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Os Lvsiadas/X

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Canto Decimo
& vltimo.


Mas ja o claro amador da Lariſſea
Adultera, inclinaua os animais,
La para o grande lago, que rodea
Temiſtitão, nos fins Occidentais:
O grande ardor do Sol Fauonio enfrea,
Co ſopro, que nos tanques naturais
Encreſpa a agoa ſerena, & deſpertaua
Os Lirios, & Iazmins que a calma agraua.


Quando as fermoſas Ninfas cos amantes
Pella mão ja conformes & contentes,
Subião pera os paços radiantes,
E de metais ornados reluzentes:
Mandados da Rainha, que abundantes
Meſas, daltos manjares, excelentes,
Lhe tinha aparelhados, que a fraqueza
Reſtaurem da canſada natureza.

Ali em cadeiras ricas criſtalinas,
Se aſſentão, dous & dous, amante & dama,
Noutras aa cabeceira douro finas,
Eſtà coa bella Deoſa o claro Gama:
De ygoarias ſuaues & diuinas
A quem não chega a Egipcia antiga fama,
Se acumulão os pratos de fuluo ouro,
Trazidos la do Atlantico teſouro.

Os vinhos odoriferos, que acima
Eſtão não ſo do Italico Falerno,
Mas da Ambroſia, que Ioue tanto eſtima,
Com todo o ajuntamento ſempiterno:
Nos vaſos, onde em vão trabalha a lima
Creſpas eſcumas erguem, que no interno
Coração mouem ſubita alegria,
Saltando coa miſtura dagoa fria.


Mil praticas alegres ſe tocauão,
Rîſos doces, ſutis, & argutos ditos,
Que entre hũ & outro mãjar ſe aleuantauão
Deſpertando os alegres apatitos:
Muſicos instrumentos não faltauão,
Quais no profundo reyno, os nus eſpritos
Fizerão deſcanſar da eterna pena,
Cũa voz dhũa angelica Syrena.

Cantaua a bella Ninfa, & cos acentos
Que pellos altos paços vão ſoando,
Em conſonancia ygoal, os inſtromentos
Suaues vem a hum tempo conformando:
Hum ſubito ſilencio enfrea os ventos,
E faz hir docemente murmurando
As agoas, & nas caſas naturais
Adormecer os brutos animais.

Com doce voz eſtâ ſubindo ao cco
Altos varões, que estão por vir ao mundo,
Cujas claras Ideas via Protheo,
Num globo vão, diafano, rotundo,
Que Iupiter em dom lho concedeo
Em ſonhos, & deſpois no reino fundo
Vaticinando o diſſe, & na memoria
Recolheo logo a Ninfa a clara hiſtoria.


Materia he de Coturno, & não de Soco
A que a Nimpha aprendeo no immenſo lago:
Qual Yopas não ſoube, ou Demodoco,
Entre os Pheaces hum, outro em Carthago.
Aqui minha Caliope te inuoco
Neste trabalho extremo, porque em pago,
Me tornes, do q̃ eſcreuo, & em vão pretendo,
O goſto de eſcreuer, que vou perdendo.

Vão os annos decendo, & ja do Eſtio
Ha pouco que paſſar ate o Otono,
A fortuna me faz o engenho frio,
Do qual ja não me jacto, nem me abono:
Os deſgoſtos me vão leuando ao rio
Do negro eſquecimento, & eterno ſono,
Mas tu me dâ que cumpra, ò grão Rainha
Das Muſas, cô que quero aa nação minha.

Cantaua a bella Deoſa, que virião
Do Tejo, pello mar que o Gama abrîra,
Armadas que as ribeiras vencerião,
Por onde o Oceano Indico ſoſpira:
E que os Gentios Reis, que não darião
A ceruiz ſua ao jugo, o ferro & yra
Prouarião do braço duro & forte,
Ate renderſe a elle, ou logo aa morte.


Cantaua dhum que tem nos Malabares
Do ſumo ſacerdocio a dignidade,
Que ſo por não quebrar cos ſingulares
Baroẽs, os nos que dera damizade,
Sofrerâ ſuas cidades & lugares,
Com ferro, incendios, ira & crueldade
Ver deſtruir do Samorim potente:
Que tais odios terâ coa noua gente.

E canta como la ſe embarcaria
Em Bellem o remedio deste dano,
Sem ſaber o que em ſi ao mar traria
O grão Pacheco, Achiles Luſitano:
O peſo ſentirão, quando entraria,
O curuo lenho, & o ſeruido Oceano,
Quando mais nagoa os troncos, que gemerem,
Contra ſua natureza ſe meterem.

Mas ja chegado aos fins Orientais,
E deixado em ajuda do gentio
Rey de Cochim,com poucos naturais,
Nos braços do ſalgado & curuo rio,
Desbaratarâ os Naires infernais
No paſſo Cambalão, tornando frio
Deſpanto o ardos immenſo do Oriente
Que verâ tanto obrar tão pouca gente.


Chamarâ o Samorim mais gente noua:
Virão Reis Bipur, & de Tânôr,
Das ſerras de Narſinga, que alta proua
Eſtarão prometendo a ſeu ſenhor:
Faràque todo o Naire em fim ſe moua,
Que entre Calicû jaz, & Cananor,
Dambas as leis immigas, pera a guerra,
Mouros por mar, Gentios polla terra.

E todos outra vez desbaratando,
Por terra, & mar, o grão Pacheco ouſado,
A grande multidão que yrâ matando,
A todo o Malabar terâ admirado:
Cometerâ outra vez não dilatando
O Gentio os combates apreſſado,
Injuriando os ſeus, fazendo votos
Em vão aos Deoſes vãos, ſurdos, & immotos

Ia não defenderâ ſomente os paſſos,
Mas queimar lhe ha lugares, templos, caſas:
Aceſo de yra o Cão, não vendo laſſos
Aquelles que as cidades fazem raſas:
Farà que os ſeus de vida pouco eſcaſſos,
Cometão o Pacheco que tem aſas
Por dous paſſos num tempo, mas voando
Dhum outro, tudo yrâ desbaratando.


Virâ ali o Samorim, porque em peſſoa
Veja a batalha, & os ſeus esforce, & anime,
Mas hum tiro, que com zonido voa,
De ſangue o tingirâ no andor ſublime:
Ia não verâ remedio, ou manha boa,
Nem força, que o Pacheco muito eſtime,
Inuentara traiçoẽs, & vãos venenos,
Mas ſempre (o ceo querendo) farâ menos.

Que tornarâ a vez ſeptima, cantaua,
Pellejar co inuicto & forte Luſo,
A quem nenhum trabalho peſa, & agraua,
Mas com tudo eſte ſo o farâ confuſo:
Trarâ pera a batalha horrenda, & braua,
Machinas de madeiros fora de vſo,
Pera lhe abalroar as Carauellas,
Que ateli vão lhe fora cometellas.

Pella agoa leuarâ ſerras de fogo
Pera a braſarlhe quanta armada tenha,
Mas a militar arte, & engenho, logo
Farâ ſer vaã a braueza com que venha:
Nenhum claro barão no Martio jogo,
Que nas aſas da fama ſe ſostenha,
Chega a este, que a palma a todos toma,
E perdoeme a illuſtre Grecia, ou Roma.


