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O ABC do Araujo

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Ah! mundo falso, enganoso,
Em ti não há que fiar;
Ao que for mais exaltado
Maior queda fazes dar.

Bem se viu, melhor se vê;
Quem vier melhor verá;
As voltas que o mundo deu
E as que tem para dar.

Cuide cada um em si,
Não queira ao alto voar,
Que o fogo da soberba
As asas lhe há de queimar.


Do que fui e do que sou
Bem me desejo esquecer,
Ao lembrar-me do que fui
E do que virei a ser.

Embarquei com vento à popa
Para no mar navegar;
Sem levar agulha e prumo
Pelos baixos vim a dar.

Fui solteiro e sou casado.
Vivi com muita alegria,
Por se me trocar a sorte
'Stou posto sem serventia.

Gastei a minha fazenda
Na fúria da mocidade
Servindo a bens comuns
E a uma Majestade.

Homem grande.....
De um grande governar
Se não tiver direção
Sem respeito há de acabar.

Lembrando-me do que fui,
Muito diferente estou;
Fui alegre, hoje sou triste;
A sorte se me mudou.

Morto já me considero,
Ter vida mais não queria;
Só se eu tivera vista
Algum tempo ou algum dia.

Não são lembrados os males
Na primavera dos anos:
Só se me lembram delitos,
Não se me esquecem os danos.

Quem se viu como eu me vi
Tão respeitado e querido! .
Hoje de poucos lembrado,
E de muitos esquecido!

Respeito, honra, justiça
No dinheiro é que se encerra;
Quem tem isto já tem tudo,
Porém tudo isso é terra.

Suspiros que vêm de longe
Só servem de maltratar;
Olhos que de ver não servem
Que sirvam para chorar.

Tu me viste, e tu me vês
No estado em que estou;
Isto te sirva de exemplo,
Que quem eu fui já não sou.

Vanglórias e passatempos,
Tudo neste mundo passa;
Descem uns e sobem outros
Conforme a sua desgraça.

Zombe pois de mim o mundo,
Que eu dele não quis zombar,
Adquirindo paixões
Para com elas cegar.

O til não fique de fora,
Entre já sem dilação;
Venham ver o Araujo
Que já teve, e hoje não.