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O Escandalo do Petroleo/Retrospecto

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Retrospecto


A ignorancia em que andava o nosso povo da importancia tremenda do petroleo no mundo moderno foi se dissipando depois que milhares e milhares de volumes da “Luta pelo Petroleo”, o magnifico livro de Essad Bey, se espalharam pelo país. Monteiro Lobato abriu-o com o seguinte prefacio:


PREFACIO DA “LUTA PELO PETROLEO”,
DE ESSAD BEY


A pobreza, a lentidão do desenvolvimento do Brasil sempre me preocupou vivamente. Refleti comigo durante anos, com a sensação de que as causas geralmente apontadas para explicar o fenomeno eram causas secundarias; e que antes de apreendermos a causa primaria, a causa das causas, nada poderia ser feito para mudar a situação.

O problema localizara-se em seu espirito sob uma forma simplista: Por que dos dois maiores países da America, descobertos no mesmo ciclo, povoado com os mesmos elementos (europeu, indio e negro), libertados politicamente quasi na mesma epoca, com territorios equivalentes, um se tornou o mais rico e poderoso do mundo e o outro permanece atrofiado?

A observação atenta do fenomeno americano deu-me a resposta claraː Porque nos Estados Unidos o homem adquiriu elevada eficiencia e no Brasil a eficiencia do homem está pouco acima da do homem natural.


A eficiencia do homem natural, que só dispõe dos musculos, é minima. Ele pode o que seus musculos podem. Começa a crescer em eficiencia á medida que se vai equipando de instrumentos multiplicadores da força dos musculos. Com o arco arroja um projectil a distancia muito maior do que com os musculos arremessaria uma pedra. Com o machado de silex corta a arvore que jamais poderia abater a pulso nú.

Os instrumentos multiplicadores da eficiencia do homem vão crescendo em complicação até se transformarem no que chamamos maquina. A maquina numero um, a maquina mater, surgiu com a alavanca — um pedaço de pau não flexivel que firmado num ponto de apoio nos permite levantar pesos. Não foi invenção humana. O homem encontrou na terra a alavanca — um pedaço de pau. Apenas descobriu o meio de utilizal-a. Mas a roda foi invenção sua. Da combinação da alavanca e da roda surgiu o veículo — a maquina de transportar, e foram vindo todas as mais maquinas existentes no mundo. Que é maquina? Um meio engenhoso de multiplicar a eficiencia do musculo humano.

Mas a maquina é inerte. Tem que ser movida. Exige uma pressão. O que ela faz é apenas multiplicar essa pressão. E o homem dava pressão á maquina com os seus musculos. Depois concebeu a luminosa ideia de escravizar os musculos de seres menos inteligentes, ou mais fracos, para pô-los a mover a maquina. Daí a domesticação do boi e do cavalo. Mais astucioso, o homem transferia para os musculos desses irmãos a tarefa de puxar os carros e mover as moendas. Outra ideia luminosa surge: escravizar o proprio homem. Roma propulsionava as suas galeras e movia os seus moinhos por meio dos escravos feitos nas guerras.

A escravização do boi, do cavallo e do homem permitiu ao mundo um progresso imenso, porque significava a descoberta duma fonte de energia capaz de mover a maquina. E como a maquina é um sistema rigido, a materia prima da maquina tinha de ser, não a madeira primitivamente empregada, mas um material de maior rigidez e durabilidade. Qual? O ferro. O homem aprende a derreter certas rochas que encontra na superficie do solo e a extrair uma coisa chamada ferro. Material maravilhoso, de extrema rigidez e durabilidade — e desde então a materia prima da maquina ficou sendo o ferro.

A partir daí o astuto bipede começa a dominar o mundo, a arrostar as leis naturais, a tirar dum ponto o que a natureza pusera noutro, a rir-se de animalões enormes como o elefante e a governar a terra como propriedade sua. Deu de “civilizar-se”, isto é, de sobrepor ás leis naturais uma lei nova saída da sua cabeça, e quanto mais aperfeiçoava a maquina, mais aumentava de eficiencia e pois mais se “civilizava”. Mas o seu “progresso” (que é como ele chama a velocidade do seu civilizamento), via-se embaraçado pela pobreza da força de que dispunha para mover a maquina. Era preciso descobrir algo indolor e potente que substituisse o musculo, — e surge afinal o aproveitamento da enorme fonte de energia mecanica que existe na força expansiva do vapor d’agua.

Maravilha! Aquela coisa tão simples — agua aquecida até transformar-se em vapor — vem libertar o homem do uso exclusivo do musculo dolorido como força motora da maquina. Indolor e de potencia ilimitada!

O progresso intensifica-se. Num seculo de energia mecanica aplicada á maquina o homem faz mais progressos do que em todo o passado da humanidade. Sua eficiencia cresce dum modo tremendo.

Mas para ferver a agua torna-se necessario calor. O calor é produzido pela combustão. Para ter combustão o meio é conjugar dois elementos de que a natureza é prodiga, o oxigenio e o carbono. Oxigenio existe na atmosfera em quantidades ilimitadas; já o carbono se mostra mais escasso. Numas zonas existe abundante, noutras rareia. E começa então um desequilibrio de nivel no “progresso”. As zonas, ou os países onde o carbono é abundante permitem que se tenha muita combustão, e pois muito calor, e pois muito vapor d’agua, e pois muita energia mecanica, e pois muita maquina em movimento. E o homem que habita essas zonas começa a crescer tanto em progresso que acaba pondo sob seu dominio, como escravos, os seus irmãos das zonas menos carbonicas. Surge a Inglaterra, que amarra a si toda uma fieira de zonas, ou povos. O seu carbono permite-lhe o mais violento surto de eficiencia da nossa éra.

O mundo passa a dividir-se em países fortes e países fracos. Nos países ricos em carbono, que podem desenvolver enormes quantidades de energia mecanica, o homem aumenta cada vez mais o seu indice de eficiencia.

A primeira fonte de carbono utilizada para criar a energia mecanica foi a lenha. Tinha o defeito da produção limitada e cara, alem do fraco rendimento calorico, da dificuldade de transporte e outros. Depois surge o carvão, raios de sol que nas éras primitivas ficaram soterrados. E o sol fossil, vindo de novo á tona, mostrou-se o material ideal para fonte de energia mecanica. Fez-se o pai do progresso moderno. Mas esse progresso ficava privilegio dos países dotados de grandes reservas de carvão — Inglaterra, Estados Unidos, França, Alemanha. Tais países tornaram-se os mais ricos e poderosos, os astros de primeira grandeza num mundo de satelites, porque a soma de energia mecanica que podiam desenvolver com a queima do carvão viera aumentar tremendamente a eficiencia do homem politicamente chamado inglês, americano, francês, alemão.

O mais rico em carbono fossil, a Inglaterra, apesar duma simples ilha safara, domina o mundo. Invade todos os continentes, pega a Australia, as Indias, a melhor parte da Africa e quantas ilhas lhe convem; 400 milhões de homens de todas as cores submetem-se ao punhado de ilheus que tinham ilimitadas quantidades de carvão para queimar.


Mais um dia o coronel Drake fura a terra na Pennsylvania e faz jorrar um liquido negro chamado petroleo. O mundo vai mudar. O equilibrio de forças não será mais regulado pelas quantidades de carvão existentes no sub-solo dum país — e sim pela quantidade de petroleo de que esse país dispuser. O petroleo iria revelar-se a mais alta forma de carbono industrial, a de maior rendimento termico, de mais facil transporte — e a mais barata, porque uma vez aberta a fonte vinha á tona por si mesmo, sem necessidade de mineração. Tudo muda. Os países de petroleo sobem ao poder.

Surgem na arena os Estados Unidos, projeção inglesa na America. De simples colonia, passa esse país, em pouco mais de um seculo, ao primeiro lugar no mundo, como o mais rico, o mais poderoso e por fim o credor universal. Por que? Porque graças á produção intensa da materia prima da maquina — o ferro, e da produção intensa da materia prima da energia mecanica — o petroleo, conseguiu elevar o indice de eficiencia do seu homem a 42 — isto é, cada americano passou a “poder” tanto, a produzir tanto como 42 “homens naturais” (os que só podem o que os seus musculos podem, como o selvagem). Distanciou o europeu em 31 pontos. O indice de eficiencia do europeu em 1929 era igual a 13.


