, de quem recebi a seguinte carta:
MINISTÈRE DE LA GUERRE
Cabinet du Ministre
- Paris, le 19 Juillet 1903
Monsieur,
Au cours de la revue du 14 Juillet, j'avais remarqué et admiré la facilité et la súreté avec les-quelles évoluait le ballon que vous dirigiez. Il était impossible de ne pas constater les progrès dont vouz avez doté la navigation aérienne. Il semble que, grace à vous, elle doive se prèter désormais à des applications pratiques, surtout au poin de vue militaire.
J'estime qu' à cet égard elle peut rendre des services très sèrieux en temps de guerre...
GENERAL ANDRÉ.
Consideremos, entretanto, os acontecimentos desde aquella época. Consideremos o valioso trabalho que o aeroplano tem produzido na actual guerra.
A aviação revolucionou a arte da guerra.
A cavalaria, que teve grande importancia em momentos valiosos, deixou de existir.
No meu livro "Dans l'Air", publicado em 1904, eu dizia:
"... Je ne puis toutefois abandonaer ce sujet sans faire allusion á un avantage maritime unique de l'aéronef: je veux dire la faculté que possède le navigateur aérien d'apercevoir les corps en mouvement sous la surface des eaux. Croisant à bout de guide-rope sur la mer et se maintenant à la hauteur qui lui parait convenable, l'aéronef pròmene librement en tous sans le navigateur. Cependant, le sous-marin qui poursuit sa course furtive sous les vagues est parfaitement visible pour lui, quand, du pont d'un navire de guerre, il reste absolument invisible. C'est un fait d'observation et qui tient à certaines lois de l'optique. Ainsi, chose vraiment curieuse, l'aéronef du xx" siècle peut devenir, à son début, le grand ennemi de cette autre merveille du xx" siècle, le sous-marin! Car tandis que le sous-marin est ímpuissant contre l'aéronef, celui-ci, animé d'une vitesse double, peut croiser à sa recherche, suivre tous ses mouvements, les signaler aux navires qu'il menace. Et enfin, rien n'empêche l'aéronef de détruire le sous-marin en dirigeant contre luí des longs projectiles chargés de dynamite et capables de pénétrer sous les vagues à des profundeurs où l'artillerie ne peut atteindre du pont d'un cuírassé."
Vemos que hoje se realisa, inteiramente, essa previsão, feita há doze annos, quando a Aeronautica acabava de nascer.
O aeroplano provou a sua importancia suprema nos reconhecimentos.
De seu bordo, podem-se locar as trincheiras inimigas, observar os seus movimentos, o transporte de tropas, munições e canhões. De bordo do aeroplano, por meio de telegraphia sem fios, ou de signaes, pode-se dirigir o fogo das forças. Por meio de informações transmittidas pelo telegrapho sem fios, grandes peças de artilheria podem precisar seus tiros contra as trincheiras e baterias inimigas......... O avião é de maior valor na defesa das costas do que os cruzadores.
A aviação demonstrou-se a mais efficaz arma de guerra tanto na offensiva como na defensiva. Desde o inicio da guerra, os aperfeiçoamentos do aeroplano têm sido maravilhosos.
Quem, ha cinco annos atrás, acreditaria na utilisação de aeroplanos para atacar forças inimigas? Que os projectis de canhões poderiam ser lançados com efeitos mortíferos de alturas inacessiveis ao inimigo?
Desde o começo da guerra, os apparelhos têm melhorado. Têm sido augmentados em dimensões e alguns, hoje, são feitos exclusivamente de aço. Os motores egualmente se têm aperfeiçoado. O mais espantoso acontecimento foi o desenvolvimento dos canhões para aeroplanos. A principio, o recuo dos canhões, ao atirar, constituia a maior difficuldade relativa aos ataques aereos. Os constantes e repetidos choques do contra-golpe do disparo mesmo de pequenos canhões, logo bambeavam as frageis estruturas dos aeroplanos assim utilisados, pondo-os fóra de uso. Este inconveniente já está sanado. Novos canhões foram inventados, que não produzem contra-choque. Consistem em um tubo do qual são expellidos dois projectis,por uma única explosão. No momento de atirar, um dos projecis, uma mortifera bala de aço, desce velozmente em direcção ao inimigo, e o outro, de areia, é descarregado no sentido contrario; dessas duas descargas simultaneas resulta a ausencia de contra-choque.
