O Saci (8ª edição)/32
XXXII
Na caverna da Cuca
VOLTANDO os dois na maior pressa para os dominios da Cuca, encontraram-na com um estranho ar de riso na horrenda boca, a falar sozinha, como se estivesse muito satisfeita da vida. Assim, porém, que os viu de novo por lá, a bruxa estremeceu e o seu sorriso transformou-se numa careta de colera e desespero.
— Conseguiram voltar? exclamou traindo os seus maus pensamentos.
— Está claro que sim! respondeu o saci.
— E trouxeram o fio de cabelo da Iára?
— Está claro que sim! repetiu o saci. Ei-lo aqui, disse, apresentando á horrenda megéra o verde fio de cabelo da Mãe d’Agua.
A Cuca estorceu-se toda dentro do novelo de cipós num supremo arranco para libertar-se daquela prisão. Nada conseguindo, pôs-se a vociferar e a soltar pela horrivel boca uma espuma venenosa.
Aquela historia da Iára e do fio de cabelo tinha sido apenas um embuste de que lançara mão para perder o menino e o saci, na certeza de que nenhum deles resistiria aos encantos da Iára. Mas vendo que se tinha enganado, debatia-se no maior acesso de colera e desespero, sentindo-se completamente vencida. E por quem! Por um menino de nove anos e mais um sacizinho...
Entretanto, perfida como era, tentou ainda usar da astucia. Acalmou-se e disse, num tom muito amavel:
— Muito bem. Mas esse fio de cabelo da Iára não basta para romper o encanto da menina. Preciso ainda de um fio de barba do Capora.
— Perfeitamente, senhora Cuca. Ali em cima daquelas estalactites está o fio de barba do Capora de que você precisa, disse o saci, apontando para o pingo d’agua. Vou já busca-lo...
Vendo pela firmeza das palavras do saci que era inutil tentar engana-lo segunda vez, a Cuca deu um profundo suspiro e confessou-se vencida.
— Meus parabens. Vocês descobriram a unica arma no mundo capaz de vencer uma Cuca — esse miseravel pingo d’agua... Farei como querem. Desencantarei a menina. Voltem ao sitio, procurem perto do pote d’agua uma flor azul que lá deixei; arranquem-lhe as petalas e lancem-nas ao vento logo ao romper da manhã. Narizinho, que deixei transformada em pedra, reaparecerá imediatamente.
— E se isso for um embuste como da primeira vez? perguntou Pedrinho.
— Não é. Reconheço que fui vencida e que seria tolice insistir. Voltem ao sitio, façam o que eu disse e depois venham desamarrar-me. Juro que jamais perseguirei qualquer pessoa lá do sitio.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