Enquanto esse milagre se operava ao norte do continente, um país ao sul, de igual extensão territorial e povoado com os mesmos tipos de elementos humanos, europeu, negro e indio, permanecia em profundo estado de dormencia. Um pantano com quarenta milhões de rãs coaxantes, uma a botar a culpa na outra do mal estar que sentiam. Procuram soluções politicas, mudam a fórma do governo, derrubam um imperador vitalicio para experimentar imperantes quadrienais, fazem revoluções, entrematam-se, insultam-se, acusam-se de mil crimes, inventam que o pantano permanece pantano “porque ha uma crise moral cronica”. O mal das rãs é julgar que sons resolvem problemas economicos. Trocam o som “monarquia” pelo som “republica nova”. Depois inventam sons ineditos — “reajustamento”, “congelados”, “integralismo”. O proprio das rãs é esse excessivo pendor musical. Querem sonoridades apenas. “Somos o maior país do mundo”. “Temos o maior rio do mundo”. “Nossas riquezas são inesgotaveis”, etc. Enchem o ar dessas musicas — e mandam o ministro da fazenda correr Nova York e Londres de chapeu na mão a pedir coisas.


Se a rã esquecesse um pouco dos seus queridos sons e olhasse em redor de si, veria que está perpetuamente rã porque só dispõe da fórma de carbono mais rudimentar — a lenha. Não pode portanto aumentar o seu indice de eficiencia, muito perto ainda da do homem natural. Como não encontrou carvão facil e otimo em seu territorio, que substituisse a lenha, nem teve a elementar ideia de furar o chão para abrir fontes de petroleo, vê-se o brasileiro obrigado a adquirir, em troca de ouro, o magro carbono indispensavel á movimentação do pequeno parque de progresso que conseguiu montar. Atrazou-se na maquinização da sua estrutura economica por falta de ferro (que não tem porque não tem carbono) e igualmente adquire fóra, a peso de ouro, esse elemento basico.

E assim, sem ferro produzido em casa, com que se maquinizar intensamente, e sem carbono nas suas formas mais altas, com que mover a maquina, o Brasil está no que está — um pobre gigante exangue, dono de imensas possibilidades mas sem meios de desenvolvel-as. Viveu de emprestimos enquanto encontrou prestamistas e agora, perdido o credito, não sabe para onde voltar-se. E à miseria da sua população cresce à medida que o país sobe demograficamente. Somos quarenta milhões de pobretões; quando a população dobrar, seremos oitenta milhões de mendigos.

E esse absurdo estado de coisas de modo nenhum se modificará enquanto o problema do carbono não for COMPREENDIDO e SOLVIDO!

Um banho do brasileiro é pago em ouro ao país que lhe fornece o carvão donde sái o gaz do aquecedor. Um bife, um ovo frito que coma nas capitais, custa ao país a emigração duma certa quantidade de ouro em troca do calor gasto pela cozinheira. Uma simples corrida de auto determina uma sangria de ouro em troca da gazolina que o carro queima. Daí o não-enriquecimento. Os atos mais elementares da vida, os que todos os dias se repetem, ele os paga em ouro.

Esse ouro, decadas atrás, vinha de tres fontes basicas, café, borracha e emprestimo. Por não termos resolvido o problema do carbono e do ferro, não resolvemos o problema do transporte eficiente no norte do país — e lá se foi a primeira perna da tripeça economica, a borracha. Por excesso de "proteção" governamental, fraqueia hoje a segunda perna, o café. As monstruosas taxas que o amparo acarretou vão rapidamente desenvolvendo a sua cultura em outros países, beneficiados com uma proteção que só a eles protege. A terceira perna da tripeça, o emprestimo, desapareceu em consequencia da Revolução.

A tripeça está hoje com uma perna só, o café, cada vez mais carunchada e vacilante, que agora procuramos escorar com amarrilhos de algodão. Ora, se quando dispunha de tres pernas o Brasil já mal se aguentava financeiramente, que será dele quando perder a ultima que lhe resta?

A situação, menos que má ou pessima, é grotesca. Já chegamos ao estagio da insolvencia e caminhamos rapidos para o entrevamento economico — o que é comico para um país possuidor de oito milhões de quilometros quadrados de territorio. E esse entrevamento virá mais depressa do que os proprios pessimistas imaginam, se não surgir um estadista de visão larga que veja claro no problema e o solucione

No dia em que o Brasil se convencer de que a sua fraqueza decorre da falta de eficiencia do homem que o habita, e ponderar que o crescimento dessa eficiencia só pode vir com a produção do ferro (materia prima da maquina) e do petroleo (a fonte de energia mecanica que move a maquina), o PRIMEIRO PASSO para a sua definitiva restauração economica e financeira estará dado.

O primeiro passo será esse — VER CLARO NO PROBLEMA. O segundo, muito mais facil, será resolve-lo. Como? Dando carbono ao Brasil. Que carbono? O mais alto, o petroleo. De que modo? Fazendo o que TODOS os paises da America já fizeram — perfurando, PERFURANDO, PERFURANDO!

Mas perfurando de verdade, e não deixando esse serviço a cargo dum serviço geologico federal cuja politica parece coincidir singularmente com a das companhias estrangeiras empenhadas em que nos perpetuemos como eternos compradores do petroleo que elas produzem...

Importamos anualmente meio milhão de contos de combustivel. Breve, inportaremos um milhão.

Como se vê, não é o Brasil um mercado absolutamente desprezivel para as grandes companhias abastecedoras. Daí seu interesse em que permaneçamos eternamente fregueses.

Em virtude disso, muito logicamente, de longa data vem elas sugestionando a nossa opinião publica para manter o indigena convicto de que aqui não ha petroleo.

Pois bem, nada as ajuda tanto nessa propaganda como a politica anti-petroleira do nosso Departamento Mineral cujo lema se resume nisto: Não tirar petroleo e não deixar que ninguem o tire.

As pouquissimas perfurações que esse serviço fez em 15 anos de “atividade” nunca realmente visaram descobrir petroleo — e sim desmoralizar as zonas, arraigando ainda mais no espirito publico a convicção do absurdo de não haver petroleo em oito milhões e meio de quilometros quadrados do continente petrolifero por excellencia. O Serviço Geologico fingia que furava e depois, com a carinha mais inocente do mundo, dizia: “Não tem. Vocês estão vendo que não tem...”

Mas era mentira. Não furava coisa nenhuma Fingia que furava. Abria buraquinhos ridiculos, insuficientes para qualquer conclusão, buraquinhos de tatú, de 100, 200, 300, 400 metros, coisa que nada vale numa éra em que as perfurações vão até 1500, 2000, 3000 metros — havendo já um poço nos Estados Unidos com mais de 5000. Basta dizer que nos 22 poços que em 15 anos o S. G. abriu em S. Paulo, a media da profundidade não passou de 425 metros — isso numa zona de planalto, 600 metros em media acima do nível do mar.

Alem da escassissima profundidade, quasi todos esses poços se perderam em virtude da queda de trepanos, ruptura de cabos, etc., fatos que usualmente aconteciam sempre que a perfuração tinha o topete de dar indicios favoraveis. Ai do poço que revelasse gaz ou vestigios do odiado petroleo! Era infalivelmente acidentado...

Chester Washburne, o grande geologo americano que o governo de S. Paulo contratou para estudar o territorio do Estado, apresentou um parecer luminoso, no qual diz, referindo-se a esses poços abertos pelo Serviço Geologico: Tests completed up this time have not been located on favorable structure and have little significance. POÇOS NÃO LOCALIZADOS EM ESTRUTURAS FAVORAVEIS E DE PEQUENA SIGNIFICAÇÃO.