Porque tantas batalhas ſoſtentadas
Com muito pouco mais de cem ſoldados,
Com tantas manhas, & artes inuentadas
Tantos Cães não imbelles profligados:
Ou parecerão fabulas ſonhadas,
Ou que os celeſtes Coros inuocados
Decerão a ajudallo, & lhe darão
Esforço, força, ardil, & coração.

Aquelle que nos Campos Maratonios
O grão poder de Dario eſtrue, & rende,
Ou quem com quatro mil Lacedemonios
O paſſo de Termopilas defende,
Nem o mancebo Cocles dos Auſonios,
Que com todo o poder Tuſco contende
Em defenſa da ponte, ou Quinto Fabio
Foy como este na guerra forte & ſabio.

Mas neste paſſo a Nimpha o ſom canoro
Abaxando, fez ronco, & entriſtecido,
Cantando em baxa voz enuolta em choro
O grande esforço mal agardecido:
O Beliſario, diſſe, que no coro
Das Muſas ſeras ſempre engrandecido,
Se em ti viſte abatido o brauo Marte,
Aqui tens com quem podes conſolarte.


Aqui tens companheiro aſsi nos feitos
Como no galardão injusto & duro,
Em ti & nelle veremos altos peitos,
A baxo eſtado vir humilde, & eſcuro:
Morrer nos hoſpitais em pobres leitos,
Os que ao Rey, & aa ley ſeruem de muro,
Iſto fazem os Reys, cuja vontade
Manda mais que a juſtiça & que a verdade.

Iſto fazem os Reis, quando embebidos
Nũa aparencia branda que os contenta,
Dão os premios de Aiace merecidos,
Aa lingoa vaã de Vliſſes fraudulenta:
Mas vingome que os bens mal repartidos
Por quem ſo doces ſombras apreſenta,
Se não os dão a ſabios caualeiros,
Dãos os logo a auarentos liſongeiros.

Mas tu de quem ficou tão mal pagado
Hum tal vaſſalo, o Rey ſo nisto inico,
Se não es para darlhe honroſo eſtado,
He elle pera darte hum reino rico:
Em quanto for o mundo rodeado
Dos Apolineos rayos, eu te fico
Que elle ſeja entre a gente illuſtre & claro
E tu niſto culpado por auaro.


Mas eis outro, cantaua, intitulado
Vem com nome real, & traz conſigo
O filho, que no mar ſerâ illustrado
Tanto como qualquer Romano antigo:
Ambos darão com braço forte, armado,
A Quiloa fertil aſpero caſtigo,
Fazendo nella Rey leal, & humano,
Deitado fora o perfido Tirano.

Tambem farão Mombaça, que ſe arrea
De caſas ſumptuoſas, & edificios,
Co ferro, & fogo ſeu, queimada, & fea,
Em pago dos paſſados maleficios:
Deſpois na coſta da India, andando chea
De lenhos inimigos, & arteficios,
Contra os Luſos: com vellas, & com remos
O mancebo Lourenço farà eſtremos.

Das grandes naos, do Samorim potente,
Que encherão todo o mar, coa ferrea pela,
Que ſae com trouão do cobre ardente,
Farà pedaços leme, masto, vela,
Deſpois lançando arpeos ouſadamente
Na capitania inimiga: dentro nela
Saltando, a farâ ſo com lança & eſpada
De quatrocentos Mouros deſpejada.


Mas de Deos a eſcondida prouidencia,
Que ella ſo ſabe o bem de que ſe ſerue,
O porâ onde esforço, nem prudencia
Poderâ auer, que a vida lhe reſerue:
Em Chaul, onde em ſangue & reſistencia
O mar todo com fogo & ferro ferue,
Lhe farão, que com vida ſe não ſaya
As armadas de Egipto & de Cambaya.

Ali o poder de muitos inimigos
Que o grande esforço, ſo com força rende,
Os ventos que faltârão, & os perigos
Domar, que ſobejârão, tudo o ofende:
Aqui reſurjão todos os antigos,
A ver o nobre ardor, que aqui ſe aprende,
Outro Sceua verão, que eſpedaçado
Não ſabe ſer rendido, nem domado.

Com toda hũa coxa fora, que em pedaços
Lhe leua hum cego tiro, que paſſara,
Se ſerue inda dos animoſos braços,
E do grão coração, que lhe ficâra:
Ate que outro pilouro quebra os laços,
Com que co alma o corpo ſe liâra,
Ella ſolta voou da priſam fora,
Onde ſubito ſe acha vencedora.


Vâyte alma em paz da guerra turbulenta,
Na qual tu mereceſte paz ſerena,
Que o corpo que em pedaços ſe apreſenta,
Quem o gerou vingança ja lhe ordena:
Que eu ouço retumbar a grão tormenta,
Que vem ja dar a dura, & eterna pena,
De Eſperas, Baſiliſcos, & Trabucos,
A Cambalcos crueis, & Mamelucos.

Eis vem o pay com animo eſtupendo,
Trazendo furia & magoa por antolhos,
Com que o paterno amor lhe estâ mouendo
Fogo no coração, agoa nos olhos:
A nobre yra lhe vinha prometendo,
Que o ſangue farâ dar pellos giolhos
Nas inimigas naos ſentilo ha o Nilo,
Podelo ha o Indo ver, & o Gange ouiulo.

Qual o Touro cioſo, que ſe enſaya
Pera a crua pelleja, os cornos tenta
No tronco dhum Carualho, ou alta Faya
E o âr ferindo, as forças eſprimenta:
Tal, antes que no ſeyo de Cambaya
Entre Franciſco irado na opulenta
Cidade de Dabul, a eſpada afia,
Abaxandolhe a tumida ouſadia.


E logo entrando fero na enſeada
De Dio, illuſtre em cercos & batalhas,
Farâ eſpalhar a fraca & grande armada,
De Calecu, que remos tem por malhas:
A de Melique Yaz acautelada,
Cos pelouros que tu Vulcano eſpalhas,
Farâ yr ver o frio & fundo aſſento,
Secreto leito do humido elemento.

Mas a de Mir Hocem, que abalroando
A furia eſpararà dos vingadores,
Verâ braços & pernas yr nadando,
Sem corpos, pello mar, de ſeus ſenhores,
Rayos de fogo yrão repreſentando,
No cego ardor, os brauos domadores,
Quanto ali ſentirão olhos, & ouuidos,
E fumo, ferro, flamas & alaridos.

Mas ah, que desta proſpera vitoria,
Com que deſpois virâ ao patrio Tejo,
Quaſi lhe roubarâ a famoſa gloria
Hum ſucceſſo que triste & negro vejo,
O Cabo Tormentorio, que a memoria
Cos oſſos guardarâ: não terâ pejo
De tirar deſte mundo aquelle eſprito,
Que não tirarão toda a India, & Egito.


Ali Cafres ſeluagens poderão,
O que destros immigos não podêrão,
E rudos paos tostados ſos farão,
O que arcos & pelouros não fizerão,
Occultos os juizos de Deos ſam,
As gentes vaãs que não nos entenderão,
Chamãolhe fado mao, fortuna eſcura,
Sendo ſo prouidencia de Deos pura.

