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O Momento Literário/XXX

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— ... "Assim te amaldiçoaram os Covardes, na tua sublime Dor!... E só quiseram ver-te quando alegras — a Vida —, como fulgor do teu Sorriso!... Mas, Tu és somente Amor!...

A vida!... o palpitar desse Universo, imenso e sideral!... O palpitar do Lhôma, na Matéria que se tornou sensível ou que pensa, na Célula que é a Síntese do Cosmos!...

A Vida!... o doce e desejado Encanto de ter Consciência, e de sentir-se em torno!... Um Bem-Supremo ou uma Desgraça suma!... Oh! como é doce a Vida, ou quanto amarga!...

Por que é que a Vida amarga e infelicita?!...

— Porque inda há Morte e as Esperanças ruem!...

Quando é que a Vida é doce e desejável?!... Quando Justiça e Amor eterna a fazem!...

E SUN pensou!...

E assim falou SIN-UR!..."

O misterioso hierofanta Magnus dava-me nesta noite a honra de ouvir a sua grande obra inédita Assim falou Sin-ur. — Como eu o fosse procurar, no meio do gabinete loiro e satânico, o mágico desembrulhara o manuscrito e dissera:

— Dou-te para exemplo concreto o quarto capítulo desse poema em prosa, cuja epígrafe é A Vida.

Já dez horas tinham batido nas torres das Igrejas.

Magnus Sondhal é o nosso sar Peladan, o escritor complicado, cheio de palavras exóticas. Na sua mesa há seis qualidades de tintas, desde o vermelho carmim à cor de violeta: em cada tinteiro uma pena descansa. O hierofanta escreve como um pintor: Tudo é delicadeza de sensação, assombro, incognoscível...

Logo que acaba de ler a ode nietzscheana da vida, Magnus limpa o pince-nez e fala com um ar de regato tranqüilo:

— Confesso que me sinto em sério embaraço para satisfazer aos teus quesitos, máxime quanto à segunda questão, não só pelo modo — geral — por que são formulados, como também, e principalmente, pelo fato de se referirem a assuntos mais relativos à Erudição do que à Invenção.

No entanto sou obrigado a dizê-lo — embora no meio atual deponha contra mim! — que sou puramente, um — CRIADOR, tendo posto fora toda a minha velha Erudição como Bagagem inútil e incômoda.

Começa o assombro. Curvo-me. O Mago continua:

— A minha formação literária, artística e filosófica foi, em rigor, um resultado direto de uma excepcional Educação, fornecida por minha Mãe, um tipo superior — uma Poetisa ilustrada.

Esse fato contribuiu aliás, grandemente, para a minha emancipação completa de Mestres, Autoridades e Compêndios.

Quando Eu me senti Homem com a minha Orientação e a minha Opinião formada, só tinha lido os EDDAS e os SAGAS dos antigos Nórskos.

Nessa época, aos 21 anos de idade, escrevi o meu primeiro trabalho, do qual nunca terei de me envergonhar, e que tem por título:

O CAMINHO DA VERDADE, Alegoria, que começa quase com as mesmas expressões e as mesmas frases da Divina Comédia de Dante, Obra, no entanto, que Eu absolutamente não conhecia ainda.

Depois disso é que li as principais Epopéias de Humanidade, preponderando no meu Espírito a influência da Literatura Oriental, principalmente da Índia e do Egito.

Oh! Homem bizarro! Eu falara com alguns membros da Academia. Tinham quase todos começado no Panorama! O formidável Criador começava como um Dante embebido nos Sagas! Com a voz trêmula de arrebatamento inquiri:

— E tem um tão orgulhoso amor pelas suas obras?

— As minhas Obras, não posso citar, como tendo verdadeiro valor literário, nenhuma daquelas que foram publicadas em Revistas, Livros ou Jornais, embora algumas já tenham merecido tradução para línguas estrangeiras: O Amor Livre, e a Pré-história, por exemplo.

No entanto, sou um Reformador, não só da Literatura, mas até da própria Linguagem.

Houve uma pausa. O Reformador continuou:

— No Curso de um dos Discípulos atuais de UNIVERSIDADE acaba de traçar as Normas principais dessa Reforma. É isso pois uma Realidade já, embora não sejam essas novas Teorias conhecidas ainda do Público e dos Literatos, especialmente.

Não tenho preferências por coisa alguma do que já fiz!... Nisso, como em tudo mais, Eu só dou preferência àquilo que ainda não fiz!

No entanto, das minhas Obras inéditas a que me parece melhor é a que tem por título: Assim falou Sin-ur, de que já te li esse palpitante trecho da "Vida".

A Literatura, aqui ou alhures, não pode ser senão a Expressão do Estado Mental de uma certa Época ou de um Período de Evolução, de uma certa Fase Social, na qual prepondere uma determinada Corrente de Idéias.