E o proprio Sr. Fleury da Rocha, que hoje está á testa desse Serviço, diz no relatorio que apresentou ao ministro Juarez, depois de analisar minuciosamente a obra feita em 15 anos: “TUDO ESTÁ POR FAZER”. Ora, se tudo está por fazer, então é que NADA foi feito. Nada foi feito, na opinião desse homem que deve saber o que diz, justamente no periodo em que o petroleo teve nas tres Americas a sua maior expansão! Vejamos o que os nossos colegas de continente fizeram enquanto o nosso Serviço Geologico abria em S. Paulo 22 buracos de tatú e mais 43 no resto do Brasil. Ao todo, 65.


Estados Unidos


Até 1859 estiveram, como nós hoje, sem petroleo —mas PERFURARAM, e em 1927 já tinham quasi um milhão de poços. Só no periodo de 15 anos em que abrimos os nossos 65 poços, os Estados Unidos abriram 380.000. A media foi lá de 70 poços por dia; a media nossa foi de 4 por ano!


Eis a lista dos poços abertos na America até 1927:

Ano Numero
de poços
abertos
Produção em
barris
Valores em
dolares
1859 4 2.000 32.000
1860 175 500.000 4.800.000
1861 340 2.113.000 1.035.668
1862 423 3.056.690 3.209.525
1863 514 2.611.309 8.225.663
1864 937 2.116.109 20.896.576
1865 890 2.497.700 16.459.853
1866 830 3.597.700 18.455.398
1867 876 3.347.300 8.066.993
1868 1.055 3.646.117 18.217.174
1869 1.149 4.215.000 28.780.450
1870 1.653 5.260.745 20.603.754
1871 1.302 5.205.236 22.591.180
1872 1.183 6.293.194 21.440.503
1873-4 2.480 20.820.731 30.747.991
1875 2.400 8.785.514 7.368.133
1876-7 6.860 22.483.032 54.772.000
1878 3.064 15.396.868 18.044.520
1879 3.049 19.914.146 17.210.708
1880 4.220 26.286.123 24.600.688
1881-2 7.192 58.011.135 49.079.000
1883-7 18.497 125.875.000 104.457.000
1888 2.127 27.612.025 17.958.000
1889-90 14.854 80.947.085 62.328.345
1891-3 13.042 153.238.378 85.383.553
1894 7.556 49.344.000 25.522.095
1896 13.808 60.960.361 58.518.709
1897-8 18.182 115.839.749 85.067.431
1899 13.894 57.070.850 64.603.904
1900 15.517 63.620.529 989.000
1901 14.372 69.389.194 66.417.335
1902 15.407 88.766.916 71.178.910
1903 18.365 100.461.337 94.694.050
1904 20.261 177.080.960 101.175.455
1905 16.371 134.717.000 84.157.399
1906-8 55.838 471.116.271 341.630.668
1909 18.327 183.171.000 128.329.000
1910-11 28.708 480.066.391 261.994.440
1912 17.180 222.935.044 164.213.247
1913-14 48.727 514.208.765 451.246.603
1915 14.157 261.104.104 179.462.898
1916 24.619 800.767.157 830.899.878
1917 23.407 335.215.601 522.635.213
1918 25.687 355.927.716 763.943.961
1919 29.173 378.367.000 760.266.000
1920 33.911 442.929.000 1.360.745.000
1921 21.937 472.183.000 814.745.000
1922 24.689 557.331.000 895.111.000
1923 24.458 732.407.000 978.420.000
1924 21.888 712.940.000 1.022.668.000
1925 25.623 763.743.000 1.284.960.000
1926 29.819 770.874.000 1.447.760.000
1927 24.143 901.120.000 1.172.830.000

A produção total até 1927 havia sido de 10 e meio bilhões de barris, no valor bruto de 21 bilhões de dolares. Atualmente a produção anual americana anda pegando 1 bilhão de barris. O valor do petroleo produzido só em 1927, depois de refinado e desdobrado em varios produtos, ascendeu a 3 bilhões 580 milhões de dolares.

Se tivessem por lá um Serviço Geologico da marca do nosso, estariam com apenas 65 poços e com toda essa imensa riqueza aínda oculta no seio da terra.


Mexico

O Mexico tambem não tinha petroleo, mas resolveu tê-lo, e como não se visse embaraçado por um Serviço Geologico ao tipo do nosso, pôs-se a perfurar, havendo produzido as seguintes quantidades:

1901 
barris 
 10.000
1902 
” 
 42.000
1903 
” 
 72.000
1904 
” 
 120.000
1905 
” 
 240.000
1906 
” 
 480.000
1907 
” 
 970.000
1908 
” 
 3.932.000
1909 
” 
 2.713.000
1910 
” 
 3.634.000
1911 
” 
 11.552.000
1912 
” 
 16.558.000
1913 
” 
 25.696.000
1914 
” 
 26.235.000
1915 
” 
 32.910.000
1916 
” 
 40.545.000
1918 
” 
 63.828.000
1917 
” 
 55.292.000
1919 
” 
 87.072.000
1920 
” 
 163.397.000
1921 
” 
 193.397.000
1922 
” 
 182.712.000
1923 
” 
 149.584.000
1924 
” 
 139.497.000
1925 
” 
 114.784.000
1926 
” 
 90.421.000
1927 
” 
 64.121.000
1929 
” 
 50.000.000

Isto dá um total, até esse ano de 1.500.000.000 de barris, representando um valor igual a 2 bilhões e 250 milhões de dolares.

Os poços mexicanos são dos mais famosos do mundo como se vê da enumeração de alguns.

Los Naranjos 
nº4 
 40.000 barris por dia
Amatlau 
nº 1 
 50.000
Amatrau 
nº 2 
 80.000
Los Naranjos 
nº 10 
 60.000
Los Naranjos 
nº 5 
 50.000
Los Naranjos 
nº9 
 90.000 barris por dia
Pazzi 
nº 5 
 100.000
Zurita 
nº 3 
 30.000
Chotes 
1 
 60.000
Tapetate 
nº 11 
 50.000
Tapetate 
nº 8 
 50.000
Chapatote 
nº 1 
 50.000
Chimampa 
 
 60.000
Potreto del Llano 
nº 1 
 100.000

Em 1916 irrompeu o Cerro Azul n.º 4, o maior do mundo, com uma produção calculada pelo Dr. L. C. White em 300.000 barris diarios.


Por esses dados é possivel fazer ideia da riqueza imensa que um só poço pode representar para um país, e consequentemente que crime anda cometendo contra o Brasil um departamento que não perfura, nem deixa ninguem perfurar. O poço Potrero de Llano produziu em 16 anos 118 milhões de barris de oleo, no valor de 236 milhões de dolares. Quem nos garante que a politica do nosso Serviço Geologico já não impediu o surto entre nós de um Potrero de Llano?


Venezuela

A Venezuela tambem não tinha petroleo, porque todos os países começam não tendo petroleo. Igualmente não tinha um Tortulho preposto a impedir que se perfurasse. E a Venezuela perfurou e hoje é o terceiro produtor do mundo.

1917 
barris 
 120.000
1918 
” 
 333.000
1919 
” 
 425.000
1920 
” 
 457.000
1921 
” 
 1.433.000
1922 
” 
 2.201.000
1923 
” 
 4.300.000
1924 
” 
 9.042.000
1925 
” 
 19.687.000
1926 
” 
 36.911.000
1927 
” 
 63.134.000
1928 
” 
 105.749.000
1929 
” 
 137.388.000

O valor bruto desse petroleo foi de MEIO BILHÃO DE DOLARES, ou SEIS MILHÕES DE CONTOS [1].

Nos anos de 1928 e 1929 produziu 243.000.000 de barris no valor de 4 milhões 360 mil contos. Nesse periodo o Brasil comprou as seguintes quantidades de petroleo e carvão, graças á mirifica ditadura do nosso departamento mineral:

Oleo lubrificante 
1.153.000” 
 12.191.000
Carvão 
2.095.000 tons. 
 10.860.000 dolares
Gazolina e Oleo Combustivel 
3.850.000 barris 
 32.406.000
Querozene 
3.448.000” 
 21.055.000

ou sejam SETENTA E SEIS MILHÕES DE DOLARES, ou um milhão quatrocentos e quarenta e quatro mil contos de reis ao cambio de hoje [2]

Colombia

Tambem não tinha petroleo, mas como igual mente não tivesse nenhum tapume embaraçador resolveu perfurar e começou a ter produção em 1922.

