O que são as moças/VI
Poucos dias depois um baile reunia as duas famílias. Era um baile de anos da filha do Comendador ***.
Pouco importa saber à nossa história quem eram os convidados, nem qual era a toilette das senhoras, nem quais as mais belas, nem as mais adoráveis e adoradas.
Basta-nos saber que as duas heroínas deste conto primavam de graça e de gosto. Nisto a natureza e a arte as fizeram igualmente irmãs. Os leitores nos dispensam sem dúvida a descrição minuciosa do traje de cada uma delas.
Mesmo nos bailes poucas vezes se separavam Júlia e Teresa; em caso de força maior, resignavam-se, mas era para voltar logo a reunir-se.
Gabriel achava-se presente a esse baile.
Às dez horas da noite apareceu nos salões um cavalheiro que, por sua galharda presença e beleza original, começava a adquirir certa reputação. Era um filho de Campos; muito jovem fora à Europa, de onde voltara havia poucos dias.
Antes que o moço convidado chegasse à saleta onde se achavam as duas heroínas, lá lhes chegara a fama. Uma natural curiosidade falou em ambas as criaturas. Vê-lo, foi um pensamento que assaltou a um tempo o espírito de Júlia e Teresa; mas ambas julgaram que deviam ir ao toilette ver mais duas amigas que lá as esperavam no fundo do vidro de um espelho, muito parecidas com elas, e talvez mais amigas ainda de cada uma delas, do que elas o eram entre si.
Foram.
Uma mulher tem sempre uma fita a prender, um fio de cabelo a arranjar, quando se trata de ver um homem pela primeira vez, ou mesmo pela segunda, ou mesmo pela centésima vez.
É por assim dizer as armas que elas dispõem para entrar no duelo da casquilhice, duelo onde não há necessidade de cartel nem de testemunhas.
Arranjada a fita ou o cabelo, ou, como talvez acontecesse, porque neste ponto a tradição é obscura, feita unicamente uma simples e rápida inspeção, dispunham-se as duas amigas a voltar ao salão.
Júlia ia adiante; com uma das mãos afastou o reposteiro para sair; mas Teresa, do outro lado, fez o mesmo, e ambas puseram o pé fora da porta ao mesmo tempo, quando por um rápido movimento tornaram a entrar.
Olharam-se.
— Lá está ele! disseram ambas.
— Ele quem? perguntou Teresa.
— O meu namorado, respondeu Júlia. E o teu também está?
— Também.
Fora, com efeito, passeavam alguns cavalheiros.
As duas amigas colaram o olho a uma fresta do reposteiro e começaram a indicar uma à outra quem era o dono do coração.
Momentos depois desta investigação feita em voz baixa, e com a respiração compressa, olharam-se com espanto:
— É o mesmo!
Esta exclamação partiu de ambas.
Em tais ocasiões há sempre um momento de silêncio, ainda quando se trata de corações tão intimamente ligados como eram aqueles dois.
Com efeito, o acaso, autor de muitos lances imprevistos, preparara às duas amigas aquela circunstância engenhosa de ambas se apaixonarem pelo mesmo indivíduo. Era naturalmente o que lhes poderia acontecer de pior.
O silêncio que houve entre as duas amigas deu lugar a que muitas reflexões fizessem ambas sobre tão extraordinária situação. Mas prolongá-lo era piorar as coisas. Foi Teresa quem falou em primeiro lugar.
— Na verdade, é preciso que a sorte nos reserve como eterno exemplo de confraternidade para que nos aconteça tão singular encontro.
— É verdade, disse Júlia.
— Era o primeiro, e por desgraça é o mesmo.
— Dizes bem, por desgraça, porque... tu o amas, não?
— Muito. E tu?
— Tanto como tu. É uma desgraça.
As duas amigas foram sentar-se tristes. Creio até que uma lágrima rolou-lhes pela face, como se já de antemão estivessem a chorar o bem que iam perder mediante um ato de suspiro.
Estiveram assim durante algum tempo.
Depois Teresa levantou-se e foi a Júlia.
— Minha querida, somos irmãs pelo coração; se o teu amor é forte, se dele depende a tua vida, seja a conquista unicamente tua. Consola o teu coração e não te importes comigo.
— Isso não, respondeu Júlia levantando-se. Em nome do que devo eu consentir esse sacrifício? Não chorar para ver-te chorar, Teresa, prefiro morrer!
Tamanho interesse duvido eu que alguém tenha visto, sobretudo com o ar de convicção sincera daquele; era um espetáculo que eu sinto ter sido apenas observado pelos espelhos do toilette e pela pena do romancista que penetra até no íntimo do pensamento.
Todavia, se aquela luta da recusa do namorado em questão se prolongasse mais algum tempo, corria o risco de ser monótona. Parece que ambas compreenderam isto, porque trataram de pôr termo a ela.
Ocorreu, porém, a ambas uma idéia que até ali não tinha aparecido. Foi Teresa quem primeiro a enunciou.
— Mas, dize-me cá, se ele nos iludir a ambas? Não disseste que ele parecia corresponder-te?
— Correspondia.
— Também a mim.
— Enganava a ambas.
— Enganava. Isto é importante. Nós nos doíamos de amor por ele, sem sabermos que ambas fazíamos convergir o nosso espírito para um mesmo ponto, e ele, contente por contar com o coração de ambas, de ambas se ria entre si.
— Parece que é verdade isso.
— É, sem dúvida.
Juntou-se ao desgosto da situação um grão de despeito. Era o sal que faltava. Devo mesmo dizer que se não houvesse aquele despeito tão natural, o coração das duas moças sofreria dobradamente. Até então apenas tinham a idealidade de uma má fortuna contra quem exalar os seus suspiros e clamores; agora tinham diante de si um ente vivo, humano, a causa da situação aflitiva a que eram levadas.
Assim que, uma vez concordes em que o moço zombava delas, as duas moças ficaram igualmente acordes num ponto: era que ele não devia entrar nas suas preocupações, posto que tão indigno se mostrara.
Mas quem pode responder pelo coração? Era ainda o coração quem as animava contra o jovem namorado comum. Enganavam-se, talvez; venceria o amor ou a amizade? É o que as leitoras vão saber se tiverem a paciência de passar aos capítulos seguintes.