Imaginai o poder deste terrivel fogo lançado de um aeroplano!
Se o aeroplano, Srs., se tem mostrado tão util na guerra, quanto mais não o deverá ser em tempos de paz?
Há menos de dez annos o meu apparelho era considerado uma maravilha. Nelle havia logar para apenas uma pessoa; eu me utilisei de uma motor de menos de 20 H.P. A principio apenas consegui vóar alguns metros, e pouco depois alguns kilometros. Meu record foi de 20 kilometros. Eu carregava gazolina apenas sufficiente para um vôo de 15 minutos. Naquella época o aeroplano era considerado um brinquedo. Ninguem acreditava que a aviação chegaria ao progresso de hoje. Nesses tempos voavamos apenas quando a atmosphera estava tranquila, geralmente ao nascer do sol ou ao seu pôr.
Acreditava-se que um aeroplano só poderia voar quando não houvesse vento. Hoje fabricam-se apparelhos que podem transportar 30 passageiros, capazes de viajar nos ares durante horas, de percorrerem cerca de mil milhas sem tocar em terra, movido por motores num total de mais de mil cavallos. Um aeroplano já atingiu á altura de 26.200 pés, e já se manteve no ar durante 24 horas e 12 minutos. e entre o levantar e o pôr do sol, percorreram-se, em aeroplano, 2.100 kilometros. Não tememos mais ventos nem temporaes; o apparelho moderno de voar atreve-se em qualquer céu e atravessa tempestades de qualquer velocidade, e póde, ainda, elevar-se acima das regiões tempestuosas. Ainda agora o aeroplano está em sua infancia. No espaço de dez annos elle progrediu mais rapidamente que o automovel.
Por meio do aeroplano, estamos hoje habilitados a viajar com velocidade superior a 130 milhas por hora. Para fins commerciais e communicações internacionaes, tanto as estradas de ferro como os automoveis, chegaram a um ponto em que a sua utilidade termina. Montanhas, florestas, rios e mares, entravam o seu progresso. Mas o ar fornece um caminho livre e rapido para o aeroplano; para elle não há impecilhos. A atmosphera é o nosso oceano e temos portos em toda a parte!...
Eu, que tenho algo de sonhador, nunca imaginei o que tive occasião de observar quando visitei uma enorme fabrica nos Estados Unidos. Vi milhares de habeis mecanicos occupados na construcção de aeroplanos, produzidos diariamente em numero de 12 a 18.
Melhorado pelas necessidades e exigencias da guerra, o aeroplano — desviado dos fins destruidores — provará o seu incalculavel valor como instrumento dos objectivos uteis da raça humana. No momento actual é bem possivel que qualquer dos actuaeis grandes apparelhos possa fazer viagens de Nova York a Valparaizo, ou de Washington ao Rio de Janeiro. Um ponto de abastecimento de combustivel poderia ser facilmente installado em cada 600 milhas de percurso.
A principal difficuldade para a navegação aerea está no progresso precario dos motores. Francamente, o motor actual ainda não atingiu o que deveria ser. O aeroplano em si desenvolveu-se mais rapidamente que o motor.
Penso, entretanto, que, em breve, o motor do aeroplano se aperfeiçoará a tal ponto que não terá maiores imperfeições que os dos melhores e mais perfeitos automoveis, hoje fabricados.
Actualmente, um motor de aeroplano precisa ser relativamente leve e, ao mesmo tempo, resistente a grande trabalho continuo.
Já o aço tem sido melhorado e tornado mais resistente por processos especiaes; ninguem sabe até que ponto poderiamos continuar a melhoral-o ainda. Se inventores como Edison, Tesla, Henry Wise Wood, Spery, e Curtis, etc., dedicassem sua energia a este assumpto, estou convencido que em pouco tempo teriamos um motor perfeitamente satisfactorio.
Outra difficuldade, que se apresenta á navegação aérea, é a de localisar-se o aeroplano. E' agora impossivel o uso do sextante nos ares.
Creio que um horizonte artificial, produzido por meio de um espelho, mantido em posição horizontal por um gyroscopio, resolverá este problema. Com a applicação do gyroscopio os scientistas têm conseguido resultados maravilhosos. Não sómente um aeroplano póde ser hoje mantido em equilibrio, por meio de um gyroscopio, como um grande vapor.