1922 
barris 
 323.000
1923 
” 
 424.000
1924 
” 
 445.000
1925 
” 
 1.007.000
1926 
” 
 6.446.000
1927 
” 
 14.600.000


Ilha do Trindade

Tambem perfurou e começou em 1909 a ter oleo.

1909 
barris 
 57.000
1910 
” 
 143.000
1911 
” 
 285.000
1912 
” 
 437.000
1913 
” 
 504.000
1914 
” 
 644.000
1915 
” 
 750.000
1916 
” 
 929.000
1917 
” 
 1.602.000
1918 
” 
 2.082.000
1919 
” 
 1.841.000
1920 
” 
 2.082.000
1921 
” 
 2.354.000
1922 
” 
 2.455.000
1923 
” 
 3.051.000
1924 
” 
 4.057.000
1925 
” 
 4.387.000
1926 
” 
 4.971.000
1927 
” 
 5.272.000
1928 
” 
 5.200.000

Em tão poucos anos, 45 milhões de barris, no valor de 90 milhões de dolares.

Perú

Tambem não tinha petroleo, mas deliberou tê-lo e em 1900 iniciou a produção com 274 barris, a qual foi crescendo constantemente. O petroleo obtido nos dez ultimos anos foi o seguinte:

Temos aqui 65 milhões de barris em dez anos, no valor de 130 milhões de dolares.

1917 
barris 
 2.577.000
1918 
” 
 2.527.000
1919 
” 
 2.628.000
1920 
” 
 2.817.000
1921 
” 
 3.699.000
1922 
” 
 5.314.000
1923 
” 
 5.599.000
1924 
” 
 8.379.000
1925 
” 
 9.252.000
1926 
” 
 10.782.000
1927 
” 
 10.762.000
Argentina

Tambem não tinha petroleo. A primeira produção apreciavel ocorreu em 1908, de 12.000 barris. Foi num crescendo a exploração e nos dez ultimos anos produziu as seguintes quantidades:

1918 
barris 
 1.263.000
1919 
” 
 1.331.000
1920 
” 
 1.651.000
1921 
barris 
 2.036.000
1922 
” 
 2.866.000
1923 
” 
 3.400.000
1924 
” 
 4.639.000
1925 
” 
 5.997.000
1926 
” 
 6.500.000
1927 
” 
 7.900.000
1928 
” 
 8.700.000

Começou explorando a zona de Comodoro Rivadavia, na Patagonia, e agora tambem trabalha ao norte, perto das fronteiras do Brasil. Mas o tapa-olho que o Departamento lhe mantem no rosto, o Brasil não percebe coisa nenhuma.

Chile

Na provincia de Parapaca, sul de Patilhos, são fortes as evidencias de petroleo e o governo chileno acaba de completar os estudos geofisicos necessarios para dar inicio á exploração.

Equador e Bolivia

As imensas reservas da Colombia e da Venezuela prolongam-se pelo subsolo do Equador e descem para a Bolivia, onde já existem tres grandes areas em exploração — a Zona Oriental com 18 milhões de hectares, a Central com 5 milhões e a Ocidental com 1 milhão.

Esse lago subterraneo de oleo entra depois pelo norte da Argentina e pelo Grã Chaco. Nos pantanais do Chaco as existencias revelaram-se de tal importancia que deram origem à terrivel guerra que hoje faz gemer as agencias telegraficas. Num dos capítulos do seu livro Essad Bey mostra-lhe as causas secretas.

Mas o imenso lago de petroleo do Chaco boliviano e do Chaco Paraguaio teve o cuidado de respeitar a fronteira do Brasil. Não se prolonga pelo pantanal matogrossense, que é geologicamente o Chaco brasileiro. Respeitou os limites, porque sabe que ali começa o Brasil e seria feio desmoralizar as teorias do não-ha-petroleo das nossas orelhas de pau geologicas.


Outros Países


Alem destes países a America ainda revelou petrolco no CANADA, no ALASKA, em HONDURAS, na GUIANA INGLESA, em BARBADOS, em CUBA e na TERRA NOVA.

Quer dizer que a America é um continente todo ele petrolifero, de norte a sul, da ponta aleutica ao extremo patagonico. Mas a Natureza, ha milhões de anos atrás, quando o petroleo entrou a formar-se, refletiu consigo que numa área de 8.500.000 quadrados desse continente iria formar-se um país chamado Brasil e determinou que o petroleo circundasse de todos os lados essa área imensa mas não lhe transpusesse as fronteiras. Eis porque não temos petroleo. A natureza previu que iamos existir e no-lo denegou por antecipação para que nos gosassemos da delicia de sermos eternos compradores do combustivel alheio.

Em 1931 um escritor de livros para crianças impressionado com o não-ha-petroleo oficial, resolveu fazer uma tentativa. Fundou uma pequena sociedade, levantou dinheiro e trouxe da America um aparelho indicador, inventado pelo Dr. F. B Romero. O aparelho foi aplicado em Alagoas e nas provas feitas na região do Riacho Doce indicou petroleo. Grande entusiasmo entre os promotores de Telegramas. Entrevistas á imprensa. Alagoas tem petroleo! O aparelho Romero deu indicações positivas!

O Tortulho enfurece-se e pula para os jornais. No dia seguinte á chegada ao Rio do telegrama comunicando o feliz resultado das provas em Riacho Doce, o chefe supremo surge na primeira pagina do GLOBO. Nega a pés juntos. Jura que é mentira. Que não ha petroleo lá.

Não acredito na existencia de petroleo, na quantidade indicada, na zona referida, nem na eficacia do aparelho Romero, nem tāo pouco na sinceridade dos que procuram organizar sociedade comercial que pensa explorar os tais lençoes de petroleo.

No entanto, graças a esses ideologos em quem o chefe não acreditava, o problema do petroleo no Dig lized by Google Brasil tomou um grande incremento [3]. Iniciou-se a abertura de quatro poços, dois dos quais neste momento já estão muito mais profundos que todos os federais feitos em 15 anos. O poço Balloni está com 1.215 metros e o poço do Araquá, da Cia. Petroleos do Brasil, com 1.070.

O modo de obter milho é um só — plantar milho. O modo de obter petroleo é um só — perfurar o chão. Mas perfurar de verdade, a fundo, de acordo com todos as regras da arte — e são justamente os homens oficialmente acoimados de insinceros (ou exploradores do bolso do publico), que estão fazendo isso pela primeira vez no Brasil. Estão fazendo o que o Serviço Geologico deixou de fazer. Estão fazendo o que competia ao Governo fazer. E o estão fazendo com o maior sacrificio, a custa das magras economias de milhares de pequenos acionistas.

No entanto, por mais benemerito que seja o esforço desses pioneiros, cujo triunfo será o triunfo do Brasil, os maiores obices que até aqui os defrontaram procedem justamente da campanha contra eles movida pelo serviço publico que o país paga para resolver o problema!


O livro de Essad Bey virá mostrar á nossa gente o que é o petroleo, que significação tem hoje no mundo o sangue negro da terra e como é vital

para a soberania dum povo dispor das suas proprias fontes. Virá mostrar... Porque por incrivel que o pareça, ninguem entre nós tem a menor ideia do significado mundial do combustivel liquido. Entre os homens publicos, então, a ignorancia aterra — e só essa aterradora ignorancia explica o abandono em que até agora ficou o problema.

Essad Bey conta da luta gigantesca empeuhada entre os dois grandes trusts mundiais em todos os recantos de todos os continentes. Toca de leve no Brasil, apesar de haver aqui materia para todo um capitulo.

Tambem no Brasil a penetração dos trusts se faz sentir, por mais secretamente que trabalhem. Um deles, o mais velho, estabeleceu o programa de ir adquirindo os terrenos potencialmente petroliferos, depois de estuda-los geologica e geofisicamente.

