O Dominó
Andrelisa, era o nome dela. Se o recebera na pia batismal da igreja do Pequeno Grande, em Fortaleza, ninguém poderia dizê-lo. O certo é que desembarcara com ele no Rio de Janeiro, quando aqui saltara, em 1918, em companhia de um escriturário do Serviço contra as Secas.
Esse funcionário, que se chamava Guilherme, demonstrara, desde que se relacionara com ela, um inteiro descaso pela sua missão oficial. Porque, trazendo a rapariga para o Rio, ele se mostrara descobertamente a favor das "secas", sabido, como era, que se tratava da moça mais "seca" do Ceará.
Andrelisa era, efetivamente, magérrima. De fisionomia corretíssima, não se lhe notava no rosto a deficiência das carnes. Do pescoço para baixo, porém, metia pena: podiam-se contar, um a um, os ossos do seu peito, as vértebras da sua espinha, as costelas, os ossos dos braços, das pernas, do pé. Tirassem-lhe o vestido, e ficaria patente, vivo, o mais formoso tratado de anatomia, porventura publicado no continente.
O funcionário Guilherme apegou-se, porém, ao esqueleto da Andrelisa, e trouxe-o. Aqui, procurou para ele uma tumba, e meteu-o. A tumba era, entretanto, na rua Conde de Lage, com uma porta de abrir e fechar, e, quando ele deu fé, os despojos tinham fugido com um deputado à Assembléia legislativa de Niterói, que se encantara com os olhos da rapariga, sem perguntar o que havia, em matéria de carne, dos olhos para baixo.
A surpresa do legislador fluminense foi dolorosa. No dia, porém, em que a teve, estudando a anatomia da Andrelisa, disfarçou-a, e bem. Deitou a rapariga num canapé, mandou que ela descobrisse o busto, e ficou a apalpar, um por um, os ossos da caixa torácica. Ao fim do meio-dia, a moça protestou:
— Afinal, que é que você está fazendo aí?
— Eu? — observou o deputado, sem levantar os olhos do "tabuleiro".
E satisfazendo-lhe a curiosidade:
— Estou jogando, filhinha, uma partidazinha de "dominó"...