Mas ô que luz tamanha, que abrir ſinto,
Dizia a Ninfa, & a voz aleuantaua,
La no mar de Molinde em ſangue tinto
Das cidades de Lamo, de Oja, & Braua:
Pello Cunha tambem, que nunca extinto
Serâ ſeu nome, em todo o mar que laua
As ilhas do Auſtro, & praias, que ſe chamão
De ſam Lourẽço, & em todo o Sul ſe afamão.

Eſta luz he do fogo, & das luzentes
Armas, com que Albuquerque yra amãſand
De Ormuz os Parſeos, por ſeu mal valentes,
Que refuſam o jugo honroſo & brando:
Ali verão as ſetas estridentes
Reciprocarſe, a ponta no ar virando,
Contra quem as tirou, que Deos paleja
Por quem eſtende a fe da madre Igreja.


Ali do ſal os montes não defendem
De corrupção os corpos no combate,
Que mortos pella praya, & mar ſe eſtendem
De Gerum, de Mozcate, & Calayate:
Ate que a força ſo de braço aprendem
A abaxar a ceruiz, onde ſe lhe ate
Obrigação de dar o reyno inico
Das perlas de Barem tributo rico.

Que glorioſas palmas tecer vejo,
Com que victoria a fronte lhe coroa,
Quando ſem ſombra vaã de medo, ou pejo
Toma a ilha illuſtriſsima de Goa:
Deſpois, obedecendo ao duro enſejo
A deixa, & ocaſião eſpera boa,
Com que a torne a tomar, que esforço & arte
Vencerão a fortuna, & o proprio Marte.

Eis ja ſobrella torna & vây rompendo
Por muros, fogo, lanças, & pilouros,
Abrindo cõ a eſpada o eſpeſſo, & horrendo
Eſquadrão de Gentios, & de Mouros:
Irão ſoldados inclitos fazendo
Mais que Liões famelicos, & Touros,
Na luz que ſempre celebrada & dina
Sera da Egipcia ſancta Caterina.


Nem tu menos fugir poderas deſte,
Poſto que rica, & posto que aſſentada
La no gremio da Aurora, onde naceſte,
Opulenta Malaca nomeada:
As ſetas venenoſas que fizeste,
Os Criſes com que ja te vejo armada,
Malaios namorados, Iaos valentes
Todos faras ao Luſo obedientes.

Mais eſtanças cantâra esta Syrena
Em louuor do illuſtriſsimo Albuquerque,
Mas alembroulhe hũa yra que o condena,
Poſto que a fama ſua o mundo cerque:
O grande capitão, que o fado ordena
Que com trabalhos gloria eterna merque,
Mais ha de ſer hum brando companheiro
Pera os ſeus, que juiz cruel & inteiro.

Mas em tempo que fomes, & aſperezas
Doenças, frechas, & trouoẽs ardentes,
A ſazão, & o lugar fazem cruezas
Nos ſoldados a todo obedientes:
Parece de ſeluaticas brutezas,
De peitos inhumanos & inſolentes,
Dar extremo ſuplicio pella culpa
Que a fraca humanidade & Amor deſculpa.


Não ſerâ a culpa abominoſo inceſto,
Nem violento estupro em virgem pura,
Nem menos adulterio deſoneſto,
Mas cũa eſcraua vil laſciua & eſcura:
Se o peito ou de cioſo, ou de modeſto,
Ou de vſado a crueza fera & dura,
Cos ſeus hũa ira inſana não refrea,
Poẽ na fama alua noda negra & fea.

Vio Alexandre Apeles namorado
Da ſua Campaſpe, & deulha alegremente,
Não ſendo ſeu ſoldado eſprimentado,
Nem vendoſe num cerco duro & vrgente:
Sentia Ciro que andaua ja abraſado
Araſpas, de Pantea em fogo ardente,
Que elle tomara em guarda, & prometia
Que nenhum mao deſejo o venceria.

Mas vendo o Illuſtre Perſa, que vencido
Fora de amor, que em fim não tem defenſa,
Leuemente o perdoa, & foy ſeruido
Delle num caſo grande em recompenſa.
Per força de Iudita foy marido
O ferreo Balduuino, mas diſpenſa
Carlos pay della, poſto em couſas grandes,
Que viua, & pauoador ſeja de Frandes.


Mas proſeguindo a Nimpha o longo canto,
De Soarez cantaua, que as bandeiras
Faria tremolar, & por eſpanto,
Pellas roxas Arabicas ribeiras:
Madina abominabil teme tanto,
Quanto Meca, & Gidâ, coas derradeiras
Prayas de Abaſia: Barborâ ſe teme,
Do mal de que o Emporio Zeila geme.

A nobre ilha tambem de Taprobana,
Ia pello nome antigo tão famoſa,
Quanto agora ſoberba, & ſoberana,
Pella Cortiça calida, cheiroſa,
Della dar â tributo aa Luſitana
Bandeira, quando excelſa, & glorioſa
Vencendo ſe erguerâ na torre erguida,
Em Columbo, dos proprios tam temida.

Tambem Sequeira as ondas Eritreas
Diuidindo, abrirâ nouo caminho,
Pera ti grande Imperio que te arreas
De ſeres de Candace, & Sabâ ninho:
Maçuà com Ciſternas de agoa cheas
Verâ, & o porto Arquico ali vizinho,
E fara deſcobrir remotas ilhas,
Que dão ao mundo nouas marauilhas.


Virâ deſpois Meneſes, cujo ferro
Mais na Africa, que câ terâ prouado:
Caſtigarâ de Ormuz Soberba o erro,
Com lhe fazer tributo dar dobrado:
Tambem tu Gama, em pago do deſterro
Em que eſtâs, & ſerâs inda tornado,
Cos titolos de Conde, & dhonras nobres,
Virâs mandar a terra que deſcobres.

Mas aquella fatal neceſsidade,
De quem ninguems ſe exime dos humanos,
Illuſtrado coa Regia dignidade,
Te tirarâ do mundo & ſeus enganos:
Outro Meneſes logo, cuja ydade
He mayor na prudencia, que nos anos,
Gouernarâ, & farà o ditoſo Henrique,
Que perpetua memoria delle fique.

Não vencerâ ſomente os Malabares,
Deſtruindo Panane, com Coulete,
Cometendo as Bombardas, que nos ares
Se vingão ſo do peito que as comete:
Mas com virtudes certo ſingulares,
Vence os immigos dalma todos ſete,
De cubiça triumpha, & incontinencia,
Que em tal idade he ſuma de excellencia.


Mas deſpois que as estrellas o chamarem,
Socederâs ô forte Mozcarenhas,
E ſe injustos o mando te tomarem,
Prometote que fama eterna tenhas:
Pera teus inimigos confeſſarem
Teu valor alto, o fado quer que venhas
A mandar, mais de palmas coroado,
Que de fortuna juſta acompanhado.

No reino de Bintão, que tantos danos
Terâ a Malaca muito tempo feitos,
Num ſo dia as injurias de mil anos
Vingarâs, co valor de illuſtres peitos,
Trabalhos & perigos inhumanos,
Abrolhos ferreos mil, paſſos estreitos,
Tranqueiras, Baluartes, lanças, Setas,
Tudo fico que rompas & ſometas.

Mas na India cubiça & ambição,
Que claramente poem aberto o rosto
Contra Deos, & Iustiça, te farão
Vituperio nenhum, mas ſo deſgoſto:
Quem faz injuria vil, & ſem rezão
Com forças & poder, em que estâ poſto,
Não vence, que a vitoria verdadeira,
He ſaber ter juſtiça nua, & inteira.


