O franco
O ninho de malvados açambarcadores que é a Associação Comercial do Rio de Janeiro, acaba, pela voz de um senhor Franco, sócio da firma Zamith, Meireles & Cia, de atacar de modo desabrido não só o Alto Comissariado de Alimentação Pública, como todos aqueles que não se querem enriquecer com a miséria dos outros.
Para este Franco, todo aquele que se não entregar ao "alívio" do açúcar, isto é, vender para a República Argentina, para a Itália ou para o México, esse produto por menos da metade do que ele e seus sócios vendem aqui, é mandrião, vagabundo ou coisa que valha.
A sua ironia de "açucareiro" sem cultura vai ao ponto de chamar todos os que se opõem à ladroeira de semelhantes salteadores da pobreza do Brasil, desse modo.
Esse senhor Franco, em vez de estar pensando em enriquecer de apodrecer, devia imaginar que enquanto a nossa sociedade atual, pedir serviços, como os do médico, os do advogado, os do motorneiro, os de empregados públicos, todos eles não são vagabundos, todos eles trabalham a seu modo para a manutenção dessa própria sociedade.
Mesmo aqueles que o senhor Franco julga que são vadios, os poetas, os escritores, os filósofos, eles são úteis.
Se não fossem eles, o senhor Franco estaria na gleba de Portugal ou alhures e eu na escravidão.
A vida não é feita nem constituída de negócio de açúcar, como pensa o sócio do Pereira Lima, agente por demais sabido de vários trusts açucareiros.
A vida é complexa, pede muitas atividades, pede muito pensamento.
Se o senhor enriquece ou enriqueceu com açúcar, não sabe quanta dor, quanto sofrimento, quanto sangue, custaram os maquinismos com que o açúcar é fabricado nas suas usinas.
Se não fossem semelhantes vagabundos que tinham em vista unicamente o bem da humanidade, o senhor não falaria com essa empáfia na Associação Comercial do Rio de Janeiro.
As firmas de São Paulo, Matarazzo e outros, Martinelli, aqui, e várias mais que eu não quero citar, têm tido lucros fabulosos, sem que isso tenha vindo em melhoria dos operários que a elas servem.
Diz esse senhor Franco que, se houver a regulamentação da exportação, dezenas de milhares de indivíduos, irão para a miséria. Pergunto eu agora; o que eles têm lucrado com os dividendos fabulosos que vocês têm tido?
Os salários não aumentaram, enquanto todas as utilidades necessárias à vida sobem sempre de preço.
Se o Franco da Associação Comercial conhecesse alguma coisa, tivesse estudos, eu discutiria com ele a questão da propriedade.
Mas, ao que parece, Franco só conhece a propriedade do açúcar; e eu ainda não sou "judeu" do açúcar.
Franco fala mal de Leroy-Beaulieu; mas, se o tivesse lido, e também o Bastiat, todos os dois iriam a seu favor.
Eu não quero ensinar coisas a Franco que me quer matar à fome, nem mesmo ao Pereira Lima, que quase é meu colega.
Desejo simplesmente dizer-lhes que tomem cuidado; que não é possível estar a abusar da paciência de nós todos, não é só dos operários aos quais não adulo, mas dos pequenos burgueses como eu, que receberam mais instrução do que todos os "francos" e não admitem esses insultos de tirano, tirano do comércio, da agiotagem, da pirataria com que vocês querem saquear o mundo.
Brás Cubas, Rio, 4-7-1918.