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Os descobrimentos portuguezes e os de Colombo/VI

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VI

Queda das barreiras da zona torrida e primeira exploração do Atlantico


Qual era o ponto de vista do infante, quando começou a dirigir para o sul as expedições? Era simples: Eratosthenes déra á Africa a fórma de um trapezio, sendo o lado septentrional banhado pelo Mediterraneo, o oriental pelo Nilo, o meridional pelo mar desconhecido, o occidental pelo Atlantico. Este lado era o mais pequeno. Pouco abaixo do estreito de Gibraltar a costa voltava para SSE, e ia juntar-se com a costa oriental. Era esta a doutrina geralmente admittida, e assim se representa a Africa na maior parte dos mappas medievaes. Outros, porém, seguiam a doutrina de Ptolomeu que prolongou a Africa, alargando-a na base: e então imaginavam uma costa ficticia ao sul que ligava entre si a Africa Oriental e a Occidental, mas parando em todo o caso para aquem do Equador, porque a zona torrida era sempre considerada inhabitavel, e para além da zona torrida ficava, segundo a theoria de Ptolomeu, a terra antichthona.

Deu isso origem a que corresse a lenda do famoso mappa trazido pelo infante D. Pedro de Veneza, e em que estava traçado o cabo da Boa Esperança, e suppõe-se tambem que o estreito de Magalhães! A confusão é curiosa. O mappa que deu logar a essa lenda é um mappa já posterior aos primeiros descobrimentos dos Portuguezes, representa a Africa terminando n’uma ponta a que dá o nome de cabo de Diab, mas esse cabo está separado do continente africano por um estreito, onde havia, dizia a legenda, a treva absoluta. Parecia que era esse canal a ultima reliquia, que procurava sobreviver ainda, do mar Tenebroso.

Parecia-se esse estreito com o estreito de Magalhães, e, da mesma fórma que muitos confundiram a terra antichthona com a America, para lá lhe passaram o imaginario canal do sul da Africa.

Humboldt, que tão facilmente acceita o que pode redundar em nosso desfavor, ao passo que regeita tudo o que possa redundar em desfavor de Colombo, Humboldt, que não trata de saber se a Guiné a que chegou Bethencourt é a Guiné que os Portuguezes descobriram depois, apesar de acautellar os seus leitores contra os erros que podem resultar da confusão de nomes identicos que se davam a regiões muito diversas, tambem d’esta vez, reconhecendo que os mappas de Toscanelli, onde todos dirão que se encontram as Antilhas descobertas por Colombo, são mappas perfeitamente conjecturaes, não hesita em acceitar o mappa conjectural de fra Mauro, em que vem o Cabo de Diab, como mappa baseado em conhecimentos positivos.[1] E comtudo fra Mauro nas indicações que acompanham o seu mappa, feito em 1454, é o primeiro a reconhecer os serviços dos Portuguezes, e a declarar que d’estes recebeu muitos mappas, que lhe tinham servido para a elaboração do seu.

«Muitos pretenderam, diz elle, e grande numero escreveram que este mar (o Atlantico) não pode ser torneado, nem navegado, nem ter habitantes nas suas praias como a nossa zona temperada e habitada; mas é agora de toda a evidencia que se pode sustentar uma opinião contraria, principalmente porque os Portuguezes que o rei de Portugal mandou a bordo das suas caravellas para verificarem este facto, referiram, depois de se terem certificado elles mesmos, que tinham explorado esse continente pelo espaço de mais de duas mil milhas desde o sudoeste do estreito de Gibraltar, que em toda a parte os recifes da costa não são perigosos, que as sondas são boas, que a navegação é facil, sendo as tempestades mesmo pouco perigosas. Elles levantaram cartas d’estas regiões e deram nomes aos rios, bahias, cabos e portos. Possúo um grande numero de borrões ou esboços d’essas cartas».[2] Accrescenta elle, porém, que nenhuma d’essas cartas resolvia a grande questão de se saber-se se podia fazer a circumnavegação da Africa!

É fra Mauro que o diz, no proprio mappa, que prova, segundo Humboldt imagina, que o cabo da Boa Esperança era conhecido mais de quarenta annos antes de Bartholomeu Dias o dobrar!

Não se vê porém que a emenda conjectural nos mappas antigos é aqui evidente? Já estão os Portuguezes a duas mil milhas do estreito de Gibraltar, e a costa africana não volta bruscamente para leste. Não é bem natural suppor a probabilidade de terminar a Africa em ponta, visto que a occidental se dirige para SE, como a oriental se dirige para SO? Como o proprio Humboldt affirma e faz notar, depois dos descobrimentos os cartographos não se limitavam a inseril-os, mas accrescentavam ás regiões descobertas os seus complementos conjecturaes. E tanto assim é que, ao lado do cabo em que a sua phantasia roçou pela verdade, poz um estreito que não existia, que, depois de ter imaginado a Africa torneavel, continúa a dizer que não sabe-se se poderá tornear, e que, ao passo que fundamenta nas descobertas portuguezas a sua descripção da Africa Occidental, nada diz de quaesquer viagens que tivessem podido esclarecel-o ácerca da fórma que podia dar á Africa meridional!