Com o motor aperfeiçoado e meios precisos de guiar seu curso, o aeroplano está certamente predestinado a figurar como um dos factores mais importantes no desenvolvimento do commercio e na approximação das nações que se acham separadas pelas grandes distancias.
Os paizes onde faltaram as boas estradas de rodagem foram, creio, os primeiros a adoptar as estradas de ferro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Nos paizes novos da América do Sul, não ha abundancia de estradas de ferro.
Ha cidades a tal altitude que a estrada de ferro difficilmente as poderia attingir, e é a essas cidades que o aeroplano levará a civilisação e o progresso.
Prevejo uma época em que se farão carreira regulares de aeroplano, entre cidades sul-americanas, e tambem não me surprehenderá se em poucos anos houver linhas de aeroplanos funcionando entre as cidades dos Estados Unidos e a América do Sul.
Além das vantagens provenientes da approximação dos paizes Sul Americanos entre si e com os Estados Unidos, ha ainda um ponto para o qual chamo vossa attenção. Todos os paizes Europeos são velhos inimigos e aqui no Novo Mundo devemos ser todos amigos. Devemos estar habilitados a intimidar qualquer potencia Europea que pretenda guerra contra um de nós, não pelos canhões, dos quaes temos tão pequeno numero, mas sim pela força da nossa união. No caso de uma guerra contra uma potência Europea nem os Estados Unidos, nem, tampouco, qualquer dos maiores paizes Sul-Americanos, nas actuaes condições, poderia convenientemente proteger suas extensas costas. Seria irrealisavel a protecção das costas Brasileira e Argentina por uma esquadra.
Unicamente uma esquadra de grandes aeroplanos, voado a 200 kilometros por hora, poderia patrulhar estas longas costas... Aeroplanos de reconhecimento poderão descobrir a approximação da esquadra hostil e prevenir os seus navios de guerra para a luta.
Estarei eu falando de coisas irrealisaveis?
Lembrae-vos de que ha dez annos ninguem me tomou a sério. Agora temos occasião de observar o que tem feito o aeroplano na Europa, fazendo reconhecimentos, dirigindo batalhas, movimento de tropas, atacando o inimigo e defendendo as costas.
A falta de communicação nos antigos tempos foi a origem basica de uma Europa desunida e em guerra.
Esperemos que a navegação aerea traga a união permanente e a amizade entre as Americas.
Aqui acabo de expor, em resumo, o que eu disse na minha conferencia de Washington, e não tenho razão de desdizer-me. Pelo contrario, cada vez mais, creio maior e mais proximo o futuro da navegação aerea. As revistas especiaes que recebo falam constantemente do problema da travessia do Atlantico. Podemos pois dizer que a idéa está no "Ar"; é pois uma questão talvez de mezes e, então, saberemos que um aeroplano partido do Novo Mundo foi ter ao Velho em talvez um dia! Colombo para fazer a viagem em sentido inverso levou 70. Saberemos tambem que 3 ou 4 audaciosos que pilotavam essa machina, soffreram muito do frio, da chuva, etc., porém, caro leitor, tenhamos um pouco de paciencia; em breve existirão transatlanticos aereos com quartos de dormir, salão e tambem, o que é muito importante, governados automaticamente por gyroscopios e accionados por varios motores com um grande excedente de força, para o fim de, em caso de avaria em um d'elles, serem os outros bastante poderosos para manter o vôo do apparelho.
Um pouco de paciencia!
Quem ler o n.º 1 de "Je sais tout", 1905, verá que em meu artigo publicado n'esse numero eu dizia: "La guerre de l'avenir se fera au moyen de croiseurs aériens rapides se tenant á d'inaccessibles hauteurs, et bombardant à leur guise les forts, les armées et les vaisseaux". Este artigo foi ridicularizado por alguns militares.
Haverá hoje, talvez, quem ridicularize minhas predicções sobre o futuro commercial dos aeroplanos. Quem viver, porém, verá.
