O Garimpeiro do Rio das Garças (4ª edição)

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MONTEIRO LOBATO

Desenhos de Wiese
 

O GARIMPEIRO DO
RIO DAS GARÇAS


editora brasiliense
O GARIMEPEIRO DO RIO DAS GARÇAS




MONTEIRO LOBATO



O GARIMPEIRO DO
RIO DAS GARÇAS



Desenhos de Wiese
4.ª edição











editora brasiliense
ISBN: 85-11-18203-9
Primeira edição, 1924, Companhia Editora Nacional
3.ª edição, 1937, Companhia Editora Nacional
4.ª edição, 1993



Atualização ortográfica: Carlos Felipe Moisés
Revisão: Márcia Leme e
Fúlvia Morilha
Desenho de capa: Wiese
Capa: Maria Eliana Paiva








Av. Marquês de São Vicente, 1771
01139-903- São Paulo - SP
Fone (011) 861-3366 - Fax 861-3024


IMPRESSO NO BRASIL



JOÃO NARIZ ouviu falar do Rio das Garças e da enorme quantidade de diamantes que existia em seu leito. Leito é o lugar por onde um rio corre. Esse rio das Garças fica no Estado do Mato Grosso, lá longe. A fama dos seus diamantes há muito tempo que atrai aventureiros de todas as partes do mundo.

João Nariz era muito pobre e por isso mesmo tinha grande vontade de ser rico. Mas como perdesse a esperança de ficar rico no trabalho de todos os dias, resolveu tentar a fortuna no Rio das Garças.

Um belo dia vendeu sua casinha de palha, comprou uma picareta, uma lata, uma coleira para o Joli e partiu para o sertão levando por uma cordinha esse seu único amigo.

João padeceu muitas privações durante a viagem, porque seu dinheiro logo acabou e ele teve de ir trabalhando pelo caminho para viver.

Mas afinal, depois de longos meses de caminhada, chegou ao famoso Rio das Garças. Não encontrou garça nenhuma, e sim aventureiros de todos os tipos. Encontrou baianos, australianos, russos, homens da África do Sul e das Guianas. Viviam em casebres de palha armados à beira do rio e só se ocupavam com o serviço de catar diamantes.

João Nariz puxou prosa com os mais velhos e logo aprendeu o sistema de vida ali e o melhor jeito de pegar diamantes.

O costume é tirar as pedras do fundo do rio, chamadas cascalho, para entre elas descobrir os diamantes brutos.

Mas João tinha um enorme nariz e um faro ainda melhor que o dos cachorros. "Vou ver se descubro diamantes pelo cheiro", disse ele consigo mesmo — e tanto fez que aprendeu a conhecer o diamante pelo cheiro, coisa que ninguém no mundo jamais achou possível.


Muito que caçoaram com ele, mas João não fez caso. Passava os dias furando a terra aqui e ali e cheirando. Certa vez, depois de cheirar, bem cheirado, um buraco aberto com a picareta, ergueu-se com ar radiante e disse: "É aqui!"

Sua alegria foi imensa, porque de fato havia achado um diamante do tamanho dum ovo de galinha. Quanto valia? Com certeza, um dinheirão. Talvez quinhentos contos; talvez mil contos. Mas fosse lá quanto fosse, aquele diamante bastaria para torná-lo rico e feliz pelo resto da vida.

João Nariz dançou e cantou e pulou ao redor da cova por mais de dez minutos. Depois tratou de tirar o diamante lá do fundo. Enfiou o braço. Não alcançou a pedra. Teve então uma idéia: amarrar um barbante na cauda de Joli e descer o cachorrinho ao fundo do buraco.

Joli era desses cachorrinhos inteligentes que só faltam falar. Compreendia perfeitamente todas as idéias de seu dono. Bastava um sinal ou uma palavra e Joli saía correndo para fazer o que João desejava que ele fizesse.

Joli tinha nascido na casa de João Nariz e nunca o abandonou por um só instante. Atrás dele sempre. Juntos dormiam e juntos comiam. Eram corda e caçamba, como o povo diz.

— Joli — disse João — vou descer você nesse buraco para que me pesque um diamante que está lá no fundo. Entendeu?

Joli fez um movimento de cauda que queria dizer: Entendi muito bem.