Mas não adquire terras provadamente petroliferas para explorar o petroleo — sim para impedir que outros o explorem. Como esse trust está com superprodução em seus inumeros campos pelo mundo, não lhe convem abrir fontes no Brasil — e muito menos deixar que outros o façam. Daí a propaganda do não-ha-petroleo com que manobra a bacoquice indigena e tambem a ação oficial.

Mas como não abrir poços nos terrenos que compra é mais facil do que impedir que outros os abram perto, ocorreu ao trust uma ideia dum maquiavelismo genial. Habilissimos traquejadissimos, com uma velha sabedoria vulpina de lidar com a humanidade, manobraram os nossos homens da revolução e fizeram que por suas mãos inocentes fosse desferido no Brasil o grande golpe. O trust gestou a Lei de Minas; o nacionalismo patriotico a pariu.

Como não babaria de gozo Maquiavel, se resuscitasse!

Os homens publicos que assinaram essa lei fizeram-no convictos de estarem defendendo da melhor maneira os nossos tesouros subterraneos. Leis como essas são tecnicas; presidentes e ministros apenas as subscrevem — não a leem. Ha o pavor de meter os dentes em “materia tecnica”. E’ tabú lá dos tecnicos. Mas se acaso esses homens tivessem hoje a curiosidade de ler o que assinaram e refletissem sobre o texto com o seu natural bom senso, haviam de ficar de cabelos arrepiados. Porque a Lei de Minas tranca da maneira mais absoluta qualquer investigação do sub-solo. Cria tais embaraços que só um doido varrido irá perder tempo em cavocar a terra.

A coisa é clara. Já que o trust interessado no petroleo do Brasil não pretendia explora-lo, e sim apenas acaparar as terras petroliferas para reforço das suas reservas potenciais, nada melhor do que o aparecimento de uma lei que, trancando as pesquisas em geral, só favorecesse a politica secreta do trust em particular. E para obter uma lei dessas, nada melhor do que pegar o indigena num dos seus acessos de febre nacionalista. Desse modo o trust afastaria os concorrentes para, com todo o sossego, ir acaparando as zonas geofisicamente estudadas.

O plano surtiu efeito completo.

A nova lei constitue o mais lindo trabalho ainda feito no mundo para manter o sub-solo dum país em rigoroso estado de virgindade até o momento em que o espirito santo de orelha entenda de explora-lo. Por essa epoca, então, e já dono de todos os pontos estrategicos, nada mais facil do que mobilizar a opinião publica e denunciar o absurdo da lei, fazendo-a substituir. Quantas vezes esse trust já não manipulou, fez e desfez leis de minas por este mundo de Cristo afóra?

A Lei de Minas, anunciada pelos seus promulgadores como o Sezamo, abre-te! das nossas riquezas minerais, saiu um Sezamo, fecha-te!... Fecha-te, até que todos os estudos geofisicos do trust estejam completos; todas as estruturas petroliferas que lhe convenham, adquiridas; a atual superprodução do petroleo, passada; e haja para ele interesse em abrir aqui novas fontes. Só então a bacoquice indigena perceberá a esparrela em que caiu, vindo com o classico “Ora veja!”

O CASO DE ALAGOAS

No prefacio da “Luta pelo Petroleo” vem pormenorizadamente o caso de Alagoas. Vou resumil-o.

Quem primeiro estudou e afirmou o petrolo no Riacho Doce, em Alagoas, foi José Bach, um geologo allemão residente em Maceió. Mas logo que formou uma pequena companhia para exploral-o, “foi morrido afogado” numa lagoa.

Mais tarde, Eutichio Gama e Pinto Martins retomam a iniciativa. Mas quando Pinto, no Rio de Janeiro, estava para assinar um contrato com os ingleses, "foi suicidado" num hotel.

Anos depois Edson de Carvalho associa-se a Monteiro Lobato, Lino Moreira e outros. Retoma o negocio. Consegue fundar a Cia. Petroleo Nacional e tenta as primeiras perfurações.

O Departamento Nacional de Producção Mineral abre campanha contra a empresa. Recorre á imprensa. Procura desmoralizar os pioneiros. Assaca-lhes as maiores infamias. Nada consegue. Edson resiste e trabalha, mas a guerra não cessa. Surgem as sabotagens descritas no meu depoimento e no de Hilario Freire, obra do sr. Oppenheim, cornaca do sr. Fleury da Rocha, chefe do D. N. P. M.. Por instigação dessa gente, um interventor federal em Alagoas abre devassa na companhia e tranca a sonda por 14 mezes. Foi o periodo da ocupação militar.

Edson não desiste. Espera que o interventor caia e venha outro. Vem Osman Loureiro. A perfuração é retomada. Mas já não ha dinheiro. Edson está trabalhando sozinho, desajudado de todos, quasi no fim da sua heroica resistencia. De diretor da companhia passa a perfurador. Pessoalmente dirige o serviço, de mangas arregaçadas. Para obter recursos monta a cavalo e afunda dias e dias pelos cafundós. Só lá pode vender algumas acções, porque na capital e nas cidades maiores está difamado pela campanha insistente, persistente, onimoda da camorra federal vitoriosa.

Mas Edson resiste. Nada o abate. Levanta um pouquinho de dinheiro no sertão e volta a perfurar mais uns metros. Outra viagem a cavalo; mais uns metros. E assim vai com o poço S. João até 250 metros. Subito, irrompe um fortissimo jacto de gaz de petroleo. Tinha vencido!

A noticia corre. Aflue gente de Maceió. Estabelece-se para Riacho Doce uma romaria permanente. Todos querem ver, cheirar aquelle maravilhoso fluido que brota das entranhas da terra. Vai Osman Loureiro. Vão Costa Rego, deputados, jornalistas, estudantes. Todos contemplam a formidavel chama que se levanta quando Edson risca um fosforo. O exame mostrou tratar-se de gaz de petroleo.

A camorra federal agita-se. Que maçada! Aquela peste do poço S. João podia dar panos para as mangas e estragar os negocios da Standard Oil no Brasil. Era urgente um golpe decisivo contra o perigoso Edson. Repetir em Alagoas o golpe de Fleury da Rocha contra a Companhia Petroleos do Brasil, de S. Paulo. E começam no Departamento os cochichos.

Osman Loureiro, entusiasmado com o que vira em Riacho Doce, manda ao ministro da agricultura um telegrama em que conta o auspiciosissimo fato e pede amparo tecnico; o Departamento que enviasse para lá seus grandes geologos e engenheiros petroliferos afim de auxiliar o partejamento do petroleo.

Fleury olha. Entre os parteiros do serviço federal havia um, mestre em abortos de poços: Bourdot Dutra. Graças á sua pericia, o Departamento abortara o poço do Tucum, em S. Paulo, o infame poço que tivera o topete de dar gaz e os primeiros galões de otimo petroleo ainda revelados no Brasil. Fleury piscou o olhinho. “Vai, Bourdot, ajudar aquela gente. Você sabe o jogo”. E lá seguiu mestre Bourdot.

Grande alegria em Maceió quando o parteiro desembarca.

Daquela feita o petroleo saia mesmo. Mas em vez de puxar o forceps, Bourdot saca do bolso um oficio de Fleury da Rocha exigindo a entrega imediata da sonda com que Edson estava perfurando...

O escandalo foi medonho. Alagoas ergueu-se rubra de colera. Comicios. Discursos. A imprensa pega fogo. A infamia federal estava absolutamente clara — estava escrita, assinada pelo sr. Fleury da Rocha, o diretor do Departamento que custa ao Brasil 5.000 contos por ano e cuja missão principal é descobrir petroleo.

Osman Loureiro revida o golpe com um telegrama historico que aqui transcrevemos para honra de Alagoas e vexame eterno da pustula federal.

Dr. Odilon Braga, Ministerio da Agricultura.


