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O Ranzinza

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Absalão Bandeira tornara-se famoso no quarteirão pelo seu ciúme desordenado. Desde noiva, Dona Zelina vivera encadeiada àquele déspota, como o relógio à corrente ou como o peixe apanhado no anzol. Durante vinte e um anos de vida em comum, nunca pudera a ilustre senhora dar uma passo fora de casa sem ter a seu lado, como sentinela que guardasse o criminoso, o espectro daquele marido intolerável.

— Absalão, eu posso ir aqui defronte, em casa de minha tia? — indagava a pobre.

E ele, imediatamente.

— Podes ir, sim. À tarde eu venho te buscar, para atravessares a rua.

Se assim dizia, assim fazia. Conta-se, mesmo, que, uma tarde, num tempo em que não se possuía criados, chegara Dona Zelina à janela para fechá-la, quando lhe caiu lá embaixo, no calçamento, um anel de brilhantes. Se passasse alguém, ela podia pedí-lo. A rua era, porém, deserta, e, como a linda moça não tinha ordem do esposo para franquear o portão, ficou de alcatéia até à noite, quando o Absalão chegou e foi, com ela, até à calçada, juntar o anel.

Ao fim de vinte e um anos de existência pautada nesse regime, Dona Zelina morreu. Adoecer e morrer, foi, para ela, a mesma coisa. Morreu como os justos, ou antes, como os pássaros. Sem grandes amizades, as coroas foram poucas, e raros os conhecidos que se deram ao trabalho de acompanhar o enterro.

À hora do saimento fúnebre, com o caixão no carro agaloado, tomavam os amigos lugar nos automóveis do cortejo, quando um dos íntimos chegou ao viúvo, e indagou:

— Vais ao cemitério, Absalão?

— Eu? Por que não? — observou o viúvo, limpando os olhos.

E como quem se sente insultado pela pergunta:

— Minha mulher nunca "saiu" só!

E correu a tomar o chapéu, para acompanhar o enterro.