Mas com tudo não nego que Sampayo
Serâ no esforço illuſtre, & aſinalado,
Mostrando ſe no mar hum fero rayo,
Que de inimigos mil verâ qualhado:
Em Bacanôr farâ cruel enſayo
No Malabar, pera que amedrontado
Deſpois a ſer vencido delle venha
Cutiâle, com quanta armada tenha.

E não menos de Dio a fera frota
Que Chaul temerâ de grande & ouſada,
Farâ coa viſta ſo perdida & rota,
Por Heitor da Silueira, & destroçada:
Por Heitor Portugues, de quem ſe nota,
Que na Coſta Cambaica ſempre armada,
Serâ aos Guzarates tanto dano,
Quanto ja foy aos Gregos o Troyano.

A Sampayo feroz ſocederà
Cunha, que longo tempo tem o leme,
De Chale as torres altas erguerâ,
Em quanto Dio illustre delle treme,
O forte Baçaîm ſe lhe darâ,
Não ſem ſangue porem, que nelle geme
Melique, porque a força ſo de eſpada
A tranqueira ſoberba ve tomada.


Tras eſte vem Noronha, cujo Auſpicio
De Dio os Rumes feros afugenta,
Dio que o peito & bellico exercicio
De Antonio da ſilueira bem ſuſtenta:
Farâ em Noronha a morte o vſado officio,
Quando hum teu ramo, ô Gama, ſe eſprimẽta
No gouerno do Imperio, cujo zelo
Com medo o roxo mar farâ amarelo,

Das mãos do teu Eſteuão vem tomar
As redeas hum, que ja ſera illuſtrado
No Braſil, com vencer & caſtigar
O Pirata Frances ao mar vſado:
Deſpois Capitão mor do Indico mar,
O muro de Dâmão ſoberbo & armado,
Eſcala, & primeiro entra a porta aberta
Que fogo & frechas mil terão cuberta.

A eſte o Rey Cambaico ſoberbiſsimo
Fortaleza darà na rica Dio,
Porque contra o Mogor poderoſiſsimo
Lhe ajude a defender o ſenhorio:
Deſpois yrà com peito esforçadiſsimo
A tolher que não paſſe o Rey Gentio,
De Calecu, que aſsi com quantos veyo
O farâ retirar de ſangue cheyo


Deſtroirâ a cidade Repelim,
Pondo o ſeu Rey com muitos em fugida:
E deſpois junto ao Cabo Comorim
Hũa façanha faz eſclarecida,
A frota principal da Samorim,
Que destroir o mundo não duuida,
Vencerâ co furor do ferro & fogo,
Em ſi verâ Beadâla o Morcio jogo.

Tendo aſsi limpa a India dos immigos,
Virâ deſpois com cetro a gouernala,
Sem que ache reſiſtencia, nem parigos,
Que todos tremem delle, & nenhum fala:
So quis prouar os aſperos caſtigos
Baticalâ, que virâ ja Beadala,
De ſangue & corpos mortos ficou chea,
E de fogo & trouoẽs desfeita & fea.

Eſte ſera Martinho, que de Marte
O nome tem coas obras diriuado,
Tanto em armas illuſtre em toda parte,
Quanto em conſelho ſabio & bem cuidado:
Socederlhe ha ali Castro, que o estandarte
Portugues terâ ſempre leuantado,
Conforme ſucceſſor ao ſuccedido
Que hum ergue Dio, outro o defende erguido.


Perſas feroces, Abaſsis & Rumes
Que trazido de Roma o nome tem,
Varios de geſtos, varios de custumes
Que mil naçoẽs ao cerco feras vem
Farão dos ceos ao mundo vãos queixumes
Porque hũs poucos a terra lhe detem,
Em ſangue Portugues juram deſcridos
De banhar os bigodes retorcidos.

Baſiliſcos medonhos & Liões,
Trabucos feros, minas encubertas,
Suſtenta Mozcarenhas cos barões,
Que tam ledos as mortes tem por certas:
Ate que nas mayores opreſſoẽs
Caſtro libertador, fazendo offertas
Das vidas de ſeus filhos, quer que fiquem
Com fama eterna, & a Deos ſe ſacrifiquem.

Fernando hum delles, ramo da alta pranta,
Onde o violento fogo com ruido,
Em pedaços os muros no ar leuanta,
Serâ ali arrebatado, & ao ceo ſubido:
Aluaro quando o inuerno o mundo eſpanta,
E tem o caminho humido impedido,
Abrindoo, vence as ondas, & os perigos,
Os ventos, & deſpois os inimigos.


Eis vem deſpois, o pay, que as ondas corta
Co reſtante da gente Luſitana
E com força & ſaber, que mais importa,
Batalha da felice & ſoberana:
Hũs paredes ſubindo eſcuſam porta,
Outros a abrem, na fera eſquadra inſana,
Feitos farão tão dinos de memoria,
Que não caibão em vêrſo, ou larga hiſtoria.

Este deſpois em campo ſe apreſenta
Vencedor forte & intrepido, ao poſſante
Rey de Cambaya, & a viſta lhe amedrenta
Da fera multidão pradrupedante:
Não menos ſuas terras mal ſuſtenta
O Hydalcham do braço triumphante
Que caſtigando vay Dâbul na coſta
Nem lhe eſcapou Pondâ no ſertão posta.

Estes & outros Baroẽs por varias partes,
Dinos todos de fama & marauilha,
Fazendoſe na terra brauos Martes,
Virão lograr os gostos deſta Ilha:
Varrendo triumphantes eſtandartes
Pellas ondas, que corta a aguda quilha,
E acharão eſtas Nimphas & eſtas meſas,
Que glorias & hõras ſam de arduas empreſas


Aſsi cantaua a Nimpha & as outras todas
Com ſonoroſo aplauſo vozes dauão,
Com que feſtejão as alegres vodas,
Que com tanto prazer ſe celebrauão:
Por mais que da Fortuna andem as rodas
Nũa conſona voz todas ſoauão,
Não vos hão de faltar gente famoſa,
Honra, valor, & fama glorioſa.

Deſpois que a corporal neceſsidade
Se ſatisfez do mantimento nobre,
E na armonia & doce ſuauidade,
Virão os altos feitos, que deſcobre,
Thetis de graça ornada, & grauidade,
Pera que com mais alta gloria dobre,
As festas deſte alegre & claro dia,
Pera o felice Gama aſsi dizia.

Faz te merce barão a Sapiencia
Suprema, de cos olhos corporais
Veres, o que não pode a vã ciencia
Dos errados & miſeros mortais:
Sigueme firme, & forte, com prudencia
Por este monte eſpeſſo, tu cos mais.
Aſsi lhe diz, & o guia por hum mato
Arduo, difficil, duro a humano trato.


Não andão muito que no erguido cume
Se acharão, onde hum campo ſe eſmaltaua,
De Eſmeraldas, Rubis, tais que preſume
A vista, que diuino chão piſaua:
Aqui hum globo vem no ar, que o lume
Clariſsimo por elle penetraua,
De modo que o ſeu centro eſta euidente,
Como a ſua ſuperficia, claramente.