Esta minha conferencia de Washington foi bem acceita e eu creio que uma das provas está em me ter o Aero Club da América, logo após ella, convidado para represental-o no Congresso Pan-Americano de Aeronautica, que se ia reunir no Chile. Aceitei esta honra e parti disposto a tudo encontrar no Chile: tinha conhecido em Paris a sociedade chilena e a sabia a mais amavel do mundo; tinha ouvido falar nas bellezas naturaes do Chile, ia pois vel-as. Ia ver os Andes, ia vêr muita coisa, tudo, menos aeroplanos. Era a minha expectativa. Faça, pois, o leitor idéa do meu espanto quando logo ao meu desembarque e em uma festa que organisaram em minha homenagem, voaram mais de 12 apparelhos e os mesmos aparelhos com aviadores differentes!! Chegando a Santiago fui visitar o campo de aviação do exercito, esplendidamente bem escolhido. A' minha vista, os oficiaes aviadores voavam e pousavam com a maior pericia. O meu espanto ainda foi maior quando me mostraram as usinas de construcção, propriedade do Exercito e que são contiguas ao Campo!!
Parecia que eu estava de novo nos arrabaldes de Paris!! Um dos officiaes presentes, com a maior naturalidade do mundo, convida-me para voarmos até Valparaizo, que se achava a 150 kilometros e, para lá ir, era necessario passar por cima de parte dos Andes; aceito, e hora e meia depois lá estavamos!
O trabalho, a pericia, a capacidade e o sucesso destes nossos amigos do Pacifico só é excedida pela sua modestia, pois é verdade, não perderam momento de me pedir conselhos, ora sobre a installação de um aerodromo nautico, ora sobre hydroaviões; quando nas usinas, sobre material, madeiras nacionaes, possibilidades de aperfeiçoamentos, etc. Querem aperfeiçoar-se e deram-me a honra de acreditar-me um especialista na arte.
De lá passei á Argentina, onde de novo encontrei um grande enthusiasmo pela aeronautica e tambem um grande resultado obtido; ahi, porém, a aviação é muito facilitada pela topografia do paiz. Não sei o numero de pilotos que ha alli, mas é o que há de mais commum encontrar moços da alta sociedade que têm carta de piloto.
Devo aqui fazer um elogio aos nossos amigos do Prata que, podendo encontrar facilmente um bom terreno para aerodromo, a 10 minutos de Buenos Aires, o foram escolher a algumas horas da cidade, para o terem optimo, obrigando os officiaes e discipulos a lá viver e estar de pé ao nascer do sol, que é a hora das aulas!
Lá vi também um curso para officiaes observadores!
Houve, entre os aeronautas argentinos e chilenos, uma rivalidade sportiva, em que se empenhavam para ver quem primeiro atravessaria os Andes. Era uma prova difficil, de cuja realisação muitas honras viriam para a Aeronautica Sul Americana.
Dois argentinos, os Snrs. Bradley e Zuloaga, conseguiram fazer essa travessia.
Partidario que sempre fui da approximação do Brasil e da Argentina e, seguro de interpretar os sentimentos dos meus patricios, saudei-os em nome dos brasileiros, por occasião da sua chegada a Buenos Aires, vindos do Chile pelo caminho dos ares.
Desse discurso aqui transcrevo algumas phrases em homenagem a esse arrojado emprehendimento daquelles dois filhos do povo amigo:
Bradley, Zuloaga:
Yo os saludo:
Para vosotros, que ayer fuisteis saludados por los condores, mi saludo es insignificante.
Hoy, al cruzar los mares, pensamos en Colon... Mañana, los navegantes del espacio, al cruzar los Andes, recordaran los nombres de San Martin, Bradley y Zuloaga y diran: "Por aquí, dos veces, los argentinos passaron los primeros".
En su "Leyenda de los Siglos" Victor Hugo dice:
"Car, devant un héros, la mort est la moins forte."
Vosotros habeis probado que el poeta tenia razon. Bravo!
Yo puedo assegurar os que veinte millones de corazones brasileños os han aplaudido.
Grande interesse, pois, no Chile e Argentina; nos Estados Unidos esse interesse chega quase ao delirio.
Depois de ter visto o interesse extraordinario que tomam pela aeronautica todos os paizes que percorri, e vendo o desprezo absoluto com que a encaravam entre nós, falou mais alto que minha timidez o meu patriotismo revoltado e, por duas vezes, me dirigi ao Snr. Presidente da Republica.
Ha dois annos, fiz ver a S. Exa. o perigo que havia em não termos, nem no Exercito, nem na Marinha, um corpo de aviadores. Ha um anno, escrevi uma critica e apresentei um exemplo a S. Exa.
N'essas notas, eu assim dizia: Leio que o governo vae, de novo, tomar posse do Campo dos Affonsos, onde será installada a Escola Central de Aviação do Exercito, e que a Marinha vae transportar para a Ilha do Governador a sua Escola.