Tenho o pesar de levar ao conhecimento de v. excia, que o dr. Eugenio Dutra, enviado do D. N. P. M. EM VEZ DE TRAZER A APARELHAGEM NECESSARIA PARA EXAMINAR A SITUAÇÃO DO PETROLEO DO RIACHO DOCE, APRESENTOU UM OFICIO RECLAMANDO A ENTREGA DA SONDA CEDIDA AO ESTADO PARA AQUELLE FIM. A retirada da sonda no momento atual não seria somente uma decepção, EM DESABONO DO CREDITO DO SERVIÇO OFICIAL, SENAO TAMBEM A CONFIRMAÇÃO DOS RUMORES DE QUE INTERESSES OCULTOS ENTRAVAM O ANDAMENTO DAS PESQUISAS DO PRECIOSO OLEO. Solicitamos, pois, com vivo empenho, a revogação da ordem da retirada da sonda, garantida pelo Estado em contrato firmado, bem como a determinação de exame dos poços registrados em Riacho Doce. Atenciosas saudações.

(a) Osman Loureiro

O escandalo répercutiu no pais inteiro. A imprensa comentou-o de norte a sul. Todas as minhas acusações ficavam provadas de modo absoluto. E não era agora eu sozinho a proclamar a infamia do Departamento Mineral: era um governo de estado, por intermedio da palavra insuspeita do seu governador.

O Departamento encolheu-se, roendo as unhas, de odio. Pela primeira vez inflingiam-lhe uma derrota seria. Bourdot Dutra esgueirou-se de Maceió como um camondongo ante o abrir-se inesperado de uma janela. Volta ao Rio cabisbaixo. Cochicha com Fleury e Oppenheim. “Aquela gentinha é perigosa. Não foi atôa que Floriano nasceu lá...”

Nesse entretempo escrevi a Osman Loureiro, sugerindo prospecção geofisica pela ELBOF, a entidade especializada em tais estudos de maior renome no mundo. A sugestão é aceita incontinente. O congresso vota creditos e o governo assina contrato para 3 mezes de estudos geofisicos na zona do Riacho Doce.

Quando essa noticia chega ao Rio, rebenta o panico no ministerio da agricultura. Era preciso impedir aquilo por todos os meios. Se a ELBOF fizesse estudos em Riacho Doce, os resultados iriam ser opostos aos feitos pelo Departamento — um verdadeiro golpe de morte na camorra. E começa o ataque.

O ministro oficia ao governo de Alagoas protestando contra os estudos contratados. Alega que o Departamento está pronto para fazel-os. Osman declara que o que está feito está feito e que Alagoas não voltará atrás.

O ministro oficia novamente, insistindo que o Departamento desejava fazer estudos geofisicos em Riacho Doce e que duas turmas ao mesmo tempo, a nacional e a dos alemães, uma atrapalhava a outra. Osman retruca que o contrato com os alemães sendo de 3 meses apenas, ficava o resto da vida para o Departamento realizar quantos estudos quisesse. Não havia necessidade de serem feitos ao mesmo tempo e no mesmo lugar.

O Ministro alega ainda que era desperdicio de dinheiro dois estudos na mesma zona. Para que duas despesas, se tudo poderia resolver-se com uma só? Osman responde que a despesa com os estudos alemães já estava feita e que portanto ao Ministerio da Agricultura cumpria não duplica-la. “Nós já gastamos o dinheiro; enonomisem vocês o seu, já que estão assim zelosos dos dinheiros publicos”.

Raio de homem! Impossivel conduzil-o pelo nariz Sabia o que queria e sabia querer! E o ministerio da agricultura teve que aguentar a derrota, sob os olhares de desprezo de todo o país.

Os alemães da ELBOF cumprem o contrato. Fazem os tres meses de estudo geofisico, obtendo RESULTADOS INTEIRAMENTE REVERSOS DOS FEDERAIS, como o leitor verá no depoimento de Hilario Freire.

Um ponto ha que frisar. Até o caso de Alagoas as manobras sabotaderas do ministerio da agricultura, sistematicas, sempre se fizeram á sombra, por trás das cortinas; mas com o aparecimento subito dos gases do poço S. João tornou-se mister agir de pronto e ás claras. Só um golpe desnorteante poderia salvar a situação. E o ministerio o deu, em pleno dia, aos olhos assombrados do pais inteiro.

Audaces fortuna juvat, refletiram lá entre si. Mas erraram. Tudo tem fim na vida. O fim da tirania anti-petroleira da camorra federal começou no momento em que Osman Loureiro redigiu o seu famoso telegrama.

Esse momento assinala o ponto final duma epoca e o começo duma aurora. Lá em seu tumulo Floriano sorriu. “Esse Osman é dos meus”, devia ter pensado consigo o Marechal de Ferro.

E é. Sob a capa daquela mansidão infinita esconde-se o aço.

Com homens desse naipe no governo, e com homens como Edson á frente das companhias, teremos petroleo.

Honra á pequenina Alagoas!

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Depois do incidente da sonda, houve ainda por parte do D. N. P. M. varias tentativas para impedir o estudo do petroleo em Alagoas, como o leitor verá no depoimento de Hilario Freire. Tudo falhou ante a magnifica resistencia daquele povo chefiado por um liomem do destino — Osman Loureiro. Graças á sua energia, foi lavrado a 25 de dezembro de 1935 contrato para estudos geofísicos com a firma Piepmeyer & Cia., seção ELBOF. Hilario Freire narra a serie de entraves federais opostos á realisação dos estudos. Esses entraves revelavam tal empenho em levar ao fracasso a iniciativa do governo de Alagoas que nos forçou a denunciar ao país a conspiração — e Monteiro Lobato o fez numa Carta Aberta endereçada ao Ministro da Agricultura e publicada em todos os grandes jornais, de norte a sul. Antes de chegarmos a ela, porém, temos de insistir no caso de Alagoas.

ALAGOAS, S. PAULO E O BRASIL


Façamos um pouco de historia.

Tenho de falar de mim. Eu estava na diretoria da Cia. Petroleos do Brasil, já então ferida fundo pela sabotagem do Sr. Fleury da Rocha, emerito diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral. Apesar de esfaqueados pelas costas, prosseguiamos na abertura do poço do Araquá. No mês de agosto de 1934 haviamos vasado 213 metros, ao preço excelente de 60$000 por metro. O entusiasmo era grande. Mesmo ferida de morte, se a perfuração consegue mais um ou dois meses de marcha como aquela poderia alcançar a profundidade em mira.

Mas sobrevcio a diabase. A diabase é uma rocha eruptiva de extraordinaria dureza, que se apresenta em introsões. Uma especie de D. N. P. M. subterraneo. A despeito de trabalharmos no poço 24 horas por dia, a resistencia do obstaculo era tamanha que em quatro meses e meio só vasamos 18 metros. O custo por unidade passara de 60$000 a 6 contos e tanto — mais de cem vezes!

E o peor consistia em não termos nenhum elemento para avaliar a espessura da diabasse. Seria de 50 metros? De 100? De 200? Continuar perfurando por aquele preço e na incerteza da espessura era insensatez. Recurso unico: o emprego da geofisica. A geofisica determinaria a espessura da diabase e portanto nos esclareceria sobre o que fazer — parar ou continuar.

Entrei em entendimentos com entidades europeias que vinham ao caso, e depois de muitas negociações obtive uma oferta excepcionalmente vantajosa. Um grupo tecnico-financeiro alemão interessou-se pelo problema e apresentou uma proposta que resolveria tudo. Esse grupo propunha-se a financiar todos os trabalhos de perfuração da Cia. Petroleos e das outras empresas paulistas, a abrir quantos poços fossem necessarios, a montar refinarias, a construir oleodutos e o mais relativo á criação da industria petrolifera, tudo a ser pago por meio de porcentagem do oleo produzido. Nenhuma interferencia na vida das companhias. Nenhuma exigencia de controle. Apenas prestação de serviços tecnicos e fornecimentos de material, a serem pagos com porcentagem do produto obtido. Isso asseguraria a vitoria de todas as companhias, sempre em luta com falta de dinheiro e de tecnica.

Uma coisa, entretanto, era exigida como condição sine qua non: o levantamento geofisico das zonas onde operavam as companhias, feito pela entidade da confiança do grupo: a ELBOF, seção da firma Piepmeyer & Cia., de Cassel, Alemanha. Se os estudos da ELBOF resultassem positivos, indicando probabilidades de petroleo em quantidades comerciais, entraria em vigor o contrato de financiamento.

