O tropeiro
Olha a madrinha da tropa,
João:
O lote não vai seguido,
Deitou-se o burro—Perdido—
No chão!
Sentido no alevantar,
Cuidado!
E’ arisca a besta baia,
Anda, vê que ella não caia,
Pasmado!
Toca a—Fidalga—da beira
Da serra;
Si escorregar, vái-se embora
Do barranco de fóra
Na terra.
Diabo, que fazes tu,
Não vês?
Sacode o relho, o chicote,
Só andam cinco no lote,
Sam seis.
Tinhoso, vira essa cara
No andar;
Estou vendo a cabeçada
Da besta mais carregada
No ar.
Olha o cavallo tordilho
Parado;
Sentido que o lote espalha,
Já traz pendida a cangalha
Do lado.
Deita, deita o tapa-olhos,
Não pares;
Aperta mais o arrôcho,
Vai o ligai meio frouxo
Nos ares.
A ferradura ali está
Da mão,
Anda, suspende o embornal,
Não vês o saco de sal
No chão?
Ché que esperança! lá vou,
Rapaz;
Vou só beber a caninha
Ali n’aquella vendinha
—Detrás.
Vamos depressa, galopa,
Machinho;
Em um nadinha lá estou;
Tenho as chilenas—lá vou,
E volto logo ao caminho.
Tenho o meu ponche, a garrucha,
Que mais ?
Posso seguir socegado
—Que vou correndo o meu fado.
Vou com Deus, e vou-me em paz.
Enrolemos o couro,—é já dia
Vamos ver nossas bestas no pasto:
Tenho faca, o cigarro alumia,
P’ra tocal-as de lá eu só basto.
Vamos, vamos,—estacas no chão!
Vamos, vamos,—caminhe-se em paz !
Aqui tenho os cabrestos na mão,
Tenho milho, cangalha, embornaes.
Carreguemos—que o sol já lá vem,
Carreguemos—que é tarde—partir!
Descerei esta serra—inda bem !—
Volto logo, bem sei que hei de vir.
Ai soltemos o lote primeiro,
E na frente que puche a madrinha:
Besta velha—com passo ligeiro,
Que não levas em vão campainha.
Guia as outras, não percas o rumo,
E sentido que alguma não passe;
Tenho os pés callejados,—a prumo
Cahe o sol,—já tostou-me esta face.
Vou dormir lá por baixo da serra;
Tenho o couro, de nada preciso;
Descarrego os jacás,—sobre a terra
Durmo alegre ao luar—que sorriso!
Bem me entendem as bestas, si fallo;
Tem seu nome—qu’eu as baptizei;
No assobio, do relho no estalo
Si converso com ellas eu sei!
Vou cantando—que o sopro da aragem
Traz-me o riso na voz do trabalho;
De viola na mão—na viagem
Bato o pó na tyranna, si falho.
Vamos, vamos seguindo o caminho
—Que eu já tenho saudades da serra;
Nasci lá pelos montes sosinho,
Quero ver outra vez minha terra;
Minha casa de palha coberta,
Minha cerca de páo de pinheiro;
Quero ouvir quando a aurora desperta,
O meu gallo cantar no poleiro!
Já está bem perto
O poiso ali,
Voltando o morro
Qu’eu bem o vi.
Eis o ancorote—
Agua busquemos;
Si houver demora,
Sei o que temos!
Preparo o fogo
E o caldeirão;
Já tenho prompto
Sal e feijão.
N'hum fechar d’olhos
Tenho o jantar;
Barriga cheia—
Toca á folgar.
Não pucho bestas,
Não levo cargas;
As noites minhas
Não são amargas.
Pelas estradas
Sou eu o rei;
Vou de corcova,
Vou qu’eu bem sei.
Alegre e rindo,
A vida aceito;
Tenho o sincerro
Dentro do peito.
Bem pequenino
Deixei meu ninho;
Fui correr mundo
Pelo caminho.
Eis chega a noite,
Brilha o luar;
Do fogo em roda
Vão-se aquentar!
Vamos depressa,
Temos cafè ;
Depois diremos
Quem bate o pé.
Tenho um bentinho,
Tenho um rosário;
Correm as contas
Do meu fadario.