Primeiro trataremos do Campo dos Affonsos. Ha dois annos o Exercito, creio que reconhecendo a pouca praticabilidade desse Campo, o abandonou........ O Aero Club ahi installou o seu Campo de Aviação. Convidado pela diretoria desse clube, ha annos, para visitar e dar a minha opinião sobre o dito Campo, disse que o achava mais do que ruim: achava-o pessimo. Aconselhei que procurassem uma grande planicie ou, melhor ainda seria, que o Club se occupasse primeiro da aviação nautica, já que nos deu a natureza um aerodromo nautico unico no mundo. O Aero Club não seguiu os meus conselhos.
E' grande a minha tristeza ao lér que o Governo vae de novo tomar posse desse terreno para ahi installar o campo central de aeronautica!!! Os Francezes tiveram a sorte de encontrar bons campos perto de Paris, porém, as vantagens de um campo optimo são tão grandes que elles foram installar os seus novos campos quasi no extremo da França, em Pau, onde encontraram imensas "landes". Eu estou certo que, no Sul, nós devemos possuir planicies eguaes ás de Pau, onde se poderá trabalhar sem perigo, nem para o futuro aviador, nem para o aeroplano e onde o ensino será infinitamente mais rapido, graças a poder-se empregar "Pingouins" para o ensino dos principiantes.
Um principiante, que se familiarise com um destes apparelhos, necessitara de poucas lições para vôar. Nos Estados Unidos as escolas de aviação estão muito longe da Capital; estão onde se encontram bons campos.
Quanto á Escola naval, eu creio que ella não está mal na Ilha das Enchadas.
A minha opinião é, pois: para o Exercito, a escolha de um vasto campo no Sul do Brasil, ou mesmo o de Santa Cruz. Para a Marinha, creio que se deve escolher uma base, para os seus hydroaeroplanos, o mais perto possivel da cidade do Rio, que é onde vivem os officiaes e alumnos. Aproveito esta occasião para fazer um appello aos Senhores dirigentes e representantes da Nação para que dèm asas ao Exercito e à Marinha Nacional. Hoje, quando a aviação é reconhecida como uma das armas principaes da guerra, quando cada nação européa possue dezenas de milhares de apparelhos, quando o Congresso Americano acaba de ordenar a construcção de 22.000 destas machinas e já está elaborando uma lei ordenando a construcção de uma nova série, ainda maior; quando a Argentina e o Chile possuem uma esplendida frota aerea de guerra, nós, aqui, não encaramos ainda esse problema com a attenção que elle merece!
Rio de Janeiro, 16 de Novembro de 1917.
Santos-Dumont
S. Exa. agradeceu-me e disse-me que, no futuro, se tivesse necessidade de meus conselhos, me preveniria.
O parque de meus dirigiveis, que se achava em St. Cloud, media um decimo de kilometro quadrado. Quando me lancei na aviação procurei um maior, que foi o de Bagatelle: tinha perto de um kilometro quadrado. Logo após de meu vôo de 250 metros, vi que este campo era demasiado pequeno e fui installar-me em Issy-les-Moulinaux, — mais de um kilometro quadrado — porém, cercado de casas; vi os defeitos. Fui então para St. Cyr, campo militar de somente alguns kilometros quadrados, porém, contíguo a grandes planicies.
Vêem, portanto, que dou immensa importancia a um Campo de Aviação; delle depende o exito na formação de aviadores: sinto pois, que o Aero Club, do qual tenho a honra de ser Presidente Honorario, não tenha seguido os meus conselhos, de abandonar, ha muitos anos, o Campo dos Affonsos; sinto que elle não tenha se servido do hangar que construi na Praia Vermelha, ao lado do mais lindo dos aerodromos — a bahia de Guanabara.
Sei que o Aero Club, vae, agora, abandonar os Affonsos.
E' tempo, talvez, de se installar uma escola de verdade em um campo adequado. Não é difficil encontral-o no Brasil. Nós possuimos, para isso, excellentes regiões, planas e extensas, favorecidas por optimas condições atmosphericas. Antes de tudo, porém, é preciso romper com o nosso preconceito de medir por metros quadrados um campo de aviação e de procural-o nos arrabaldes das grandes cidades.