Mas esses estudos eram muito caros, não estando dentro das forças duma companhia já baleada no peito pelo eximio atirador Fleury da Rocha. Fui ao governador de S. Paulo. Expus-lhe o caso. Mostrei-lhe a proposta alemã. S. Excia., depois de tudo examinar, respondeu”: 0 problema está resolvido. Vocês nunca tiravam petroleo porque nunca tinham dinheiro e tecnica suficientes. Façam uma representação á Assembleia”.

Estimuladas por essas palavras, as companhias paulistas de petroleo (exceto uma) endereçaram á Assembleia a representação na qual expunham o caso de todas; acentuavam os muitos milhares de contos já gastos sem que conseguissem uma só perfuração decisiva; frisavam o enigma da espessura da diabase e a imperiosa necessidade de medi-la geofisicamente; alegavam o recebimento da proposta de financiação, condicionada a estudos positivos, feitos taxativamente pela ELBOF. E concluiam pedindo que o Estado custeasse esses estudos, contratando-os com a ELBOF, unicamente com a ELBOF, pois só a ELBOF gosava de financiamento paralelo. Estudos feitos por outra qualquer entidade não resolveriam o problema financeiro das companhias por não se articularem com financiamento nenhum.

A Assembleia votou unanimemente um credito de 600 contos para os estudos pedidos.

Muito bem. Por solicitação das companhias a ELBOF apresentou a sua proposta. Mas assim que essa proposta deu entrada na secretaria da Agricultura, imediatamente os Interesses Ocultos se moveram e mais duas propostas, não pedidas por ninguem, não desejadas de ninguem, puras intrujices, apareceram. Entraram por baixo do pano — e não sabemos por que milagre foram admitidas em igualdade de condições com a proposta solicitada pelas companhias como a unica taboa de salvação de todas elas.

O jogo tornou-se logo bastante claro. Era preciso afastar a proposta ELBOF. Por que? Porque tinha financiamento atrás e com financiamento as infames companhias paulistas eram bem capazes de tirar petroleo e... e...

O D. N. P. M. interveiu para “orientar” São Paulo. Era indispensavel impedir que S. Paulo cometesse aquela “criançada” de Osman Loureiro — a criançada que valeu a passagem do saudoso “Non ducor, duco” de Piratininga para a lapela de Alagoas.

O carro travou. Mais de um ano já se passa da minha conferencia com o governo. Mais de sete meses já decorreram da promulgação da lei sobre os estudos geofisicos — e nada de nada de nada. S. Paulo está pensando...

Enquanto S. Paulo pensa, Alagoas age.

Quando percebi, logo depois de votada a lei que iamos ter luta e embaraços, voltei-me para Alagoas. Enderecei ao Dr. Osman Loureiro uma carta expondo a questão e frisando a vantagem para Alagoas de promover estudos geofisicos pela ELBOF. A resposta me surpreendeu. Não foi a resposta classica do “vamos ver, vamos pensar” e outras capadoçagens assim. A resposta foi a imediata apresentação á Assembleia Alagoana dum projeto de lei autorizando o Executivo a contratar a prospecção geofisica.

Dias depois de recebida a minha sugestão estava a lei votada! Essa foi a resposta que esse extraordinario Osman Loureiro deu a uma simples carta que lhe escrevi...

Tudo voou a galope. O contrato foi assinado prontamente. Se ha cágados no Brasil, não é em Alagoas.

Os Interesses Ocultos deram pinotes. As tais propostas não convidadas, aparecidas em S. Paulo correram a meter-se tambem lá, por baixo do pano. Ofereciam vantagens mirificas. Umas tentações. Osman Loureiro murmurou apenas: “Quando esmola é demais, o santo desconfia” — e mandou archiva-las.

No depoimento de Hilario Freire vem a historia da luta contra a ELBOF em Alagoas. O Ministerio da Agricultura saltou em campo: Não! Não! Não! Osman Loureiro, filho legitissimo da quela terra de Floriano, respondeu: Sim! Sim! Sim!

É facil influenciar gente gorda, porque o gordo tem banhas a perder. O alagoano é magrinho, seco, enrijado pelo sol terrivel do Nordeste. O alagoano é florianesco. O Ministerio teve que recuar. O D. N. P. M. meteu o rabo entre as pernas. Esbarrara numa diabase inedita — a diabase do civismo...

Consequencia: parte da zona do Riacho Doce já está geofisicamente estudada e com resultados otimos. Tudo quanto o D. N. P. M. tinha assente sobre aquela geologia foi revogado. Era mentira. Era sabotagem.

O D. N. P. M. sempre jurou que o cristalino (a camada granitoide final, eruptiva, onde não pode haver petroleo) estava muito proximo da superficie, e portanto a zona era inadequada para o acumulo do petroleo.

As medições sismicas provaram o inverso. Provaram que o cristalino está abaixo de 1.000 metros e que, portanto, a espessura das camadas de sedimentos (onde o petroleo se forma) é arquibastante para o acumulo de tremendas quantidades de petroleo.

O D. N. P. M. tambem jurava que o asfalto seco ou semi-liquido encontrado nos lençois de shisto do Riacho Doce provava apenas que o petroleo existira por lá em priscas éras, havendo-se evaporado até á ultima gota. Eram “primarios”. aqueles lençois de shisto.

Mentira. O relatorio da ELBOF mostra o inverso. São lençois “secundarios”, provenientes de reservas petroliferas subterraneas (veja-se o anexo n.º 2, no Apendice).

E tudo mais assim. Os estudos dos alemães vieram comprovar o que José Bach proclamava, e mostrar ao país que as afirmativas do D. N. P. M. só valem quando tomadas em sentido diametralmente oposto.

Graças á visão, decisão pronta, energia e hombridade de Osman Loureiro e Edson de Carvalho, o pequeno estado nordestino vai ter petroleo, vai enriquecer-se tremendamente, vai exporta-lo até para S. Paulo, — se na sua solene gravidade S. Paulo persistir em pensar em vez de agir. E pensar com que cabeça, Santo Deus! Com as cabecinhas do D. N. P. M.!...

Os Interesses Ocultos são poderosissimos, onicientes e onipresentes. Controlam os bancos. Controlam o mundo. Daí as inesperadas e invenciveis resistencias anti-petroliferas que os pioneiros encontram de todos os lados, sobretudo nas zonas já bastante desenvolvidas economicamente. Os pioneiros só poderão vencer atacando as linhas de menor resistencia — os estados de gente magra.

Bendita sejas tu, ó sadia magreza alagoana!

Secção Geofisica da Companhia Petroleo
Nacional


Consequencia importantissima dos estudos geofisicos de Alagoas foi o contrato que a Cia. Petroleo Nacional fez com a firma Piepmeyer & Cia. Por esse contrato, todo o aparelhamento geofisico com que foram realizados os otimos estudos do Riacho Doce permanecerá no Brasil por um ano, prorrogavel, confiado á companhia, para que ela faça por sua conta, ou de terceiros, as prospecções geofisicas que entender. Tambem ficaram incorporados á benemerita empresa alagoana os dois notaveis tecnicos da ELBOF — Dr. Otto Keunecke e engenheiro H. W. Perthen.

A auspiciosa combinação conseguida pela Petroleo Nacional vai permitir que tenhamos estudos geofisicos de primeira ordem, dos que implicam financiamento e facilmente accessiveis.

Se desta feita estados como os de Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Espirito Santo, Maranhão, Pernambuco, Sergipe e outros não souberem tirar partido da excepcional oportunidade que se lhes oferece, e duma vez por todas não realizarem o levantamento das principais zonas dos seus territorios, então e que... é que estão engordando.

Os Primeiros Martires do Petroleo

José Bach, um incompreendido sabio alemão que o Destino fez encalhar em Alagoas, levou 13 anos a estudar aquele trecho da costa nordestina e a fazer levantamentos geologicos. Com base nesses estudos, proclamou a tremenda riqueza oleifera do Riacho Doce. “Ha aqui petroleo para abastecer o mundo”, dizia sempre. E formou uma modesta empresa.

