O Velho Namorado
Pobre velho! Estás perdido
Se n’esse couro tão duro,
Pôde ainda fazer-te um furo
Uma setta de Cupido!
D’esse mal accommetido,
Remedio te não darão;
Que nessa idade a paixão,
Bem que assim te não pareça,
E’ moléstia da cabeça,
Que não sente o coração
Um velho demente,
Mimoso ratão,
Fiado em Cupido,
Quiz ser Maganão.
Janeiros sessenta
Contava o patola,
Com rugas na cara,
Com ar de farçola.
Gorducho e roliço,
Qual porco catête;
Cabeça de coco,
Nariz de pivete.
De pança crescida,
Andar de garoto,
Franzido sobr’olho,
Olhar de marôto,
Cedendo á loucura,
Que d’elle zombava,
A barba e cabello
Cuidoso pintava.
Brunia os sapatos,
O fato escovava;
Na dextra grosseira
Bengalla empunhava.
Se via á janella
Mocinha dengosa;
De lindo semblante
E labios de rosa:
Então, derretido,
O velho lapuz,
Saltava, gingava,
Qual joven de truz.
Se a bella formosa,
Por mofa, sorria,
O pobre do punga
Alentos bebia.
Assim pretendia
Esposa encontrar,
Que a sua rabuje
Quizesse aturar.
Eis chega-se o dia
De amor inspirado
Enfeita-se o asno,
Assim preparado.
Da cara deidade
Trepando as escadas,
Com furia de bravo,
Dá quatro palmadas!
Lá corre a criada,
Mulata faceira,
De porte agradavel,
Nos modos brejeira;
E vendo o basbaque
A’ moda vestido,
Exclama, sorrindo:
“Que lindo Cupido!...
“Bonita casaca.
“Collete bordado;
“Chapéo de patente,
“Cabello pintado!...
“Vem tao bonitinho!...
“A quem quer fallar?
“— Co’a dona da casa
“Desejo tractar.”
Escanc’ram-se as portas,
Lá entra o velhote,
De negra azeitona
Redondo ancorote.
Eis chega a matrona
Que a casa dirige;
D’aquella visita
A dona se afflige.
Tambem vem com ella
Formosa menina,
De louros cabellos
E face divina.
“Que ordenas, pergunta,
“Illustre mancebo?”
Estufa-se o lorpa,
Cupido de sebo!
Prepara a garganta,
Tomando postura,
A’ frente se põe
Da prenda futura.
E qual orador,
Em pleno auditorio,
O gebas começa
O seu palanfrorio:
O′ Venus pudibunda, sem igual,
A teus pés aqui tens este animal,
Que vencido de amor pelos teus gestos,
Curvado te apresenta os seus protestos!
Vencestes do bigode — autoridade,
Do soldado a cruel severidade!
Este todo que vês tão rijo e duro,
Em borra ficará para o futuro;
Este peito que bate só por ti,
Já rendido e quebrado o tens aqui.
Guerreiro das campanhas cupidarias,
Dos mercurios, jalapas e fumarias.
Sou velho, mas em tudo tão perfeito,
Que não conto, sequer, um só defeito!
Agora tu, matrona ajuizada,
Que pariste esta prenda delicada,
Consente no casorio desejado,
— Não faças do 'velhote' um desgraçado!
Notando a donzella,
Que o pêco farfante,
Vencido de amores,
Se fez um pedante;
A elle se chega,
Com ar seductor
Que os peitos encanta,
Que mata de amor;
Com gesto feminio
Que a mente nao trahe,
Sorrindo, lhe disse:
“A benção, papae!...”
Depois, prazenteira,
A face voltando,
Com garbo de fada
Se foi retirando!...
E como esta chalaça tão picante
O avô de Saturno, delirante,
Não ficou homem, não, mas mudo e quedo
Qual junto de um penedo outro penedo!
E, depois que sentiu-se cudilhado,
Pela porta tomou, muito enfiado.