Os Escrúpulos do Gaudêncio

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O Pedro Gaudêncio, estudante de Medicina, é de um escrúpulo comovedor. Na Faculdade, onde cursa o 3° ano, todos o estimam pelo respeito que cerca os mestres, pela gentileza com que fala aos companheiros, pela atenção com que se refere aos contínuos.

— Esse moço parece até filho do Ataulfo de Paiva! — observou, uma vez, o professor Dias de Barros.

E justificando a opinião:

— É o cavalheirismo em pessoa!

O Gaudêncio era, realmente, incomparável, nas suas manifestações de respeito. O caso ocorrido na praia do Flamengo em certa manhã de verão, dá uma idéia do homem e dos seus costumes.

Enrolado em seus calções pelos joelhos e na sua camisa vermelha e branca, tomava o futuro médico o seu banho de mar, em um grupo de rapazes e moças. Mergulha daqui, nada dacolá, foi o Gaudêncio se animando, se agitando, se entusiasmando. E estava entusiasmado, animado, agitado, quando, em virtude de um diurético tomado pela manhã, sentiu desejos de realizar a mais elementar das necessidades. Se fosse um cachorro, e estivesse em terra firme, teria corrido para um poste ou uma parede, e se equilibrado, apenas, sobre três pés. Homem, que lugar mais conveniente do que aquele, dentro dágua?

Pedro Gaudêncio é, porém, escrupulosíssimo. E de tal forma, que, no melhor da festa, escorrendo água, saiu do banho, meteu-se no roupão de felpa, e partiu. Avenida Beira-Mar em fora. Em frente ao Hotel Central encontrou um guarda-civil.

— Moço! — chamou, aproximando-se.

E ao ouvido do policial:

— Onde é, por aqui, o mictório?