Os cinco sonhos (edição de 1877)
Andando um dia Carlos Magno á caça com uma comitiva numerosa, perseguiu um veado, que dava taes saltos, e corria por tal fórma, que, apesar da ligeireza do seu cavallo, o rei perdeu-lhe completamente a pista. Foi só então que viu que estava só, tendo a sua côrte ficado muito para traz; sentindo-se fatigado, entrou ao cair da noite n'uma choupana solitaria no meio da floresta. Em roda da lareira estavam deitados quatro ladrões. Os salteadores levantaram-se logo, como despertados pelo barulho da entrada do viajante; cada um d'elles tinha tido um sonho, que lhe quizeram logo contar.
O primeiro que tomou a palavra exprimiu-se d'esta maneira:
— No meu sonho, tirava eu o capacete d'ouro á pessoa que acaba de entrar aqui, e punha-o na minha cabeça.»
— Eu, disse o outro, sonhei que vestia a sua couraça.»
— E eu que estava pondo o seu manto.»
— E eu, disse o quarto ladrão, para lhe fazer favor, passava em roda do meu pescoço aquella pesada cadeia d'ouro, da qual está pendurada a sua trompa de caça.»
— Vejo bem, disse o imperador, que teem tenção de me roubar tudo, e mesmo a vida. Reconheço que estou em poder de vocês, e que toda e qualquer resistencia seria inutil. Não lhes peço senão uma cousa, é que me deixem tocar pela ultima vez na minha trompa de caça.»
Os salteadores responderam que consentiam, visto que o ultimo pedido d'um moribundo deve ser respeitado.
Carlos Magno levou á boca a sua magnifica trompa de marfim, e tirou d'ella sons tão fortes e sonoros, que em menos d'alguns minutos todos os seus companheiros de caça e a sua comitiva estavam ao pé d'elle.
— Agora, disse o imperador, dirigindo-se aos salteadores, agora tambem eu devo contar o sonho que tive. Sonhei que vocês todos iam ser enforcados diante d'este casebre.»
E o sonho realisou-se immediatamente.