Nada ha mais estranho do que o que succede com os Portuguezes n’esta questão dos descobrimentos. Quando elles os fazem, toda a Europa os applaude, affluem a Portugal aventureiros que querem tomar parte nas nossas expedições, e navegar nas nossas caravelas. Ninguem se lembra de dizer que já sulcaram esses mares, ou que já foram a essas terras. Os Normandos, longe de fallarem em pretenções suas, aconselham a quem queira fazer expedições para esses lados que tome pilotos em Portugal, porque aqui os encontra sabendo bem aquellas derrotas. Os papas concedem-nos o dominio d’essas terras baseado nos direitos de primeiro occupante, os reis de França e de Hespanha, tão ciosos das suas pretenções, reconhecem esse direito sem a minima objecção e até castigam os seus subditos que tentam violal-o, os navegadores de toda a Europa, os taes que nos tinham precedido, o que fazem é tentar surrateiramente seguir-nos e apanhar aos nossos pilotos, comprando-os muitas vezes, os segredos da derrota, os cosmographos e os cartographos com os nossos viajantes mantêem relações seguidas, e nas suas relações e nos seus mappas se baseiam para traçar o que já está descoberto e para conjecturar o que não está; tão corrente é na Europa a historia das navegações portuguezas que, estando ainda bem fresca a memoria d’essas primeiras aventuras do mar, e tendo Colombo residido nas ilhas descobertas pelos Portuguezes, allega, quando na sua primeira viagem se quer guiar pelo vôo dos passaros, que foi assim que os Portuguezes descobriram as suas ilhas,[3] e D. Henrique chama para Sagres o cartographo malhorquino Jayme, e comtudo os seus escudeiros ufanam-se de terem descoberto o Rio do Oiro, e com elles se regosija o infante e se regosija o cartographo, sem que este se lembre de allegar que já por um seu patricio, ou por um seu parente, ou por elle mesmo, talvez, como chega a suppor o sr. D. Cesario Fernandez Duro, esse rio fôra descoberto![4] E seculos depois é que apparecem as estultas pretensões de se querer demolir essa gloria toda em proveito de um desconhecido, mas baseadas em tão frivolos argumentos que bastou que o visconde de Santarem passasse uma revista á cartographia da meia edade, ás suas chronicas, aos seus documentos, aos seus tratados e aos seus livros de sciencia, para que a inanidade de semelhantes affirmações se apresentasse com uma evidencia esmagadora!

Vão pois os navegadores portuguezes caminho da India que é desde o principio o alvo dos seus esforços. Contam que, antes de chegar ao Equador, voltarão para leste, e ha uma coisa só de que n’esse momento D. Henrique duvida, é que o mar das Indias seja um mar mediterraneo. Se o acreditasse, como bem diz Humboldt, não faria a tentativa. Antes, porém, de se aventurarem para além do cabo Bojador, encontram Gonçalves Zarco e Tristão Teixeira Porto Santo e a Madeira, Gonçalo Velho Cabral os Açores.

Muitas vezes os pescadores portuguezes poderiam ter encontrado algumas d’essas ilhas, e possivel era tambem que os nossos navios commandados pelos pilotos genovezes que D. Diniz chamára a Portugal, tivessem arribado a esses archipelagos. Eu mesmo já acceitei um pouco essas doutrinas sustentadas por Major, e a que dava certa apparencia de verdade o modo como Azurara conta o descobrimento. Fil-o, porém, antes de ter estudado mais profundamente a cartographia da meia edade, antes de ter visto como esses cartographos conheciam os phantasticos archipelagos do Oceano Atlantico, e fixavam nos seus mappas as ilhas de S. Brandão, da Antilia, das Almas, do Purgatorio, sonhadas pela imaginação celtica dos povos occidentaes da Europa. Não navegaram os Portuguezes n’um Oceano que imaginavam deserto, mas sim n’um Oceano onde as ilhas pullulavam. Quando a alguma chegavam, não suppunham tel-a descoberto, mas tel-a simplesmente encontrado. Depois de terem descoberto todas, ainda continuaram a procural-as, e hoje mesmo ainda na Madeira se suppõe que a ilha das Sete Cidades se tem conservado escondida, longe das estradas maritimas, por traz de alguma dobra do ainda mysterioso Oceano.

