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O Saci (8ª edição)/30

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XXX

O pingo d’agua



A colera da Cuca foi medonha. Deu um urro de ouvir-se a dez leguas dali, tamanho e tão horrendo que por um triz Pedrinho não disparou na corrida. E outro urro, e outro, e mais de cem.

— Bérre, diaba! gritou o saci. Bérre até rebentar. Pingo d’agua não tem ouvidos, nem tem pressa. Esse que botei pingando nessa horrenda testa vai divertir-se em pingar no mesmo lugarzinho por cem anos, se for preciso. Sei que Cuca é bicho duro, mas quero ver se pode com um pingo d’agua que não tem pressa nenhuma, nem tem outra coisa a fazer na vida senão pingar, pingar, pingar...

A dor que a queda de um pingo atrás do outro já estava causando nos miolos da bruxa começava a crescer ponto por ponto. Cada novo pingo era um ponto mais de dor. Naquele andar ela não suportaria o suplicio nem um mês, quanto mais os cem anos com que a ameaçara o saci.

— Parem com esse pingo d’agua! berrou a bruxa.

O saci deu uma risada de escarneo.

— Parar? Tinha graça! Se estamos apenas começando, como quer você que paremos? Já arrumei tudo, de modo que o pingo pingue durante cem anos, e se não for suficiente isso, arranjarei as coisas de modo que depois desses cem anos pingue outros cem. Duzentos anos de pingo na testa parece-me uma boa conta, não acha?

A Cuca ainda urrou como cem mil onças feridas, e espumou de colera, e ameaçou ceus e terras. Por fim viu que estava fazendo papel de boba, pois havia encontrado afinal um adversario mais inteligente do que ela; e disse:

— Parem com este pingo que já está me pondo louca! Tenham dó duma pobre velha...

— Pobre velha! A coitadinha... Quem não a conhece que a compre, bruxa duma figa! Só pararemos com o pingo se você nos contar o que fez de Narizinho.

— Hum! exclamou a bruxa, percebendo afinal a causa de tudo aquilo. Já sei...

— Pois se sabe, desembuxe. Do contrario, a sua sina está escrita: ha de morrer no maior suplicio que existe. E nada de tentar enganar-nos. E’ ir dizendo onde está a menina, o mais depressa possivel.

— Farei o que quiserem, mas primeiro hão de desviar de minha testa este maldito pingo que me está deixando louca.

— Assim será feito, disse o saci trepando de novo ás estalactites e desviando o fiozinho d´agua para um lado. A Cuca, deu um suspiro de alivio. Tomou folego, depois disse:

— Encantei essa menina que vocês procuram, mas só poderei desencanta-la se vocês me trouxerem um fio de cabelo da Iára. Sem isso é impossivel.

— Não seja essa a duvida, respondeu o saci. Iremos buscar o fio de cabelo da Iára. Mas se ao voltarmos com ele você não quebrar o encanto, juro que deixarei o pingo a pingar nessa testa horrenda, não cem anos, mas cem mil anos, está ouvindo?

E, dizendo isso, tomou Pedrinho pela mão e retirou-se com ele da caverna.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.