O precursor do abolicionismo no Brasil/1.2

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EXAME E DISCUSSÃO DA CARTA

Escrita aos cincoenta anos de idade, sabendo que se destinava á publicidade, essa Carta não pode deixar de ser aceita como um documento exato e verídico, que deve fazer fé em nosso espírito.

Entretanto, uma preocupação confessada pelo auto-biografista, a de esconder o nome paterno, cria pontos obscuros nos tópicos referentes aos seus dez primeiros anos, vividos na Baía, e transforma a carta em documento insuficiente, em que os problemas repontam de cada canto de frase.

Teremos assim que examinar e discutir esses tópicos, tentar aclará-los para ver se conseguimos surpreender o que Gama não quís relatar e mesmo o que desejou esconder.

Quanto ao bairro, rua e data de nascimento, não ha a menor dúvida. O nome da rua, Bângala, que não é português, provinha de haver residido nessa via, o capitão-mór dos Estados do Brasil, D. Baltazar de Aragão, fidalgo de alta linhagem, o qual, antes, governára a colónia de Angola e ali grangeara, pela rispidez e severidade, a alcunha de “Bângala”, que na língua local significa o “inflexivel”.

Quanto á casa, ignorou-se, até muito recentemente, qual era exatamente. Tive oportunidade de certificar-me disso, porque havendo pedido ao meu distinto amigo dr. Pedral Sampaio, me trouxesse, em seu regresso da Baía, uma fotografia do predio, não conseguiu ele localizá-la nem encontrou, entre os sabedores de história local, que consultou, quem lhe pudesse dar a informação. Somente depois que daqui enviamos a Carta de Gama é que os srs. drs. Gonçalo Moniz e Otavio Torres fizeram a identificação, que aparece claramente nos clichês deste livro, reproduzindo a situação topografica da rua e do predio dentro da cidade e dão o aspeto atual da casa em que nasceu o grande negro.

Esta é — pelo depoimento do dr. Gonçalo Moniz — “a casa que traz o n.º 1 da rua que tem o seu nome, então chamada do Bangala[1]: um sobrado com pavimento terreo e um andar, tendo este tres janelas de sacada na frente, e aquele, a porta da rua, á esquerda da fachada para quem entra, e á direita, duas janelas. Fica justamente situado num ângulo saliente, que forma a rua ao lado direito de quem vem do Largo da Palma”. A casa, como se vê no clichê, tem ao lado, “uma pequena area ajardinada, que lhe pertence, separada da rua por pilastras e grades de ferro”.

Os dados coincidem com a informação de Luiz Gama. Basta confrontar a Carta para eliminar qualquer dúvida.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.
  1. O dr. Gonçalo Moniz informa que a rua não mais se chama do Bangala. Em 1930, a Prefeitura da Cidade do Salvador trocou o nome dessa rua pelo de Luiz Gama, tendo-se realizado a cerimonia da mudança das placas em 14 de julho desse mesmo ano, conforme noticia publicada, na edição da mesma data, pelo jornal «A Tarde», da Baía.