Olhos do Sonho
OLHOS DO SONHO
Certa noite soturna, solitaria,
Vi uns olhos estranhos que surgiam
Do fundo horror da terra funeraria
Onde as visões somnambulas dormiam...
Nunca taes olhos divisei acaso
Com meus olhos mortaes, allucinados...
Nunca da terra neste leito raso
Outros olhos eu vi transfigurados.
A luz que os revestia e alimentava
Tinha o fulgôr das ardentias vagas,
Um demonio noctambulo espiava
De dentro d’elles como de igneas plagas.
E os olhos caminhavam pela treva
Maravilhosos e phosphorecentes...
Emquanto eu ia como um ser que léva
Pezadellos phantasticos, trementes...
Na treva só os olhos, muito abertos,
Seguiam para mim com magestade,
Um sentimento de crueis desertos
Me apunhalava com atrocidade.
Só os olhos eu via, só os olhos
Nas cavernas da treva destacando:
Pharóes de augurio nos feraes escolhos,
Sempre, tenazes, para mim olhando...
Sempre tenazes para mim, tenazes,
Sem pavôr e sem medo, resolutos,
Olhos de tigres e chacaes vorazes
No instante dos assaltos mais astutos.
Só os olhos eu via! — o corpo todo
Se confundia com o negrôr em vólta...
Ó allucinações fundas do lodo
Carnal, surgindo em tenebrosa escólta!
E os olhos me seguiam sem descanço,
N’uma perseguição de atras voragens,
Nos narcotismos dos venenos mansos,
Como dous mudos e sinistros pagens.
E nessa noite, em todo o meu percurso,
Nas voltas vagas, vans e vacillantes
Do meu caminho, esses dous olhos de urso
Lá estavam tenazes e constantes.
Lá estavam clles, fixamente elles,
Quiétos, tranquillos, calmos e medonhos...
Ah quem jamais penetrará n’aquelles
Olhos estranhos dos eternos sonhos!