João então amarrou-o pela cauda na ponta dum barbante e o desceu ao fundo do buraco como se fosse um pêndulo. Logo que chegou ao fundo, Joli abocanhou o enorme diamante, e deu um tremidinho na cauda — sinal para que seu dono o puxasse para fora.

Joli bem que preferiria que aquele diamante fosse um simples osso, porque andava numa eterna fome. Aquele sertão tinha falta de tudo. Até os homens padeciam, quanto mais cachorro!

Assim que João percebeu que Joli havia abocanhado o diamante, puxou com força o cordel, como fazem os maus pescadores com a linha do anzol. Não havia nenhuma necessidade daquilo, mas era tal a impaciência de João Nariz que ele se esqueceu que o seu amigo Joli era de carne e não de pau.

Joli saiu com a pedra na boca e deu um berro de dor, deixando-a cair. João deu outro berro, mas de prazer. Era mesmo diamante e dos bons!

Que maravilha! Um diamante de tamanho nunca visto, que iria pôr num chinelo todos os diamantes célebres do mundo. Muito maior que a "Estrela do Sul", famoso diamante encontrado por uma negra velha em Minas.

João, de joelhos, contemplava o seu tesouro como se aquilo fosse uma relíquia sagrada.

Era muito maior do que lhe parecera. Maior que um ovo de galinha. Regulava o tamanho de um ovo de pata, dos mais graúdos.

— Isto há de valer — murmurou João enlevado — isto há de valer pelo menos dois mil contos!...

Mas não há felicidade completa no mundo. Estava João Nariz embebido num sonho maravilhoso quando ouviu um barulho no mato.

Olhou e viu que alguém lançava para cima dele um laço.

Arregalou os olhos. Seus cabelos se arrepiaram de pavor e a preciosa pedra lhe caiu das mãos.

Tudo aconteceu num relance, porque o laço assobiou no ar e colheu João Nariz pela cintura, fechando a laçada.

Assim que João Nariz sentiu a laçada apertar-lhe a cintura também se viu puxado violentamente para cima de uma árvore que havia perto.

Só então percebeu que fora assaltado por dois ferozes cangaceiros, muito conhecidos pelos seus crimes.

Chamavam-se Lamparina e Papagaio, cada qual tinha consciência mais negra dos muitos crimes que havia cometido pelos sertões.

Enquanto Papagaio suspendia o pobre João Nariz para cima da árvore, Lamparina corria a apanhar o diamante maravilhoso.

Papagaio amarrou a ponta do laço no tronco da árvore e deixou pendurado no ar o pobre João Nariz. Enquanto isso Lamparina apanhava o diamante e mostrava-o ao companheiro sem dar atenção à choradeira do Joli.

— Veja, Papagaio, que beleza de pedra estava nas unhas deste trapalhão!

— Realmente! — respondeu Papagaio. — É o maior diamante que até hoje vi. Isso vale um cargueiro de notas de conto de réis...

João Nariz suava no penduro, sem coragem nem de gemer.

Em seguida os dois ladrões montaram em seus cavalos e partiram ventando pelo mundo afora. Lamparina levava o diamante na mão e o outro não tirava os olhos dele, de medo que fugisse com a pedra.


— Agora disse Papagaio — temos que alcançar Uberaba, tomar o trem, pegar um vapor em Santos e azular para a Europa. Lá venderemos a pedra e repartiremos o cobre.

— Isso mesmo — respondeu Lamparina. — Eu compro logo um título de conde e volto para cá feito um graúdo de meter medo!

— Conde da Quinzena! — exclamou Papagaio.

— Por quê? — perguntou Lamparina

— Quem já cometeu quinze mortes, como você, só pode ser Conde da Quinzena...

Enquanto os dois bandidos conversavam aquelas coisas, o pobre João Nariz suava frio, pendurado na árvore.

E ali ficaria toda a vida, sem poder safar-se, se o inteligente Joli não viesse em seu auxílio.

Joli rodeou o tronco, apanhou a ponta da corda, deu várias voltas para um lado e para outro e por fim conseguiu desatar o nó.

João Nariz sentiu que o laço ia afrouxando; de repente a corda afrouxou de todo e ele degringolou da árvore abaixo.

Estava sem sorte o pobre homem. Caiu bem em cima do bico da picareta, o que fez atroar os ares com um berro de dor.

Mas enfim achou-se livre da entaladela; e embora espetado e sem o seu rico diamante, estava vivo e são, o que até lhe parecia incrível.