Em França diz-se que um campo tem tantas dezenas de kilometros quadrados; em Inglaterra e Estados Unidos, fala-se em milhas quadradas; no Chile e Argentina, fala-se em leguas quadradas; aqui, neste immenso e privilegiado Brasil, fala-se em "metros quadrados". E' preciso considerar, antes de tudo, que, mesmo na hypothese de um milhão de metros quadrados isto seria apenas um kilometro quadrado, apenas 1/36 de uma legua quadrada! Um aeroplano moderno, que faça 200 kilometros por hora, partindo do centro de um campo de tais dimensões, em menos de 9 segundos estaria fòra do perimetro do aerodromo!
Fòra do aerodromo, está em zona perigosa, principalmente para os principiantes.
Não falemos nas desvantagens de morarem os alumnos longe dos campos. Elles precisam dormir proximo á Escola, ainda que para isso seja necessario fazer installações adequadas, porque a hora propria para lições é, reconhecidamente, ao clarear do dia.
O nosso Governo possue, a duas horas do Rio de Janeiro, o esplendido e vasto campo de Santa Cruz, com perto de duas leguas quadradas, absolutamente planas.
O terreno onde houver cupim ou outras irregularidades não servirá.
Margeando a linha da Central do Brasil, especialmente nas immediações de Mogy das Cruzes, avistam-se campos que me parecem bons.
O campo de remonta do exercito, no Rio Grande do Sul, deve ser ideal.
Sinto-me perfeitamente à vontade para falar com esta franqueza aos meus patricios, para quem a minha opinião, porem, parece menos valiosa que para os americanos do norte e chilenos. Sinto-me á vontade porque ella é inspirada pelo meu patriotismo, jamais posto em duvida, e nunca pelo meu interesse. Nunca me seduziu uma posição official ou remunerada, pois desejo levar a vida que até hoje levei, dedicando o meu tempo ás minhas invenções.
Ha vinte annos que vivo para a aeronautica, nunca tirei privilégios, fiz vòos sempre ao lado do meu atelier para, apenas, verificar uma invenção de que nunca procurei auferir beneficios.
Penso que, sob todos os pontos de vista, é preferivel trazer professores da Europa ou dos Estados Unidos, em vez de para lá enviar alumnos.
Estou certo que os rapazes brasileiros que fossem ao extrangeiro aprender a arte da aviação, se fariam esplendidos e corajosos aviadores. Entretanto, não nos esqueçamos de que nem todo aviador é bom professor. Para ensinar uma arte não é bastante conhecer-lhe a tehcnica, mas é preciso, tambem, saber ensinal-a.
E' possivel que, dentre 4 ou 6 rapazes que forem estudar na Europa, se encontre um, bom professor; isso, porém não passa de uma probabilidade. Mais acertado e mais seguro, portanto, seria escolher, desde logo, alguns bons professores, entre os muitos que ha na Europa e nos Estados Unidos, e contractal-os para ensinar a aviação aqui, em territorio nosso.
Os aeroplanos devem ser encommendados ás melhores casas européas ou americanas, cujos tipos já tenham sido consagrados pelas experiências na guerra.
Resumindo, pois, penso que não teremos aviação de verdade, enquanto não possuirmos um grande campo, de leguas quadradas, ou mesmo um pequeno, de alguns kilometros, rodeado, porém, de grandes planicies que, não obstante não pertençam á escola, offereçam bom terreno para a descida do apparelho em caso de necessidade. Precisamos tambem de professores experimentados na arte de ensinar aviação e que morem, com os alumnos, proximo á Escola.
Já me fizeram sentir que eu não voava mais e, entretanto, pretendo, ainda, dar conselhos. Não obstante, tenho-os dado com a maxima sinceridade e franqueza, certo de que aquelles que me ouvem se lembram de que eu não fui apenas aviador, mas que me foi necessario estudar, pensar, inventar, construir e só depois voar! Nos Estados Unidos, Wright, Curtiss, etc., foram aviadores precursores, já não voam ha 10 anos e agora estão encarregados da organisação e construção da Aeronautica. Em França, Bleriot, os Farman, os Morane, etc., foram aviadores precursores, não o são mais ha muitos anos e tambem estão utilisados pelos seus Governos para a construcção e organisação da navegação aerea. Clement, Delauney, Marquis de Dion, Renault, etc., foram todos "chauffeurs", porem, agora, são considerados os inventores do automobilismo e estão encarregados da sua construcção e organisação.