Qual a materia ſeja não ſe enxerga,
Mas enxergaſſe bem que estâ composto
De varios orbes, que a diuina verga
Compos, & hum centro a todos ſo tem poſto:
Voluendo, ora ſe abaxe, agora ſe erga,
Nũca ſergue, ou ſe abaxa, & hũ meſmo roſto
Por toda a parte tem, & em toda a parte
Começa & acaba, em fim por diuina arte.

Vniforme, perſeito, em ſi ſoſtido,
Qual em fim o Archetipo, que o criou:
Vendo o Gama este globo, comouido
De eſpanto & de deſejo ali ficou,
Dizlhe a Deoſa, O traſunto reduzido
Em pequeno volume aqui te dou,
Do mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vas, & yrâs, & o que deſejas.


Ves aqui a grande machina do mundo,
Eterea, & elemental, que fabricada
Aſsi foy do ſaber alto, & profundo,
Que he ſem principio, & meta limitada,
Quem cerca em derredor eſte rotundo
Globo, & ſua ſuperficia tão limada,
He Deos, mas o q̃ he Deos ninguẽ o entende,
Que a tanto o engenho humano não ſe eſtẽde.

Eſte orbe que primeiro vay cercando
Os outros mais pequenos, que em ſi tem,
Que eſtâ com luz tão clara radiando,
Que a vista cega, & a mente vil tambem,
Empireo ſe nomea, onde logrando
Puras ahnas estão de aquelle bem,
Tamanho, que elle ſo ſe entende & alcança,
De quem não ha no mundo ſemelhança.

Aqui ſo verdadeiros glorioſos
Diuos eſtão, porque eu, Saturno & Iano,
Iupiter, Iuno, fomos fabuloſos
Fingidos de mortal & cego engano:
So pera fazer verſos dedeitoſos
Seruimos, & ſe mais o trato humano
Nos pode dar, he ſo que o nome noſſo
Neſtas eſtrellas pos o engenho voſſo.


E tambem porque a ſanta prouidencia,
Que em Iupiter aqui ſe repreſenta,
Por eſpiritos mil, que tem prudencia,
Gouerna o mundo todo, que ſuſtenta:
Inſinalo a prephetica ſciencia,
Em muitos das exemplos, que apreſenta,
Os que ſam bõs, guiando fauorecem,
Os maos, em quanto podem, nos ompecem.

Quer logo aqui a pintura que varîa,
Agora deleitando, ora inſinando,
Darlhe nomes, que a antiga Poeſia
A ſeus Deoſes ja dera, fabulando:
Que os Anjos de celeſte companhia
Deoſes o ſacro verſo eſtâ chamando,
Nem nega que eſſe nome preminente,
Tambem aos maos ſe dà, mas falſamente.

Em fim que o ſumo Deos, que por ſegundas
Cauſas obra no mundo, tudo manda:
E tornando a contarte das profundas
Obras da mão diuina veneranda,
Debaxo deſte circulo onde as mundas
Almas diuinas gozão, que não anda,
Outro corre tam leue & tam ligeiro,
Que não ſe enxerga, he o Mobile primeiro.


Com eſte rapto, & grande mouimento,
Vão todos os que dentro tem no ſeyo,
Por obra deſte, o Sol andando atento
O dia & noite faz, com curſo alheyo:
Debaxo deſte leue anda outro lento,
Tam lento, & ſojugado a duro freyo,
Que em quanto Phebo, de luz nunca eſcaſſo,
Dozentos curſos faz, dâ elle hum paſſo.

Olha estoutro debaxo, que eſmaltado
De corpos liſos anda, & radiantes,
Que tambem nelle tem curſo ordenado,
E nos ſeus axes correm ſcintilantes:
Bem ves como ſe veſte, & faz ornado
Co largo cinto douro, que estellantes
Animais doze traz afigurados,
Apoſentos de Phebo limitados.

Olha por outras partes a pintura,
Que as eſtrellas fulgentes vão fazendo.
Olha a carreta, atenta a Cinoſura,
Andromeda, & ſeu pay, & o drago horrẽdo:
Vê de Caſsiopea a fermoſura,
E do Orionte o geſto turbulento,
Olha o Ciſne morrendo que ſoſpira,
A Lebre, & os Cães, a Nao, & a doce Lira.


Debaxo deſte grande firmamento,
Ves o ceo de Saturno Deos antigo,
Iupiter logo faz o mouimento,
E Marte abaxo bellico inimigo,
O claro olho do ceo no quarto aſſento,
E Venus, que os amores traz conſigo,
Mercurio de eloquencia ſoberana,
Com tres roſtos debaxo vay Diana.

Em todos eſtes orbes, differente
Curſo veras, nũs graue, & noutros leue:
Ora fogem do centro longamente,
Ora da terra eſtão caminho breue,
Bem como quis o padre omnipotente
Que o fogo fez, & o ar, o vento, & neue,
Os quaes veras que jazem mais a dentro,
E tem co mar a terra por ſeu centro.

Neſte centro pouſada dos humanos,
Que não ſomente ouſados ſe contentão
De ſoffrerem da terra firme os danos
Mas inda o mar inſtabil eſprimentão,
Virâs as varias partes, que os inſanos
Mares diuidem, onde ſe apouſentão
Varias nações, que mandão varios Reis,
Varios costumes ſeus, & varias leis.


Ves Europa Chriſtaã mais alta & clara
Que as outras em policia, & fortaleza:
Ves Africa dos bens do mundo auara,
Inculta, & toda chea de bruteza,
Co Cabo que ate qui ſe vos negâra,
Que aſſentou para o Auſtro a natureza:
Olha eſſa terra toda, que ſe habita
Deſſa gente ſem ley, quaſi infinita.

Vé do Benomotapa o grande imperio,
De ſeluatica gente, negra & nua:
Onde Gonçalo morte & vituperio
Padecerâ, polla ſe ſancta ſua:
Nace por aste incognito Hemiſperio
O metâl, por que mais a gente ſua,
Ve que do lago, donde ſe derrama
O Nilo, tambem vindo eſtâ Cuama.

Olha as caſas dos negros, como estão
Sem portas, confiados em ſeus ninhos
Na justiça real, & defenſam,
E na fidelidade dos vizinhos:
Olha delles a bruta multidão
Qual bando eſpeſſo & negro de Estorninhos,
Combaterà em Sofala a fortaleza,
Que defenderâ Nhaya com destreza.


Olha la as alagoas, donde o Nilo
Nace, que não ſouberão os antigos,
velo rega, gerando o Crocodilo,
Os pouos Abaſsis de Chriſto amigos,
Olha como ſem muros (nouo eſtilo)
Se defendem milhor dos inimigos,
Ve Meroe, que ilha foy de antiga fama
Que ora dos naturais Nobâ ſe chama.

Neſta remota terra, hum filho teu
Nas armas coutra os Turcos ſerâ claro,
Ha de ſer dom Chriſtouão o nome ſeu,
Mas contra o fim fatal não ha reparo:
Ve ca a Coſta do mar, onde te deu
Melinde hoſpicio gaſalhoſo & caro
O Rapto rio nota, que o romance
Da terra chama Obî, entra em Quilmance.

O Cabo ve ja Aromâta chamado,
E agora Goardofû dos moradores,
Onde começa a toca do afamado
Mar roxo, que do fundo toma as cores
Este como limite eſta lançado
Que diuide Aſia de Africa, & as milhores
Pouoaçoẽs, que a parte Africa tem
Maçuâ ſam, Arquico, & Suamquem.


