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O Momento Literário/IX

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Do eminente Dr. Affonso Celso, o autor de tão belos quanto apreciados livros, recebi a seguinte carta, datada da Vila Petiote, alto da Serra, Petrópolis:

"Prezado confrade. — Respondendo à sua obsequiosa missiva e ao questionário que a acompanhou, direi o seguinte:


Para sua formação literária quais os autores que mais contribuíram?

— Sinceramente, não o posso indicar com precisão. Desde muito novo, tenho, mais que o hábito, o vício da leitura.

Calculo em milhares os volumes de todos os gêneros e procedências compulsados por mim. Qual o resultado? À parte a corroboração de algumas verdades fundamentais e eternas, antes de ordem moral que intelectual, em tudo apuro apenas nomenclatura. Escritores das mais diversas e antagônicas tendências me deleitaram e absorveram a atenção. Ignoro qual deles atuou de preferência sobre o que o meu digno confrade denomina — a minha formação literária. Ignoro mesmo em que é que consiste e até se dispõe de vida própria essa formação.


II

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Das suas obras qual a que prefere? Especificando mais ainda: quais, dentre os seus trabalhos, as cenas ou capítulos, quais os contos, quais as poesias que prefere?

— Em março de 1756, escrevia Voltaire aos irmãos Crame, seus editores: "Não posso deixar de agradecer-vos a honra que me dispensais, imprimindo as minhas obras; mas, nem por isso, sinto menos pesar por havê-las composto. Quanto mais a gente se adianta em idade e conhecimentos, tanto mais se arrepende de ter escrito. Nenhuma das minhas obras me satisfaz; algumas eu quisera nunca as ter feito..."

Isto escrevia Voltaire, no apogeu da nomeada. Que direi eu dos meus opúsculos?! Sem falsa modéstia — je m'en veux de n'avoir pas dit, d'avoir trop dit, d'avoir mal dit.

Por que, nesse caso, continuar a escrever? Francamente, não sei. A verdade é que me regozijo quando elogiam os meus trabalhos, e sofro, durante algumas horas, quando os deprimem: sobretudo se, a meu ver (e, de ordinário, assim me parece), o praticam de má fé. Tomo então o firme propósito de nada mais escrever. Na manhã seguinte, surpreendo-me com a pena na mão...


III

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Lembrando separadamente a prosa e a poesia contemporâneas, parece-lhe, no momento atual, no Brasil, atravessamos um período estacionário, há novas escolas (romance social, poesia de ação, etc.), ou há a luta entre antigas e modernas? Neste último caso, quais são elas? Quais os escritores contemporâneos que as representam? Qual a que julga destinada a predominar?

— Encarregado pelo Ministro da Instrução Pública e Belas Artes de redigir um relatório sobre o movimento poético francês, de 1867 a 1890, Catulle Mendés, depois de copiosa dissodação, assim concluiu:

"Após o esplendor dos gênios românticos, a que se juntaram as glórias parnasianas, surdiu acaso um poeta muito alto, muito vasto, muito pujante, dominador dos espíritos e dos corações, digno do universal triunfo? Não, infelizmente.

Não há motivo para desespero ante o número extraordinário de sonhadores singulares, prosadores originais, almas comovidas, artistas esquisitos ou violentos, de que se honram os últimos anos e a hora atual. Quantos mestres! O Mestre, não! Já Vitor Hugo, no declínio da idade, exclamava, a um tempo com orgulho e com tristeza: "O fim do século é o fim de um dia enorme, glorioso, resplandescente, o ocaso de prodigioso sol: depois em seguida, luminosas, faiscantes, diversas, finas, deliciosas, as pequenas estrelas inumeráveis..."

Guardadas as proporções, a observação aplica-se ao Brasil. Atravessamos uma quadra de incontroverso talento e atividade. Sobressaem duas ou três estrelas de formoso brilho, em qualquer região da terra.

Nenhuma produção, porém, magnífica, soberana; nenhum incontestável centro planetário. É aliás, a situação literária de todo o Ocidente. Salvante Tolstoi, a quem agora caberá sem exagero o sumo epíteto de gênio?

No tocante a escolas, penso, também com Mendés, que ainda e sempre só há e só houve duas formas supremas para os surtos divinos do homem: a ode e a epopéia, o gênero lírico e o gênero épico.


IV

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O desenvolvimento dos centros literários dos Estados tenderá a criar literaturas à parte?

— Mesmo nos países compostos, étnica e historicamente, de elementos heterogêneos, nunca a expansão local da literatura foi fator de desagremiação.

Entre as superioridades do Brasil, avulta a da sua homogeneidade, rara e extraordinária, comparada à de outras nacionalidades. Não compreendo bem o que significa literatura à parte. Ou as obras literárias têm valor, ou não têm valor. Se não têm valor, claro está que não prevalecem, em nada influem, nenhum efeito determinam. Se têm valor, o seu primordial e insuprível caráter é serem humanas, gerais, propagadoras de simpatia, estreitadoras da solidariedade nacional e universal.


O jornalismo, especialmente no Brasil, é um fator bom ou mau para a arte literária?

— Houve quem definisse o jornal um arquivo de bagatelas, ou, mais complacentemente, familiar e rápida conversação quotidiana sobre tudo quanto ocorre. Declara Emile Faguet, ao mesmo tempo exímio crítico e insígne periodista: " O jornalista é um vulgarizador. Deve ter quantidades medíocres, porém eminentes em sua mediocridade. Não é preciso que seja um pensador, mas é preciso que a maioria do público pareça mais pensador do que aquelas que o são. Não é preciso que seja original, mas é preciso que possua cunho pessoal entre os que não são originais. Não é preciso que seja muito sábio, porque, então, apenas saberia uma coisa, mas é preciso que saiba superficialmente, e bem nitidamente, grande multidão de coisas diferentes. Não é preciso que seja bom escritor, mas é preciso que apresente todas as qualidades médias do estilo, — clareza, precisão, vivacidade, movimento, — e as apresente em grau assaz elevado."

Sendo assim, tornar-se-á benéfico ou nocivo o jornalismo (e o do Brasil não difere do dos outros países) à arte literária?

No meu conceito, depende a solução do modo como se concebe a arte. Se arte é, como pretendem muitos, o conjunto de processos e meios de que o homem se serve para suscitar no coração de seu semelhante emoções e impressões, especialmente o sentimento do belo, não poucos jornalistas realizam o ideal artístico e não se mostram somenos aos artistas de outras categorias.

Será o exercício do jornalismo compatível com o de diversa manifestação da arte, com o de romancista, de historiador, de dramaturgo, por exemplo?

Penso que não. O jornalismo é exclusivista, é exaustivo.

À semelhança da constituição vigente não admite acumulações.

A prática honesta e sincera de qualquer arte reclama o homem integralmente. "Se queres ser genuíno artista, doutrinava o velho Leonardo da Vinci, repele quaisquer inquietações e cuidados alheios à tua arte. Seja tua alma como o espelho que reflete todas as coisas, ficando sempre polido, imóvel, radiante e puro."

Aí está o meu depoimento no seu curioso inquérito, meu caro Sr. João do Rio. Muito de indústria, apoiei os meus assertos em outros de maior autoridade. Foi para lhes emprestar alguma probabilidade de justeza, mutuando a galanteria do convite.

Queira apertar a mão que cordialmente lhe estende."

É, como se vê, o próprio encanto, a própria modéstia...