— Nem acredito! — murmurou ele. — Cair nas unhas daqueles bandidos e conservar a vida é coisa que até parece milagre...

João remendou com um nó a calça furada pela picareta e pôs-se a refletir sobre o seu triste caso.

Que fazer? Desistir daquela pedra e procurar outra ou sair correndo atrás dos bandidos? E João ficou mais de uma hora, pensando, pensando.

Por fim, João, que não se consolava de ter perdido a sua fortuna, resolveu acompanhar o rasto dos bandidos para ver se conseguia reaver o diamante. Para isso pegou no cordel atado à cauda de Joli e açulou-o na pista dos ladrões.

— Você, Joli, tem faro para descobrir gente, como eu tenho faro para descobrir diamantes. Siga o rasto dos ladrões porque ainda que seja no fim do mundo havemos de alcançá-los.

Joli mais que depressa saiu na disparada acompanhando os rastos.

Enquanto isso João Nariz ia pensando no que faria se por acaso encontrasse de novo os cangaceiros. Estava desarmado, mas havia de dar um jeito qualquer.

— Um homem de boa cabeça — murmurou de repente — nunca se aperta. Não vale a pena pensar no que fazer contra os bandidos. Primeiro que tudo tenho de descobri-los. O resto verei na hora.

E João lembrou-se de várias histórias nas quais um gênio aparece no momento oportuno e ajuda a vítima a castigar o criminoso.

Sem um canivete no bolso, e os dois bandidos além das facas da cintura ainda traziam duas enormes pistolas automáticas. João pensou, pensou.

Na furiosa carreira em que ia, João Nariz sofreu vários desastres.

Joli era pequeno, de modo que passava por qualquer vão de cerca; mas o mesmo não acontecia com o seu dono, o qual volta e meia levava trompaços e trambolhões tremendos.

Mas João não fazia caso. O que queria era reaver o diamante.

— Agüenta, corpo! — dizia ele — Agüenta firme, porque se consigo reaver o diamante você vai passar um vidão regalado.

E tropicou pelo mundo afora, numa fúria danada, como quem corre para salvar o pai da forca.

Mas isso de correr pelo sertão desconhecido não é brincadeira. A cada passinho acontecem coisas ou desastres.

Um desastre aconteceu logo depois. Sem nada perceber, os dois corredores chegaram à beira de um barranco alto, que era a margem de um grande rio de águas profundas.

João Nariz, que estava correndo com a velocidade de vinte quilômetros por hora, não teve

tempo de parar, e lá se foi atrás do cachorrinho pela barroca abaixo, como a corda atrás da caçamba.

— Era só o que me faltava! — pensou ele no ar. — Vou sem querer tomar um banho frio e bom será que não me resfrie!...

Tchibum! Afundaram os dois na água do rio — e era um rio perigoso, cheio de piranhas voracíssimas.

A ânsia, porém, de perseguir os ladrões do seu tesouro, fazia João Nariz esquecer toda a prudência e não enxergar perigo nenhum.

Assim que caiu na água e afundou, tratou logo de vir à tona e nadar para terra.

— Agüenta, Joli! — disse ele. — Agüenta que eu cá estou firme.

Não era preciso tal recomendação. Joli sabia nadar tão bem como qualquer peixinho que nasce, vive e morre na água.

Felizmente o rio não era tão largo como o Amazonas e as senhoras donas piranhas, que andavam longe dali, não os atacaram. Se elas os vissem, estariam perdidos, porque a piranha é o peixe mais voraz de todos. Em minutos devoram um boi, só deixando a ossada branquinha.

João Nariz e Joli conseguiram equilibrar-se na água e puseram-se a nadar.

Se Joli nadava como um peixe, João não lhe ficava atrás.

— Estou me lembrando — disse João para o cachorrinho — daquele dia em que nós dois atravessamos a nado a lagoa do Chico Pires. Lembra-se?

Joli sacudiu a cauda como quem diz:

— Lembro-me, sim; por sinal que você teve uma cãibra e quase levou a breca...

Os dois amigos iam assim conversando sobre coisas passadas; João falava e Joli respondia, ora com a cauda, ora com as orelhas, mas de modo que o seu dono compreendia perfeitamente bem.

Já estavam prestes a alcançar a terra na margem oposta, quando João Nariz percebeu uma coisa que o puxava pelos fundilhos da calça.

Voltou-se para trás e viu enorme jacaré que se atracara a ele e o puxava para dentro do rio.