Ves o extremo Suez, que antigamente
Dizem que foy dos Heroas a cidade,
Outros dizem qne Arſinoe, & ao preſente
Tem das frotas do Egipto a poteſtade:
Olha as agoas, nas quaes abrio patente
Eſtrada o gram Mouſes na antiga ydade
Aſia começa aqui, que ſe apreſenta
Em terrás grande, em reinos opulenta.

Olha o monte Sinay, que ſe ennobrece
Co ſepulchro de ſancta Caterina,
Olha Toro, & Gidâ, que lhe falece
Agoa das fontes doce, & criſtalina:
Olha as portas do estreito, que fenece
No reyno da ſeca Adem, que confina
Com a ſerra Darzira, pedra viua,
Onde chuua dos Ceos ſe não deriua.

Olha as Arabias tres, que tanta terra
Tomão, todas da gente vaga, & baça,
Donde vem os caualos pera a guerra
Ligeiros, & feroces, de alta raça:
Olha a coſta que corre ate que cerra
Outro eſtreito de Perſia, & faz a traça
O Cabo, que co nome ſe apellida,
Da cidade Fartaque ali ſabida,


Olha Dofar inſigne, porque manda
O mais cheiroſo encenço pera as aras:
Mas atenta ja ca deſtroutra banda
De Roçalgate, & prayas ſempre auaras,
Começa o reyno Ormuz, que todo ſe anda
Pellas ribeiras, que inda ſerão claras
Quando as gales do Turco, & fera armada
Virem de Castel branco nua a eſpada.

Olha o Cabo Aſaboro, que chamado
Agora he Moçandão dos nauegantes.
Por aqui entra o lago, que he fechado
De Arabia, & Perſias terras abundantes.
Atenta a ilha Barem, que o fundo ornado
Tem das ſuas perlas ricas, & imitantes
Aa cor da Aurora: & ve na agoa ſalgada
Ter o Tigris & Eufrates hũa entrada.

Olha da grande Perſia o imperio nobre
Sempre posto no campo, & nos caualos,
Que ſe injuria de vſar fundido cobre,
E de não ter das armas ſempre os calos:
Mas ve a ilha Gerum, como deſcobre
O que fazem do tempo os interualos,
Que da cidade Armuza, que ali eſteue
Ella o nome deſpois, & a gloria teue.


Aqui de dom Felipe de Meneſes
Se mostrarâ a virtude em armas clara,
Quando com muito poucos Portugueſes
Os muitos Parſeos vencerâ de Lara:
Virão prouar os golpes & reueſes
De dom Pedro de Souſa, que prouâra
Ia ſeu braço em Ampaza, que deixada
Terâ por terra a força ſo de eſpada.

Mas deixemos o eſtreito, & o conhecido
Cabo de Iaſque dito ja Carpella,
Com todo o ſeu terreno mal querido
Da natura, & dos dões vſados della,
Carmania teue ja por apelido:
Mas ves o fermoſo Indo, que daquella
Altura nace junto aa qual tambem
Doutra altura correndo o Gange vem.

Olha a terra de Vlcinde fertiliſsima,
E de Iaquete a intima enſeada,
Do mar a enchente ſubita grandiſsima,
E a vazante que foge apreſſurada:
A terra de cambaya ve ríquiſsima,
Onde do mar o ſeo fazmentrada,
Cidades outras mil, que vou paſſando,
A voſoutros aqui ſe estão guardando.


Ves corre a coſta cèlebre Indiana
Pera o Sul, ate o Cabo Comori
Ia chamado Cori, que Taprobana
(Que ora he Ceilão) de fronte tem de ſi:
Por este mar a gente Luſitana
Qua com armas virâ deſpois de ti,
Terâ vitorias terras, & cidades
Nas quaes ham de viuer muitas ydades,

As prouincias, que entre hum & o outro rio
Ves com varias nações, ſam infinitas:
Hum reyno Mahometa, outro Gentio,
A quem tem o Demonio leis eſcriptas:
Olha que de Narſinga o ſenhorio
Tem as reliquias ſanctas & benditas,
Do corpo de Thome, barão ſagrado,
Qut a Ieſu Chriſto teue a mão no lado.

Aqui a cidade foy, que ſe chamaua
Meliapor, fermoſa, grande, & rica:
Os Idolos antigos adoraua:
Como inda agora faz a gente inica:
Longe do mar naquelle tempo eſtaua:
Quando a fe, que no mundo ſe pubrica,
Thome vinha prègando, & ja paſſàra
Prouincias mil do mundo, que inſinàra.


Chegado aqui prègando, & junto dando
A doentes ſaude, a mortos vida
A caſo traz hum dia o mar vagando,
Hum lenho de grandeza deſmedida:
Deſeja o Rey, que andaua edificando,
Fazer delle madeira, & não duuida
Poder tiralo a terra compoſſantes
Forças dhomẽs, de engenhos de Aliphantes.

Era tão grande o peſo do madeiro
Que ſo pera abalarſe, nada abaſta,
Mas o nuncio de Christo verdadeiro,
Menos trabalho em tal negocio gaſta:
Ata o cordão que traz por derradeiro
No tronco, & facilmente o leua & arraſta
Pera onde faça hum ſumptuoſo templo,
Que ficaſſe aos futuros por exemplo.

Sabia bem que ſe com fe formada
Mandar a hum monte ſurdo, que ſe moua,
Que obedecerà logo aa voz ſagrada,
Que aſsi lho inſinou Chriſto, & elle o proua:
A gente ficon diſto aluoroçada,
Os Bramenes o tem por couſa noua,
Vendo os milagres, vendo a ſantidade,
Hão medo de perder autoridade.


Sam estes ſacerdotes dos Gentios,
Em quem mais penetrado tinha enueja,
Buſcão maneiras mil, buſcão deſuios
Com que Thome não ſe ouça, ou morto ſeja:
O principal, que ao peito traz os fios,
Hum caſo horrendo faz, que o mundo veja
Que inimiga não ha tão dura, & fera,
Como a virtude falſa da ſincera.

Hum filho proprio mata, & logo acuſa
De homecidio Thome, que era innocente
Dâ falſas teſtemunhas, como ſe vſa
Condenarã no a morte breuemente:
O Santo que não vè milhor eſcuſo,
Que apellar pera o Padre omnipotente,
Quer diante do Rey, & dos ſenhores,
Que ſe faça hum milagre dos mayores.

O corpo morto manda ſer trazido
Que reſucite, & ſeja perguntado,
Quem foy ſeu matador, & ſerâ crido
Por teſtemunho o ſeu mais aprouado:
Viram todos o moço viuo erguido
Em nome de Ieſu crucificado,
Dâ graças a Thome, que lhe deu vida
E deſcobre ſeu pay ſer homicida.


Este milagre fez tamanho eſpanto,
Que o Rey ſe banha logo na ago ſanta,
E muitos apos elle, hum beija o manto
Outro lauuor do Deos de Thome canta:
Os Bramenes ſe encherão de odio tanto,
Com ſeu veneno os morde enueja tanta,
Que perſuadindo a iſſo o pouo rudo,
Determinão matalo em fim de tudo.

