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Os ciganos

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A Jose Veríssimo

Um adia, ao fim de incomoda jornada,
De uma longa jornada por mim feita,
Com perigos não menos do que danos,
Ao crepúsculo vi, na volta estreita
De sinuosa estrada,
Três farrapados, míseros ciganos.

Um ─ de viola amiga, unida ao peito,
Dedilhando as corda, indolente,
Tirava brandos sons... Que ar satisfeito!
No seu moreno rosto, que o poente
De rubra e vigorosa cor tingia!

Outro ─ aspirando o seu cachimbo, ocioso,
Nas aspirais do fumo azul deixava
Pascerem-se-lhe os olhos, descuidoso...
E tinha, entre farrapos, o ar tranqüilo,
O ar de quem de mais nada precisava,
O de quem para bastava aquilo.

Dormia o ultimo à sombra da ramagem,
E sobre a oscilar ─ quadro risonho! ─
Pendia um par de címbalos que a aragem
Ressonava ao passar, leve e fugace...
Também a doce aragem de algum sonho
Pelo seu coração talvez passasse...

Os três ciganos míseros... Que digo?
Míseros somos nós; mísero o louco,
Como eu ou tu, amigo,
Que, tendo em muito o que eles têm em pouco,
Em pós de um sonho vão em vão se cansa.
Qual! nem esse apetite imoderado
De gloria e de fortuna;
Nem viver da saudade e da esperança;
Nem rever o passado,
Ou prever o futuro a alma conforta.

Antes pela existência andar à tuna:
Sono, viola e fumo, e ao Deus dará...
O que passou, já lá se foi ─ que importa? ─
E o que há de vir, por sua vez virá!
Para a dor de viver, que nos devasta
E que o beijo nenhum de amor consola,
Os ciganos fizeram-me sentir,
Que, das três coisas, uma só nos basta:
Tocar viola, fumar cachimbo, ou dormir.