Subito, morre afogado. Ao atravessar um braço de lagoa, conduzido por um canoeiro que não era o seu, a embarcação revira e o pobre sabio perece. O canoeiro limitou-se a um banho.

Dias antes, a 26 de agosto de 1918, havia Bach enviado ao Chefe de Policia de Alagoas o seguinte apelo:


Exmo Sr:

Achando-me com minha familia residindo em Garça Torta, onde exerço as funções de diretor tecnico da Empresa de Minas Petroliferas, e achando-me sem garantias pessoais e materiais, venho solicitar de V. Excia. as necessarias providencias, afim de que sem receio possa aqui residir e exercer minhas funções.

Agradecendo desde já as acertadas providencias de V. Excia., subscrevo-me, etc.

Dr. José Bach

O desaparecimento de Bach retardou de muitos anos a mobilização do petroleo do Riacho Doce.

Temos aqui o martir numero um do petroleo brasileiro.

Mais tarde um senhor de Maceió adquire da viuva Bach os estudos e direitos do infeliz geologo e associa-se com Pinto Martins para a renovação da iniciativa. Pinto era rapaz de vistas amplas. Segue para Londres. Negocia. Volta para o Rio de Janeiro por ar, direto de New York, num vôo notavel para os tempos. O povo o aclama heroi nacional. O Congresso concede-lhe um premio de 200 contos, que ele não chega a receber. “Suicida-se” antes disso num quarto de hotel, sem que ninguem compreendesse semelhante tragedia.

Era o petroleo. Na vespera do “suicidio” Pinto Martíns havia telegrafado ao seu socio em Maceió: “Negocio fechado; assinarei contrato dentro tres dias”. A sua papelada — mapas, relatorios e mais estudos de José Bach em seu poder — tudo desapareceu...

Pinto Martins: martir numero dois do petroleo.


Em junho ultimo descobre-se em Recife que dois caribios andavam aliciando capangas para uma “caçada de gente” em Riacho Doce. A chefatura de Alagoas é informada de que a vida de Edson de Carvalho corria perigo. A policia monta guarda á casa do pioneiro e á sonda. O golpe falha.

Autografo de José Bach, pedindo providencias á policia
por sentir-se ameaçado.

O nome do terceiro martir do petroleo alagoano ficou em branco.


Barzaretti, engenheiro italiano, faz estudos de petroleo em Mato Grosso e consegue contratos de terras. Anuncia que o petroleo do Pantanal vai ser explorado. Subito, em Campo Grande, uma bala o pega. Tiro mortal. E de bons efeitos praticos: ninguem fais falou no petroleo mato-grossense.

Barzaretti, primeiro martir do petroleo de Mato Grosso,


O Dr. Romero dizia sempre: “Lidar com petroleo é agarrar um leão pela cola”.

De fato. O tremendo vulto do negocio, com suas mil “implications” diretas e indiretas, determina uma terrivel organização de defesa, ofensiva e defensiva. Os trusts descobrem meios até de legislar em terra alheia, sob a egide do mais puro nacionalismo.

Os pioneiros sabem que o petroleo é leão; isso todavia não impede que se atraquem com ele. Destino.

Certo mau empregado dum banco da Holanda atracou-se um dia com o maior leão de todos os tempos — Rockefeller, o leão que tinha as quatro patas sobre todo o petroleo do mundo. Esse mau empregado de banco chama-se hoje Sir Henry Deterding. Criou o Segundo Poder Mundial do Petroleo porque teve a inaudita coragem de atracar-se com o feroz Rei do Petroleo. Em vez de ser comido, virou leão tambem. O petroleo do mundo cindiu-se em duas metades. Passou a ser governado despoticamente por dois leões.


Anos depois uns russos se atracaram á cola desses dois leões, e porque tiveram essa tremenda coragem criaram o Terceiro Poder Mundial do Petroleo — o Oleo Vermelho. O “oildom” passou daí por diante a ser governado por tres leões.

Por que não nos atracarmos á cola desses tres leões e criarmos o Quarto Poder Mundial do Pe- troleo — o Oleo Verde-Amarelo?


O valor bruto do bilhão de barris que os americanos extraem cada ano do seio da terra é muitas vezes maior que o valor do café, do boi, do fumo, da borracha, do algodão, do milho e todas as mais “quitandas” que o Brasil produz. E o valor final desse petroleo desdobrado em seus produtos e transformado em trabalho mecanico é, num ano, maior que o de tudo quanto o Brasil produziu desde os primeiros assucares coloniais até hoje.

Ora, com uma cubagem de subsolo equivalente á do subsolo americano, o Brasil terá dentro dele uma reserva de oleo equivalente. Por que, então, vacilar? Por que não atirar-se á Riqueza, ao Poder, á Dominação Financeira?

Por que nos resignarmos ao apodrecimento na miseria, na bancarrota, no descredito eterno?


Sonho?


Antes de ser o que é, o Primeiro Poder Mundial do Petroleo foi um sonho de John Rockfeller.


Antes de ser o que é, o Segundo Poder Mundial do Petroleo foi o sonho dum empregadinho de banco.


Antes de ser o que é, o Terceiro Poder Mundial do Petroleo foi o sonho duns exilados russos.


Não ha no mundo grande realização que não comece pelo sonho. O sonho é a propria realização em estado cosmico. É a nebulosa difusa e confusa donde saem os mundos.

Com as montanhas de ferro que possue e com o que existe de oleo em suas entranhas, o Brasil pode passar, da grotesca situação que hoje ocupa no mundo, á plana dos países supremos. Basta que arrede do seu caminho os obstaculos que os Interesses Ocultos amontoaram — os Fleurys sabotadores de companhias, os D. N. P. M. enervantes, as leis-ratoeiras e mais patifarias de igual naipe.


Só isso. O resto virá logica e naturalmente.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.
  1. Dolar calculado a 12$000, esse sonho...
  2. Dolar calculado a 19$000, essa realidade...
  3. A situação atual das pesquisas de petroleo no Brasil é a seguinte.
    Em junho de 1932 constituiu-se em S. Paulo a COMPANHIA PETROLEOS DO BRASIL, com o capital de 3.000 contos, propondo-se a perfurar com base nas indicações do aparelho geofisico inventado pelo Dr. F. B. Romero, e tambem a fazer provas geofisicas para outras companhias.
    As primeiras provas foram feitas em Riacho Doce, Estado de Alagoas, e em consequencia foi proposta ao publico a formação da COMPANHIA DE PETROLEO NACIONAL, com séde no Rio de Janeiro e capital de 20.000 contos. As segundas provas foram feitas no municipio de S. Pedro, Estado de S. Paulo, nas terras da COMPANHIA PETROLIFERA BRASILEIRA, ainda não constituida e com o capital proposto de 20.000 contos. As terceiras provas foram feitas em Bofete, perto de Tatui em terras da COMPANHIA BRASILEIRA DE PETROLEO “CRUZEIRO DO SUL”, sociedade já constituida com o capital de 6.000 contos. O estudo geofisico do Dr. Romero nessas tres zonas deu resultados positivos, assim confirmando as velhas previsões geologicas que davam tais zonas como petroliferas.
    A Companhia de Petroleo Nacional abriu a tomada de ações e concomitantemente iniciou perfurações em Riacho Doce; mas tal foi a campanha de descredito que o Serviço Geologico Federal lhe moveu pela imprensa do Rio, que não logrou reunir o capital necessario e teve de retardar a conclusão dos seus poços.
    A Companhia Petroleos do Brasil locou o seu primeiro poço perto de Xarqueada, municipio de S. Pedro, e começou a trabalhar com uma sonda Wirth de propriedade do Governo de S. Paulo. Aos 1044 metros tocou numa durissima camada de diabase, que lhe retardou grandemente o avanço; neste momento o seu poço — o Poço do Araquá — encontra-se pouco acima de 1070 metros.
    Esta companhia foi autorizada a aumentar o seu capital para 3.500 contos, mas viu a tomada das novas ações impedida pela campanha que o Serviço Federal, empenhado em que tal perfuração fracassasse, lhe moveu em telegramas circulares à imprensa do país.