Hum dia que prègando ao pouo estaua,
Fingirão entre a gente hum arroido,
Ia Christo neſte tempo lhe ordenaua,
Que padecendo foſſe ao Ceo ſubido:
A multidão das pedras, que voaua,
No Santo dâ ja a tudo offerecido,
Hum dos maos por fartarſe mais de preſſa,
Com crua lança o peito lhe atraueſſa.

Chorarão te Thome, o Gange & o Indo,
Choroute toda a terra que piſaſte,
Mais te chorão as almas, que veſtindo
Se yão da ſancta Fe, que lhe inſinaſte:
Mas os Anjos do ceo cantando, & rindo,
Te recebem na gloria que ganhaſte,
Pedimos te, que a Deos ajuda peças,
Com que os teus Luſitanos fauoreças.


E voſoutros que os nomes vſurpais
De mandados de Deos, como Thome,
Dizey ſe ſois mandados, como estais
Sem yrdes a pregar a ſancta fe?
Olhay que ſe ſois Sal, & vos danais
na patria, onde Propheta ninguem he,
Com que ſe ſalgarão em noſſos dias
(Infieis deixo) tantas Hereſias?

Mas paſſo esta materia perigoſa,
E tornemos aa coſta debuxada,
Ia com eſta cidade tão famoſa,
Se faz curua a Gangetica enſeada,
Corre Narſinga rica, & poderoſa,
Corre Orixa de roupas abaſtada,
No fundo da enſeada o illustre rio
Ganges vem ao ſalgado ſenhorio.

Ganges, no qual os ſeus habitadores
Morrem banhados, tendo por certeza,
Que inda que ſejão grandes peccadores,
Eſta agoa ſancta os laua, & da pureza:
Ve Chatigão cidade das milhores
De Bengala prouincia, que ſe preza
De abundante, mas olha que eſtâ poſta
Pera o Auſtro daqui virada a coſta.


Olha o reyno Arracão, olha o aſſento
De Pegu, que ja mõſtros pouoarão,
Mõſtros filhos do feo ajuntamento
Dhũa molher & hum cão, que ſos ſe acharão:
Aqui ſoante Arame no inſtromento
Da geração cuſtumão, o que vſarão
Por manha da Raynha, que inuentando
Tal vſo, deitou fora o error nefando.

Olha Tauay cidade, onde começa
De Sião largo o imperio tão comprido,
Tenaſſarâ, Quedâ, que he ſo cabeça
Das que Pimenta ali tem produzido:
Mais auante fareis que ſe conheça
Malaca, por Emperio ennobrecido,
Onde toda a prouincia do mar grande,
Suas mercadorias ricas mande.

Dizem que deſta terra coas poſſantes
Ondas o mar entrando diuidio,
A nobre Ilha Samatra, que ja dantes
Iuntas ambas a gente antiga vio:
Cherſoneſo foy dita, & das prestantes
Veas douro, que a terra produzio,
Aurea por epitheto lhe ajuntarão,
Alguns que foſſe Ophir ymaginarão.


Mas na ponta da terra Cingapura
Veras, onde o caminho aas naos ſe eſtreita,
Daqui tornando a Costa aa Cynoſura
Se encurua, & pera a Aurora ſe endereita:
Ves Pam, Patane, reinos, & a longura
De Syão que eſtes & outros mais ſugeita
Olha o rio Menão, que ſe derrama
Do grande lago que Chiamay ſe chama.

Ves neſte grão terreno os differentes
Nomes de mil nações nunca ſabidas,
Os Laos em terra & numero potentes,
Auâs, Bramàs, por ſerras tão compridas:
Ve nos remotos montes outras gentes
Que Gueos ſe chamão de ſeluages vidas,
Humana carne comem, mas a ſua
Pintão com ferro ardente, vſança crua:

Ves paſſa por Camboja Mecom Rio,
Que capitão das agoas ſe interpreta,
Tantas recebe doutro ſo no eſtio,
Que alaga os campos largos, & inquieta,
Tem as enchentes quaes o Nilo frio,
A gente delle crè como indiſcreta,
Que pena & gloria tem deſpois de morte
Os brutos animais de toda ſorte.


Eſte receberâ placido & brando,
No ſeu regaço os Cantos, que molhados
Vem do naufragio triſte, & miſerando,
Dos proceloſos baxos eſcapados:
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Serâ o injuſto mando executado
Naquelle, cuja Lira ſonoroſa,
Será mais affamada que ditoſa.

Ves corre a coſta que Champà ſe chama,
Cuja mata he do pao cheiroſo ornada,
Ves Cauchichina eſtâ de eſcura fama,
E de Ainão ve a incognita enſeada,
Aqui o ſoberbo imperio, que ſe afama
Com terras, & riqueza não cuidada,
Da China corre, & ocupa o ſenhorio
Deſdo Tropico ardente ao Cinto frio.

Olha o muro, & edificio nunca crido,
Que entre hum imperio & o outro ſe edifica,
Certiſsimo ſinal, & conhecido,
Da potencia real, ſoberba, & rica:
Eſtes o Rey que tem não foy nacido
Princepe, nem dos pais aos filhos fica
Mas elegem aquelle que he famoſo
Por caualeiro ſabio & virtuoſo.


Inda outra muita terra ſe te eſconde,
Ate que venha o tempo de moſtrar ſe,
Mas não deixes no mar as Ilhas, onde
A natureza quis mais affamarſe:
Eſta mea eſcondida que reſponde
De longe aa China donde vem buſcarſe,
He Iapão, onde nace a prata fina,
Que illustrada ſerà coa Ley diuina.

Olha ca pellos mares do Oriente
As infinitas Ilhas eſpalhadas
Ve Tidore, & Tarnate, co feruente
Cume, que lança as flamas ondeadas
As aruores verâs do Crauo ardente,
Co ſangue Portugues inda compradas,
Aqui ha as aureas aues, que não decem
Nunca a terra, & ſo mortas aparecem.

Olha de Banda as Ilhas, que ſe eſinaltão
Da varia cor, que pinta o roxo fruto,
As aues variadas, que ali faltão,
Da verde Noz tomando ſeu tributo:
Olha tambem Bornèo, onde não faltão
Lagrimas, no licor qualhado, & enxuto,
Das aruores, que Cânfora he chamado,
Com que da Ilha o nome he celebrado.


Ali tambem Timor, que o lenho manda
Sàndalo ſalutifero, & cheiroſo,
Olha a Sunda tão larga, que hũa banda
Eſconde pera o Sul difficultoſo:
A gente do Sertão, que as terras anda,
Hum rio diz que tem miraculoſo,
Que por onde elle ſo ſem outro vae,
Conuerte em pedra o pao que nelle cae:

Ve naquella que o tempo tornou Ilha,
Que tambem flamas tremulas vapôra,
A fonte que oleo mana, & a marauilha
Do cheiroſo licor, que o tronco chora,
Cheiroſo mais que quanto eſtila a filha
De Cyniras, na Arabia onde ella mora,
E ve que tendo quanto as outras tem,
Branda ſeda & fino ouro dà tambem.

Olha em Ceilão, que o monte ſe aleuanta
Tanto, que as nuuẽs paſſa, ou a viſta engana,
Os naturaes o tem por couſa ſancta,
Polla pedra onde eſtâ a pègada humana:
Nas ilhas de Maldiua nace a prama
No profundo das agoas ſoberana,
Cujo pomo contra o veneno vrgente
He tido por Antidoto excelente.


