O Bordado

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Não obstante o sortimento do seu armarinho, o Borges Pedreira não tinha a freguesia a que o seu negócio fazia juz. E a razão era simples: casado com uma senhora ciumentíssima, que montava guarda ao balcão, as damas de Pedra Branca evitavam, quanto possível, a sua casa, só indo comprar lá alguma coisa quando, mesmo, não havia remédio. Alta, magra, olhar inquisitorial, Dona Marocas constituía um espantalho do belo sexo, olhando cada freguesa como uma rival, que alí ia, não para fazer compras, mas para conquistar-lhe atrevidamente o marido.

Vigiado assim de perto, passando a vida de sentinela à vista, o Borges Pedreira devia ser um dos maridos mais honestos, mais castos, mais fiéis, de Pedra Branca. E Dona Marocas estava quase certa dessa verdade, quando entrou, um dia, na loja, uma pequena de uns nove anos, muito espevitada, filha de uma das raparigas mais bonitas da cidade, e que pediu, logo, entre um cumprimento e um sorriso:

— Sr. Pedreira, eu queria três metros de bordado.

Com Dona Marocas a seu lado, o negociante pôs sobre o balcão algumas caixas do artigo, para que a menina o escolhesse.

— Despache-me, que mamãe está com pressa! — reclama, com energia, a pequena.

— Escolha o bordado; pois eu hei de saber?

— O senhor sabe, sim! — insiste a menina.

— Eu? — exclama o Pedreira, avermelhando-se de repente, a olhar, de esguelha, a esposa, que o devora com os olhos. — Posso eu lá adivinhar?!...

— Ora, não sabe!... — retruca a menina, zombeteira.

E com um risinho de mofa:

— É aquele, "seu" Pedreira, aquele da camisa da mamãe!...