Dada essa definição, e essa condição, para a existência de uma Literatura digna desse nome, é fácil reconhecer que, nem no Brasil, nem no Ocidente, se constituiu ainda uma verdadeira Norma Literária, visto como não se formou ainda uma Escola Filosófica, geralmente aceita, capaz de inspirar, orientar e dirigir as Concepções e Sentimentos dos que produzem e dos que interpretam.

Achamo-nos em um período de efervescência, de decomposição e até mesmo de DEGENERESCÊNCIA profunda.

Não falo isso com o espírito pessimista dos Degenerados!... mas com a certeza e a convicção de um Filósofo e as simpáticas Esperanças de um Reformador.

Se houvesse hoje Literatura, já não digo quanto ao Estilo e à Forma, mas quanto à Inspiração filosófica, essa Literatura não poderia ser senão CRISTÃ; e isso por boa razão: — que o Cristianismo ainda prepondera como Fonte da IDEOGENIA SOCIAL.

As sementes da bela Revolução Hodierna estão semeadas, mas o terreno em que foram lançadas é ainda estéril, porque os últimos bafejos das fogueiras cristãs ainda vêm crestar as plantinhas tenras, e os novos rebentos do poético Ygdrasil.

Não deixei de suspirar baixinho. As plantinhas tenras e crestadas enterneciam. O grande homem foi grato a essa prova de delicadeza.

— Coma um biscoito, João!

Aceitei. Ele mastigou e de novo arremeteu contra o catolicismo.

Dante imaginou que tivesse cantado os últimos luôres da civilização cristã. Em vez disso, porém, forneceu novos argumentos em favor das fantasias tresloucadas dos doutores da Igreja e dos Crentes acarneirados, que encontraram, na sua Comédia, uma descrição positiva das três Regiões da moradia celeste das Almas dos que morrem.

A prova palpável da fatal preponderância brutal do cristianismo dos Ignorantes é o fato de conservar-se em quase todas as referências periódicas a contagem das datas segundo a Era cristã.

E a prova do malogro da Grande Revolução Francesa é justamente o fato de não ter podido preponderar a nova Era, e a reforma racional do Calendário.

Com estas alusões aparentemente desfavoráveis aos cristãos e ao cristianismo, Eu, de modo algum, pretendo hostilizar, quer a Doutrina, quer aos seus Adeptos.

O Cristianismo representou em outros tempos uma necessidade social, e a sua utilidade então foi incontestável. Como tudo, ele também passa!... e, de fato já passou. Quem pois, hoje, quiser conservá-lo não faz mais do que infeccionar a Sociedade com um Cadáver em decomposição ao ar livre!

Ninguém , porém, é livre de sentir, ou de pensar! O Sintarismo, a Nirvanação, a Hereditariedade, a Educação, a Sugestão e a Magia coletiva: — eis o Determinismo e o Fatalismo, que rege o DESTINO do Indivíduo e da Sociedade!...

Cada Ciclo Revolucionário é sempre coroado por uma EPOPÉIA, como o ciclo anual ou germinal de uma Planta é coroado por FLORES e FRUTOS. Por isso, na passada civilização Bramânica encontramos os inimitáveis monumentos Literários, como o Ramaiana, os Vedas, o Maabárata, a Sakuntala, e tantos outros. Os Povos Norskos, ou os Godos, sintetizaram a sua Evolução na esplêndida Epopéia filosófica: — Os EDDAS. Os Egípcios tiveram as suas Obras de Hermes e o LIVRO DOS MORTOS. Os Chineses tiveram o seu Confúcio; os Persas, o seu Zaratustra; os Hebreus, o seu Salomão; os Gregos, o seu Homero; os Latinos, o seu Virgilio, o Mestre de Dante. E assim sempre tem cada Ciclo de Evolução e de Revolução o seu Representante supremo.

Em todos os ramos do Progresso Humano, há Fases e Ciclos distintos, os quais se podem categorizar, por — CICLOS de EVOLUÇÃO, CICLOS de REVOLUÇÃO, e CICLOS ÉPICOS.

Assim preparei a possibilidade de satisfazer a tua pergunta sobre o momento Literário, no Brasil, caracterizando o seu estado atual e as suas condições evolutivas.

Todos sabem que a civilização preponderante na América e na Vinlândia (América do Norte) é um prolongamento, ou uma ramificação, da civilização Européia.

Quanto à Construção Literária ditam portanto as Leis: — na Vinlândia, Shakespeare: e na América, o Camões e Cervantes...

Abri a boca aterrado! Evidentemente Magnus dizia coisas admiráveis, e tanto as dizia que parecia não acabar mais.

Limitemo-nos agora ao Brasil!