Verâs de fronte eſtar do roxo eſtreito
Socotorâ co amaro Aloe famoſa,
Outras ilhas no mar tambem ſogeito
A vos, na coſta de Affrica arenoſa,
Onde ſae do cheiro mais perfeito
A maſſa ao mundo occulta, & precioſa,
De ſam Lourenço ve a Ilha afamada,
Que Madagaſcar he dalguũs chamada.

Eis aqui as nouas partes do Oriente,
Que voſoutros agora ao mundo dais,
Abrindo a porta ao vaſto mar patente,
Que com tão forte peito nauegais:
Mas he tambem razão, que no Ponente
Dhum Luſitano hum feito inda vejais,
Que de ſeu Rey moſtrando ſe agrauado
Caminho ha de fazer nunca cuidado.

Vedes a grande terra que contina
Vay de Caliſto ao ſeu contrario polo,
Que ſoberba a farâ a luzente mina
Do metal, que a cor tem do louro Apolo,
Caſtella voſſa amiga ſerà dina
De lançarlhe o colar ao rudo colo,
Varias prouincias tem de varias gentes
Em ritos & cuſtumes differentes.


Mas ca onde mais ſe alarga, ali tereis
Parte tambem co pao vermelho nota,
De Sancta Cruz o nome lhe poreis,
Deſcobrila ha a primeira voſſa frota:
Ao longo deſta coſta que tereis
Yrâ buſcando a parte mais remota
O Magalhães, no feito com verdade
Portugues, porem não na lealdade.

Deſque paſſar a via mais que mea,
Que ao Antartico polo vay da linha,
Dhũa eſtatura quaſi Gigantea
Homẽs verâ, da terra ali vizinha:
E mais auante o eſtreito, que ſe arrea
Co nome delle agora, o qual caminha
Pera outro mar, & terra que fica onde
Com ſuas frias aſas o Auſtro a eſconde.

Ate qui, Portugueſes, concedido
Vos he ſaberdes os futuros feitos,
Que pello mar, que ja deixais ſabido,
Virão fazer barões de fortes peitos:
Agora, pois que tendes aprendido
Trabalhos, que vos fação ſer aceitos
Aas eternas eſpoſas, & fermoſas,
Que coroas vos tecem glorioſas.


Podeis vos embarcar, que tendes vento
E mar tranquilo pera a patria amada:
Aſsi lhe diſſe, & logo mouimento
Fazem da Ilha alegre, & namorada:
Leuão refreſco, & nobre mantimento,
Leuão a companhia deſejada,
Das Nimphas que ham de ter eternamente,
Por mais tempo que o Sol o mundo aquente.

Aſsi forão cortando o mar ſereno,
Com vento ſempre manſo, & nunca yrado,
Ate que ouuerão viſta do terreno
Em que nacerão, ſempre deſejado:
Entrarão pella foz do Tejo ameno,
E a ſua patria, & Rey temido & amado,
O premio & gloria dão, porque mandou
E com titolos nouos ſe illuſtrou.

No mais Muſa, no mais, que a Lira tenho
Deſtemparada, & a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente ſurda, & endurecida:
O fauor com que mais ſe acende o engenho,
Não no dâ a patria não, que esta metida,
No goſto da cubiça, & na rudeza
Dhũa auſtera, apagada, & vil triſteza.


E não ſey porque influxo de deſtino
Não tem hum ledo orgulho, & geral gosto,
Que os animos leuanta de contino,
A ter pera trabalhos ledo o roſto:
Por iſſo vos ò Rey, que por diuino
Conſelho eſtais no regio ſolio poſto,
Olhay que ſois (& vede as outras gentes)
Senhor ſo de vaſſallos excellentes.

Olhay que ledos vão, por carias vias,
Quaes rompentes liões, & brauos touros,
Dando os corpos a fomes, & vigias,
A ferro, a fogo, a ſetas, & pilouros:
A quentes regiões, a plagas frias,
A golpes da Idolatras, & de Mouros,
A perigos incognitos domundo,
A naufragios, a pexes, ao profnndo:

Por vos ſeruir a tudo aparelhados,
De vos tam longe ſempre obedientes,
A quaeſquer voſſos aſperos mandados,
Sem dar reposta promptos & contentes,
So com ſaber que ſam de vos olhados,
Demonios infernais, negros & ardentes,
Cometerão conuoſco, & não duuido
Que vencedor vos fação, não vencido.


Fauoreceyos logo, & alegrayos
Com a preſença, & leda humanidade,
De riguroſas leis deſaliuayos,
Que aſsi ſe abre o caminho aa ſanctidade:
Os mais eſprimentados leuantayos,
Se com a eſperiencia tem bondade,
Pera voſſo concelho, pois que ſabem
O como, o quando, & onde as couſas cabem.

Todos fauorecei em ſeus officios,
Segundo tem das vidas o talento,
Tenhão Religioſos exercicios
De rogarem por voſſo regimento,
Com jejuns, deſciplina, pellos vicios
Comuns, toda ambição terão por vento,
Que o bom Religioſo verdadeiro,
Gloria vaã não pretende nem dinheiro.

Os Caualeiros tende em muita eſtima,
Pois com ſeu ſangue intrepido & feruente,
Eſtendem não ſomente a ley de cima,
Mas inda voſſo imperio preeminente:
Pois aquelles que a tão remoto clima
Vos vão ſeruir com paſſo diligente,
Dous inimigos vencem, hũs os viuos,
(E o que he mais) os trabalhos exceſsiuos.


Fazey ſenhor que nunca os admirados
Alemães, Galos, Italos, & lngleſes
Poſſam dizer que ſam pera mandados,
Mais que pera mandar os Portugueſes:
Tomay conſelho ſo deſprimentados,
Que virão largos anos, largos meſes,
Que poſto que em cientes muito cabe,
Mais em particular o experto ſabe.

De Phormião Philoſopho elegante
Vereis como Anibal eſcarnecia,
Quando das artes bellicas diante
Delle com larga voz trataua & lia:
A diſciplina militar preſtante
Não ſe aprende ſenhor na fantaſia
Sonhando, imaginando, ou eſtudando,
Se não vendo, tratando, & pelejando.

Mas eu que falo humilde, baxo, & rudo
De vos não conhecido, nem ſonhado?
Da boca dos pequenos ſey com tudo,
Que o lauuor ſae as vezes acabado,
Nem me falta na vida honesto eſtudo
Com longa eſperiencia misturado,
Nem engenho, que aqui vereis preſente,
Couſas que juntas ſe achão raramente.

Pera ſeruiruos braço aas armas feito,
Pera cantaruos mente aas Muſas dada,
So me falece ſer a vos aceito,
De quem virtude deue ſer prezada:
Se me iſto o ceo concede, & o voſſo peito
Dina empreſa tomar de ſer cantada,
Como a preſaga mente vaticina,
Olhando a voſſa inclinação diuina.

Ou fazendo que mais que a de Meduſa,
A viſta voſſa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos da Ampeluſa
Os muros de Marrocos & Trudante,
A minha ja eſtimada & leda muſa,
Fico, que em todo o mundo de vos cante,
De ſorte que Alexandro em vos ſe veja,
Sem aa dita de Achiles ter enueja.


FIM.