João Nariz sentiu um frio na espinha.

A situação era tremenda; estava desarmado, sem um canivete e além disso tão cansado que de maneira nenhuma poderia lutar com aquele monstro — um dos maiores jacarés que ele havia visto por aquelas aguadas do sertão.

O jacaré tem umas mandíbulas colossais, armadas de verdadeiras serras de dentes. Quando agarra uma perna ou um braço, corta-os como um alicate corta um arame. Tudo fazia crer que o mal-aventurado garimpeiro não escaparia das garras do monstro.

Mas o terror redobrou-lhe as forças, de modo que João Nariz pôde safar-se do rio e correr pelo campo, arrastando a reboque o enorme jacaré.

— Pobre de mim! — ia pensando ele. — Inda há pouco eu me queixava de que mal podia comigo. Pois não é que agora, além de me carregar a mim mesmo, tenho de arrastar mais oito arrobas, que é quanto deve pesar este bruto? Que vai ser de mim, santo Deus!

Aquela horrível situação não podia durar muito tempo, e João acabaria vencido pelo sáurio, se os botões das suas calças não tivessem a bela idéia de rebentar todos ao mesmo tempo.


Foi o que aconteceu. As calças do garimpeiro ficaram nos dentes do jacaré e João azulou pelo mundo afora com velocidade de veado.

Estava salvo!

— Irra! — exclamou ele. — Escapei de boa. Fiquei sem minhas ricas calças mas salvei a pele. Ser mastigado por um monstro desses não me parece que seja nada agradável.

Joli, que não largava nunca a pista dos dois bandidos, olhou para trás e fez uma carinha de riso cavorteiro ao ver seu dono naquela triste situação, com as fraldas da camisa ao vento e as pernas cabeludas de fora.

— Ria-se, maroto — disse João. — Vamos ver quem se ri por último.

Quando o jacaré percebeu que estava com as calças na boca e com o dono delas já lá longe, ficou desapontadíssimo.

Era um jacaré velho, como aquele Jacala que Kipling descreve em seu livro Jacala, o Crocodilo, famoso comedor de gente na Índia. Já havia devorado várias crianças, mulheres e homens, tornando-se por isso um grande apreciador da carne humana.

— Que maçada! — exclamou o jacaré lá consigo. Creio que estou ficando velho, já que deixei escapar este homem. Na minha mocidade nunca me aconteceu perder uma presa.

Depois olhou por uns instantes para as calças do fugitivo.

— Minha mulher botou ontem vários ovos — disse ele consigo — e há de ficar contente se eu lhe levar estas calças para agasalhar os jacarezinhos que vão nascer.

E lá se foi para casa com as calças de João Nariz.

Enquanto o jacaré filosofava, João Nariz e Joli continuavam na corrida louca, sem perderem de vista os rastos dos dois bandoleiros. João já se estrepara numa cerca. Já caíra na água. Já fora perseguido por um jacaré. Só faltava agora lanhar-se numa moita de espinhos. Foi o que aconteceu.


Na carreira que levava, João Nariz não podia estar escolhendo caminho, como faz quem anda a passo, de modo que, quando em certo momento deu com uma moita de cacto na sua frente, não pôde rodeá-la — teve de pular por cima.

Upa! pulou.

Mas pulou mal, sem calcular bem certinho o pulo, de modo que caiu bem no meio da moita. Coitado! Se estivesse de calças talvez o desastre não fosse tão grande — mas estava com as pernas completamente nuas e naquele cacto havia seguramente uns dois mil espinhos, cada qual mais pontudo.

Era um cacto chamado "palmatória do diabo", dos mais espinhentos.

Joli passou por um vãozinho, sem que nada lhe acontecesse; mas o nosso pobre João Nariz, coitado!, em que triste situação ficou!

A dor foi tamanha que deu um berro, ao mesmo tempo que lágrimas lhe pulavam dos olhos.

— Ai de mim! — exclamou o mísero. — Não sei o que me falta padecer ainda! Roubado, pendurado em árvore, espetado na ponta da picareta, quase afogado no rio, atacado por um jacaré, roubado das calças e agora transformado em almofadinha de alfinetes... Que virá depois disto, santo Deus?


Mas a lembrança do diamante roubado o reanimou. Se conseguisse reaver a pedra, todos aqueles padecimentos seriam nada.