Essa ingenuidade portugueza, que serviu depois para os seus detractores, manifesta-se tambem na exploração das costas africanas. Nenhum navegador suppõe que chega a terra desconhecida. Todos imaginam que não fazem senão encontrar terras cuja existencia não era ignorada pela sapientissima antiguidade. Os nomes de Ptolomeu, de Strabão, de Eratosthenes, de Plinio, de Pomponio Mela e de Solino continuam a ser nomes oraculares para aquelles que estão demolindo o castello de cartas da sua vã e ephemera sciencia. Marco Polo está sendo tambem um dos seus idolos. Chegando ao Senegal julgam ter encontrado o Nilo dos Negros, porque estão ainda convencidos da verdade da velha doutrina, que separa o Nilo em dois grandes braços, um dos quaes se dirige para o Atlantico e o outro para o Mediterraneo. O que os espanta e ao mesmo tempo os exalta é o não encontrarem monstros, as ondas tenebrosas, os montes ardentes, toda a guarda avançada da implacavel zona torrida. Para que primeiro arcassem com esses receios foi necessaria toda a energia do infante D. Henrique, mas a pouco e pouco foram-se familiarisando com esses mares que tão terriveis se suppunham anteriormente, e eram elles que davam a fra Mauro as informações tranquillisadoras que elle insere nas annotações ao seu planispherio.

No ponto de vista em que nós nos collocamos, e que suppomos ser absolutamente verdadeiro, quer dizer desde o momento que sustentamos que o serviço immorredouro que Portugal prestou á civilisação e á sciencia foi o ter demolido a noção consagrada da zona torrida inhabitavel, e que a prova de sobre-humana audacia que os Portuguezes déram foi a de transpor sem hesitação os limites d’essa zona torrida, percebe-se que nos seria completamente indifferente que se provasse que navegadores estrangeiros tinham precedido os nossos nos mares que ficam para além do Bojador. Isso não faria senão levar um pouco mais adeante o ponto de partida das expedições portuguezas indubitavelmente gloriosissimas, e cuja honra Humboldt confessa que nos cabe sem contestação, as expedições á região equatorial.[5] Mas a verdade irrefragavel é que esse limite, que os Portuguezes transpozeram, foi sem duvida alguma o cabo Bojador. Como Humboldt nota, com perfeita razão, o horizonte geographico vae-se alargando a pouco e pouco, e a verdade é que, uma vez ampliado, não se estreita de novo. Para o lado do occidente os primeiros limites foram os do mar Egeu, depois o do meridiano das Syrtes, depois o das columnas de Hercules, depois para o norte o extremo meridiano da Europa, para o sul o da costa africana.[6] Vemos que a mansão da felicidade suprema acompanhou a ampliação d’esse horizonte, primeiro no Oasis do Egypto, depois na Cyrenaica, depois na costa africana, a pequena distancia das columnas de Hercules, depois nas Canarias. Não ha saltos n’este progresso forçosamente methodico. Logo que se transpõe um limite maritimo a navegação prosegue.

Para o sul o cabo Não foi por muito tempo o limite, depois o Bojador. Transpoz-se esse limite em 1433? logo affluiram a Portugal estrangeiros curiosos d’essa novidade, e logo D. Henrique tratou de se assegurar da posse das terras que vae descobrir. Depois da expedição de Antão Gonçalves e de Nuno Tristão em 1441, vão embaixadores portuguezes ao papa Eugenio IV a pedir-lhe as bullas necessarias, e já com Antão Gonçalves na viagem immediata vae o allemão Balthazar, que vem da côrte do imperador Frederico III correr estas novas aventuras.[7] E comtudo desde 1415 se empenhava o infante em explorações maritimas, sem que reclamasse do Papa quaesquer concessões, sem que os estrangeiros se interessassem por essas tentativas infructiferas. Tudo muda de 1433 por deante. Porque? porque se rompera evidentemente mais uma das barreiras que tinham successivamente detido a marcha da humanidade, porque se tinham transposto mais algumas das columnas que formavam o portico do mundo sobre o desconhecido, columnas de Briareu primeiro, columnas de Hercules depois, estatuas das ilhas Khalidat dos Arabes, emfim.

