Os arlequins (ortografia atualizada)
Que deviendras dans l’éternité l’âme d’un
homme qui a fait Polichinelle toute sa vie?
(M.me de Stael)
Musa, depõe a lira!
Cantos de amor, cantos de glória esquece!
Novo assunto aparece
Que o gênio move e a indignação inspira.
Esta esfera é mais vasta,
E vence a letra nova a letra antiga!
Musa, toma a vergasta,
E os arlequins fustiga!
Como aos olhos de Roma,
— Cadáver do que foi, pávido império
De Caio e de Tibério,
O filho de Agripina ousado assoma;
E a lira sobraçando,
Ante o povo idiota e amedrontado,
Pedia, ameaçando,
O aplauso acostumado;
E o povo que beijava
Outrora ao deus Calígula o vestido,
De novo submetido
Ao régio saltimbanco o aplauso dava.
E tu, tu não te abrias,
Ó céu de Roma, à cena degradante!
E tu, tu não caías,
Ó raio chamejante!
Tal na história que passa
Neste de luzes século famoso,
O engenho portentoso
Sabe iludir a néscia populaça;
Não busca o mal tecido
Canto de outrora; a moderna insolência
Não encanta o ouvido,
Fascina a consciência!
Vede; o aspecto vistoso,
O olhar seguro, altivo e penetrante,
E certo ar arrogante
Que impõe com aparências de assombroso;
Não vacila, não tomba,
Caminha sobre a corda firme e alerta:
Tem consigo a maromba
E a ovação é certa.
Tamanha gentileza,
Tal segurança, ostentação tão grande,
A multidão expande
Com ares de legítima grandeza.
O gosto pervertido
Acha o sublime neste abatimento,
E dá-lhe agradecido
O louro e o monumento.
Do saber, da virtude,
Logra fazer, em prêmio dos trabalhos,
Um manto de retalhos
Que a consciência universal ilude.
Não cora, não se peja
Do papel, nem da máscara indecente,
E ainda inspira inveja
Esta glória insolente!
Não são contrastes novos;
Já vem de longe; e de remotos dias
Tornam em cinzas frias
O amor da pátria e as ilusões dos povos.
Torpe ambição sem peias
De mocidade em mocidade corre,
E o culto das idéias
Treme, convulsa e morre.
Que sonho apetecido
Leva o ânimo vil a tais empresas?
O sonho das baixezas:
Um fumo que se esvai e um vão ruído;
Uma sombra ilusória
Que a turba adora ignorante e rude;
E a esta infausta glória
Imola-se a virtude.
A tão estranha liça
Chega a hora por fim do encerramento,
E lá soa o momento
Em que reluz a espada da justiça.
Então, musa da história,
Abres o grande livro, e sem detença
À envilecida glória
Fulminas a sentença.
Nota do Autor
[editar]Esta poesia foi recitada no Clube Fluminense, num sarau literário. Pareceu então que eu fazia sátira pessoal. Não fiz. A sátira abrange uma classe que se encontra em todas as cenas políticas, — é a classe daqueles que, como se exprime um escritor, depois de darem ao povo todas as insígnias da realeza, quiseram completar-lha, fazendo-se eles próprios os bobos do povo.