Parou um momento. Olhou para as pernas e viu que várias "palmatórias" se haviam grudado nelas. Arrancou-as e depois tirou todos os espinhos um por um. Ficou com a pele a arder, mas livrou-se das terríveis agulhas e pôde continuar a perseguição.

— Que leve a breca! — disse ele. — Enquanto me restar um pouco de fôlego e um pedaço de corpo, hei de perseguir os meus roubadores.

Joli espiou de novo o seu dono e deu nova risadinha, tão cômico o achou a se lamentar, com as pernas inchadas e vermelhas.

— Ria-se, ria-se — murmurou João. — Diz o ditado que melhor rirá quem se rir por último. Deixe estar, senhor Joli, que de repente acontece a você alguma e quem vai rir de rolar sou eu.

Mas foi bobagem de João. Joli era tão esperto que nunca lhe aconteceu coisa nenhuma.

Depois que João arrancou todos os espinhos espetados em suas pernas, a perseguição aos bandidos recomeçou.

Correram os dois por uma hora.

Subitamente aparece diante deles uma ponte rústica feita de paus roliços. Joli passou muito bem, porque era leve; mas o mesmo não aconteceu ao desastrado garimpeiro. Mal botou o pé na ponte, os paus gemeram, e João Nariz, num relâmpago, pensou lá consigo:

— Era o que faltava: buraco! Vou despenhar-me neste precipício e desta vez com certeza nem a minha pobre alma escapa!...

Um pau escorregou do lugar, desmantelando os outros e João Nariz afundou no abismo.

— Misericórdia! — exclamou ele. — Desta vez não há salvação possível. Vou para o centro da terra...

E começou a rolar de catrâmbias, aos trancos e barrancos pelo precipício abaixo, acompanhado de pedras, paus podres e terra!...

Em certa altura João Nariz deu de encontro a uma grande pedra que estava solta e a pedra lá rolou para o abismo atrás dele!...

Justamente no fundo dessa garganta é que estavam escondidos os dois ladrões. Ouvindo aquele barulho lá em cima, ergueram a cabeça...

— Que história é esta? — exclamaram os dois.

E a um tempo, com grande assombro, viram no ar aquela avalanche de gente, cachorro, pedras e paus que vinha vindo para cima deles.

E blaf!, João Nariz caiu em cima de Lamparina e esborrachou-o. Por sua vez a pedra caiu em cima de Papagaio e achatou-o.

Os dois bandidos morreram incontinenti, mais de susto do que de outra coisa.

Quando João Nariz voltou a si ficou assombradíssimo. Em frente viu a enorme pedra, com o cachorrinho em cima, muito lampeiro. Embaixo da pedra, um dos bandidos, esmagado. E ele sentado sobre o peito do outro!


— Será possível, santo Deus? — exclamou João Nariz esfregando os olhos. — Será possível, amigo Joli, tudo isto que meus olhos estão vendo? Não será por acaso um terrível pesadelo?

Era possível, sim. Era verdade tudo aquilo, por mais que parecesse sonho. João Nariz tinha destruído os dois ladrões por um meio que jamais lhe havia passado pela cabeça. Restava só reaver o diamante e para isso ninguém melhor do que Joli, cujo faro era excelente.

João Nariz olhou para Joli como se esperasse dele uma resposta.

Joli abanou a cauda como quem diz: Deixe o resto comigo.

O faro de João nada valia no momento. Tinha levado tantos trompaços que o seu pobre nariz, vermelho, arranhado e inchado, não funcionava mais.

Joli sem demora percebeu que o diamante estava oculto sob o chapéu de um dos bandidos. Ergueu-o com os dentes, e João Nariz, deslumbrado, viu no chão o seu tesouro maravilhoso.

Que alegria! O garimpeiro nesse momento sentiu-se o homem mais feliz do mundo.

Tinha sofrido tudo quanto humanamente é possível sofrer, mas fora recompensado.

Estava de novo na posse do seu tesouro e poderia deixar o sertão para realizar o seu grande sonho de vida feliz.

— Quero ver agora quem terá a coragem de me chamar João Nariz. Estou rico, estou milionário. Vou construir um palácio todo de ouro e prata! E você, amigo Joli, você de ora em diante vai passar a presunto e lingüiça de lombo de porco!

E assim acabou-se a história de João Nariz, o qual voltou para a cidade, construiu o palácio, casou-se e morreu conde — o senhor conde do Rio das Garças.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.