Preponderando, embora, entre nós a influência letífera do velho Cristianismo, achamo-nos em condições muito superiores, para poder evoluir em Espírito, aos Povos, industrialmente mais adiantados da Vinlândia, ou da América Inglesa, só pelo fato de predominar, entre nós, o Cristianismo Romano, em vez de nos ter infelicitado qualquer das detestáveis Reformas chamadas Protestantes, as quais, em geral, só concorrem para prolongar a lenta agonia dessa lúgubre Doutrina da Morte!

Ecoou mui debilmente no Brasil a benéfica Influência da Grande Revolução Francesa. Mas, as últimas notas desse belo Hino de Reivindicação Literária ainda ecoaram por estas plagas, inspirando novos Ideais e revitalizando a Alma Nacional. Essas notas são resumíveis em três nomes: — Comte, Buchner, Spencer; e em três Escolas Filosóficas: — o Positivismo da França, o Materialismo da Alemanha, e o Evolucionismo Inglês.

Por causa da Propaganda Ortológica, mal interpretada, tendem hoje a influir, de um modo crescente, as Escolas Esotéricas, entre as quais se destacam:

— O Ocultismo da Índia. o Hermetismo e o Esoterismo do Egito, o Cabalismo Hebraico, a Teosofia Ocidental, e, finalmente, o Mentalismo Vinlândico, ou da América Inglesa. Essas belas e interessantes Escolas Metafísicas e Místicas são destinadas a destruir todas as teias de aranha dos Cérebros cristãos, pois que representam, de fato, a base e Esotérica do próprio Cristianismo. Elas vêm, ao mesmo tempo, fazer uma limpeza atmosférica, desterrando para a Lua o pobre Espiritismo de Swedenborg e de Allan Kardec, que tantos Espíritos sãos tem desorganizado, nesta terra.

No entanto, para que se inicie e se caracterize um verdadeiro Período Literário é mister que, tanto essas Escolas de influência capital como as outras, quaisquer, de influência secundária, se fundem em uma única Escola preponderante, conciliando-se todas e harmonizando-se numa Fórmula Sintética.

Essa Fase nova e fluorescente da Literatura está prestes a surgir para o Brasil.

Quanto às Escolas Literárias que existiram ou que existem hoje entre nós não são elas mais do que um Ensaio, ou Ensaios, transitórios, sendo algumas pueris, mas todas efêmeras.

Ensaios! Tudo ensaios antes do Assim falou Sir-ur!

Achei-me profundamente pueril. Que pensaria de mim o profundo mago?

Não lhe perguntei isso, entretanto. Dos meus lábios, numa ânsia de saber, surgiram trêmulas apenas estas palavras:

— E as escolas dos Estados?

— Embora o desenvolvimento da literatura, como da Arte em geral, dependa essencialmente de uma Educação superior, uma orientada Teoria filosófica qualquer, ainda assim a fundação e a multiplicação de centros Literários nos Estados tendem a beneficiar progressivamente a evolução da Arte Literária no País.

E, assim como a separação espiritual do Brasil e Portugal modificou profundamente a Literatura de um e de outro país, diferenciando-a tanto no Fundo como na Forma, assim também a constituição de Centros-Literários ou Núcleos independentes de desenvolvimento Artístico, em os Estados, tenderá a destacar e diferenciar as tendências Literárias, tanto de uns em relação aos outros, como em relação ao Centro Metropolitano.

— E o jornalismo?

— O Jornalismo deve ser considerado como um Fermento Ideogênico, sendo portanto um excelente meio de desenvolvimento da Arte, bem como dos outros ramos do Entendimento e da Atividade Humana, se houver mais Escolha nos Assuntos, mais Independência e mais Critério na Orientação geral.

Mas, especialmente no Brasil, embora também nos outros Países, o Jornalismo tem sido um elemento de Decomposição, de Desorganização e de Desorientação profunda.

Pode-se dizer que ainda não apareceu um Jornalista independente, que fosse capaz de desprezar a Rotina e a Opinião miserável do Vulgo para só tratar de implantar as suas idéias, fazendo prevalecer a sua Opinião pessoal e livre.

Para dar uma idéia do que sinto sobre o Jornalismo, devo dizer que o considero, entre nós, como a MÚMIA da Caricatura e do Escândalo Policial.

Tal espécie de Jornalismo não pode ser, de forma alguma, um bom fator para a Arte Literária; mas, onde está o meio, e onde os recursos de modificar esse inconveniente?

O Jornalismo, em si mesmo, não é bom nem mau, mas é utilíssimo como veículo de Sugestões e de Idéias, boas e más, dependendo, pois, do estado mental dos Jornalistas, o seu bom ou mau efeito social ou coletivo.

Por sua vez, é o estado social que faz os Jornalistas quando não se trata de secundar a Evolução e o Progresso, mas satisfazer apenas a Opinião Pública, esse Monstro Policéfalo!

Eu saí a pensar. O chefe da literatura ocultista pode ser extravagante, mas tem coisas razoabilíssimas. O jornalismo, veículo das sugestões, hão de convir que é admirável.