Estes senhores foram "chauffeurs" ou "aviadores", como eu tambem o fui. Não mais o sou, como também elles também não o são; mas, o dom de inventores, a aptidão de organisadores e de constructores e este conhecimento das necessidades da arte que elles inventaram e praticaram lhes ficou, e os seus governos os têm sabido aproveitar.
O titulo de aviador que continuam a dar-me, sem que o mereça, ha já 10 annos — pois, a última vez que conduzi um aeroplano foi em 1908 — tem ainda, para mim, um outro lado desagradavel, e é o de causar desapontamentos a amigos e admiradores nas cidades do interior por onde passo.
No primeiro dia, grande alegria; mas quando são prevenidos que não trouxe aeroplano e que não vou voar, ha um grande desapontamento.
Cito um caso que se passou ultimamente: Chego a uma cidadesinha do interior e encontro um amigo e companheiro intimo de collegio. Havia justos 30 annos que não nos viamos. Grande prazer dos dois por nos encontrarmos. Proponho passeios a pé ou a cavallo, durante os quaes discorreriamos sobre os tempos antigos. O meu amigo oppõe-se, pois já não está mais em idade de subir montanhas a pé, e mesmo já lhe é desagradavel andar a cavallo! Nos nossos passeios, em "charrete", o meu amigo, que é muito espirituoso, fez-me rir contando anecdotas da nossa infancia; porém, a um momento dado, pára e diz: — Já rimos bastante; agora vamos fallar sério: os habitantes da cidade e eu, estamos muito descontentes contigo; pois vens passar aqui alguns dias e não fazes um vôo! Que custa mandares um telegrama e fazer vir o teu "realejo"? Tocarias a manivella e nos mostrarias o que és capaz de fazer!
— Pois bem, caro amigo; você sente-se já cansado para fazer longos passeios a pé ou a cavallo; eu, que tenho a sua idade, com a diffe rença que levei a vida mais agitada que um homem póde levar, arrisquei-a centenas de vezes e via a morte de perto em varias occasiões; pois bem, você acha que eu deva ainda praticar esse "sport", o mais difficil de todos e que exige nervos e sangue frio extraordinarios?! Não! não é um "realejo",[1] e é por termos nós, os que entramos na lucta nos fins do seculo passado, reconhecido as difficuldades da aviação, a necessidade para o aviador de possuir esplendidos nervos, desprezo completo e inconsciente pela vida, o que só se encontra na mocidade, e, tambem, este outro dom dos jovens: a ambição de gloria e o enthusiasmo, repito, foi por havermos reconhecido tudo isto e não nos encontrarmos mais nestas condicções que deixamos de ser aviadores.
É, pois, uma grande homenagem que prestamos aos aviadores do presente.
O meu amigo, um pouco confuso, responde: — "A culpa não é nossa, tinham annunciado que o aviador Santos-Dumont estava na cidade..."
Eu, para quem já passou o tempo de vóar, quizera, entretanto, que a aviação fosse para os meus jovens patricios um verdadeiro sport.
Meu mais intenso desejo é vêr verdadeiras escolas de aviação no Brasil. Vêr o aeroplano — hoje poderosa arma de guerra, amanhã meio optimo de transporte — percorrendo as nossas immensas regiões, povoando o nosso céo, para onde, primeiro, levantou os olhos o Padre Bartholomeu Lourenço de Gusmão.
SANTOS=DUMONT
A ENCANTADA
Morro do Encanto — PETRÓPOLIS — 1918
- ↑ A' última hora recebi um numero especial da "L’Illustration" sobre Aviação:... Pas d'escadrille sans terrain... On s'xerce d'abord sur le pingouin... Une escandrille d'avions, même au front, n peut avoir son aire n'importe où... On ne facilitera jamais trop les deux moments critiques du vol: le départ et l'atterissage... les arbres, les lignes télegraphiques, les maisons trop proches le forcent à monter ou à descendre trop vite, à risqur sans utilité l'accident... Il faut être jeune, solide et sain...
Les anciens, ceux qui volent depuis trois ou quatre ans, ne résident plus à la hauteur ni à la durée... MONTER EN AVION C'EST VIELLIR TRÈS VITE
Estas frases da L’llustration parecem ter sido escritas para confirmar o que venho dizendo há mais de 2 annos e também como resposta ao amigo da cidade do interior.