O Natal dos Coleirinhos
Foi o menino da quitanda quem lhe vendeu o alçapão. Custou mil reis, juntados em um mês, de tostão a tostão. E foi um triunfo memorável quando ele apareceu no morro, entre os outros, sobraçando a gaiola com a chama, um embrulhinho de alpiste e o alçapão de cana todo novo. Quem não foi rei um dia na vida?
— Bota na paineira, Maneco. Já tem prego.
E o Maneco armou o alçapão no lugar onde a experiência dos passarinheiros lhe indicara como o melhor para pegar coleiros virados.
E, com efeito, ao fim de duas horas tinha caçado um pardinho. Queriam trocar por um xanxão, por um serra-serra e até lhe davam quinhentos réis por ele, mas o Maneco não cedeu por preço algum o primeiro passarinho que apanhara.
Quando ele chegou em casa, de volta, as irmãs fizeram-lhe uma condigna recepção. A garotada da vizinhança admirou-lhe a glória e invejou-lhe a caça. O Maneco impava de inconcebível júbilo e esplendido orgulho. O coleiro foi para uma gaiola especial; ficou pendurado na sala de jantar e foi admirado o dia inteiro.
À noite a família celebrava o Natal; uma ceia em família com leitão assado e rabanadas.
O Maneco não quis saber disso; todos os seus sentidos, toda a sua afeição, ele mesmo todo inteiro estava preso à gaiola, talvez mais preso fora dela que o coleirinho dentro.
Mas o cansaço veio e lá pelas onze horas da noite, o Maneco dormiu com a cabeça na ponta da mesa e o coração dentro do alpisteiro.
Veio então Papá Noel, fantasma branco importado da Europa pelos sentimentais enriquecidos e que dá a quem já tem os dons de quem não tem. Nas suas barbas de algodão tinha carrapichos e um bacurau pousava-lhe no capuz. Andava encabulado, assustado de ser conhecido e de não conseguir enganar a molecada que não tem sapatinhos na enxerga e sabe que aquela noite é absolutamente igual a todas as noites em que a ceia falta a uns e sobra a outros.
Papá Noel rondou a cabeceira do Maneco, viu o coleiro pardinho e, supondo-o adormecido, apanhou a gaiola e lá se foi com ela para o morro. O Maneco viu a manobra, quis gritar, tentou levantar-se, mas um peso enorme derreava-lhe os ombros e uma mão de ferro estringia-lhe a garganta. Só os olhos desmesuradamente abertos seguiam o vulto do velho através da escuridão silente da alta noite.
— O meu coleiro… o meu pardinho…
Era uma fêmea; a desgraçada corria os morros e capinzais à cata de alimento para um casal de coleirinhos implumes que haviam brotado dos ovinhos que ela chocara como mãe nenhuma neste mundo. Filhinhos adorados, de tamanhinho de uma mosca azul e que piavam baixo, tão baixinho que só ela escutava no ruído universal das palpitações da selva. Vira o alpiste e no seu imenso amor de mãe estupenda, não hesitara, não refletira; era a vida dos filhos que uma mão generosa ali pusera. E viu a tampa do alçapão desabar sobre si, viu em torno as grades se estreitarem; viu toda a esperança dissipada.
—Ah… Manéco… Manéco… E os meus filhinhos? Hoje é o dia de Natal. Todas, todas as mães humanas têm seus filhos junto a si. As desgraçadas dentre as desgraçadas têm o leite no peito e o pão no prato. E os meus filhinhos?
Lá ia o Papá Noel, lá estava ele na paineira; lá punha ele o alçapão no prego e se escondia atrás da pedra a esperar a queda de outro coleiro virado. Mas a tampa do alçapão, de fechada abriu-se lentamente e de dentro uma mãe desolada, “arripiada”, triunfante, delirante, estupenda, desferia um voo de águia em demanda do ninho.
Inútil. Os coleirinhos já haviam morrido de frio, de medo e de fome.
Então Papá Noel, o velho intrujão, foi se esconder na dispensa de um conde do Papa, cheio de ceticismo pela vida universal, dentro de cujo âmbito torvo e escuro rugem feras e batalham homens, em nome de um Jesus de lenda que ama os meninos ricos, amargura os pobres e deixa que os coleirinhos abram o bico para um céu vazio…