Em 1436 chegou Affonso Gonçalves Baldaya ao Rio do Ouro, ou o que elle suppunha que era um rio, e que não era afinal senão um braço de mar, e, dando-lhe esse nome, conformou-se mais uma vez com o respeito pela tradição antiga, que affirmava que para o lado das ilhas Afortunadas, como dizia Pindaro nas suas Olympiadas, rios que conduziam ouro entravam no Oceano.[8] Assim os Arabes davam o nome de rio do Ouro a muitos, situados muito áquem do cabo Bojador, assim os Catalães chamavam rio do Ouro a um rio que encontravam para além do cabo Não e proximo das Canarias, tanto que no proprio mappa em que se affirma que Jayme Ferrer procurara o rio do Ouro, o traçado da costa não vae além do cabo Bojador.[9] Podia haver mais evidente prova de que o Rio do Ouro catalão não é o Rio do Ouro portuguez? Não fallemos sequer em que o Rio do Ouro de Jayme Ferrer é, como o descreve o manuscripto de Genova, com que se pretende dar authenticidade ao facto,[10] um rio largo em que podem fundear náus potentes, emquanto o Rio do Ouro de Affonso Gonçalves Baldaya nem rio é sequer, e n’elle, segundo affirma o almirante Roussin que o estudou hydrographicamente, só canôas podem entrar.[11] Basta vermos que os mappas em que se baseia a pretenção, param no Bojador, como no Bojador pararam os navegantes a quem depois se quiz attribuir a gloria de o ter transposto.

Em 1441 descobria Nuno Tristão o cabo Branco, em 1443 os ilheus de Arguim, em 1445 acabava-se de descobrir a costa do Sahará e entrava-se na costa da Senegambia, e n’este meio tempo entravam já em Portugal com abundancia os escravos africanos.

Nodoa é esta com que se pretende manchar a gloria dos nossos descobrimentos, como se n’essa epocha em que os proprios brancos ainda tinham, pode dizer-se, roxos os pulsos dos grilhões com que lh’os algemára a servidão da gleba, n’essa epocha em que tinham escravos os proprios mosteiros e as egrejas, se podesse ter ácerca da liberdade do homem as idéas largas que, só uns poucos de seculos depois, e a muito custo, se implantaram na legislação dos paizes mais cultos. E é curioso que sabios escriptores accusem o infante de ter sido o responsavel pela escravatura negra, como se não fosse tão facil ás virtuosas nações, cujo credito elles defendem, eximir-se a seguir tão mau exemplo! como se ao Papa, que representava a suprema lei moral da sociedade de então, não coubesse o dever de conceder as terras, mas de prohibir os escravos! como se não fosse evidente que o mesmo faria qualquer nação que nos precedesse, e que o facto de não apparecerem escravos pretos na Normandia no seculo XIV é mais uma prova contra as suas pretenções! E comtudo a prioridade na escravisação das populações africanas essa é que os Normandos podem reclamar sem contestação, porque, bastantes annos antes de se venderem nas praças de Lagos os escravos da costa africana, já o normando João de Bethencourt, rei das ilhas Canarias, vendêra na Hespanha os seus subditos.[12] Mas o que dominava sobretudo no espirito de D. Henrique era a anciedade da investigação scientifica e o ardor pela conquista dos grandes ideaes religiosos da meia edade, e é isso o que faz com que o espirito do infante só encontre depois na historia dos descobrimentos outro que com elle se irmane — o de Christovam Colombo. Essa allucinação em que ambos vivem é que os torna proprios para emprezas, que só com grande perseverança se podem realizar, e essa perseverança só a encontra quem tem um enthusiasmo absolutamente exclusivo. Quaes são as instrucções que levam sempre os capitães dos navios de D. Henrique? Procurar identificar os rios que descobrem com o Nilo dos Negros, que a geographia systematica dos antigos considerava como um braço do grande rio egypcio que vinha desemboccar no Atlantico. Julgam encontral-o ao ter chegado ao Senegal como depois o imaginam ainda no Niger, e talvez no Zaire tambem. E tão absortos estiveram por muito tempo os Portuguezes no seu respeito cego pelo saber da antiguidade, que ainda foi um piloto portuguez no seculo XVI que procurou commentar e explicar o Periplo de Hannon, sendo o seu commentario na Italia de todos o mais apreciado.[13] No proprio momento em que podiam justamente ufanar-se de sulcar mares nunca d’antes navegados, ainda se escondiam modestamente por traz da sombra de Hannon, o legendario navegador, que, tendo chegado a algumas leguas do estreito de Gibraltar, imaginou logo ter percorrido um immenso espaço de agua![14]

O outro desejo ardente do infante D. Henrique era encontrar as terras do Prestes João, esse mytho medieval que tomou mil fórmas, apparecia nas mais variadas terras, até que, ao condensar-se na realidade prosaica, appareceu transformado n’aquelle pobre negus da Abyssinia, symbolo curioso da dissolução dos mythos, que no periodo poetico da humanidade se revestem dos mais extraordinarios esplendores, e que nos frios annos da prosa se reduzem ás mais chatas personalidades.

O Prestes João fôra a prolongação pela edade média da lenda da primitiva Egreja Oriental, que déra ao apostolo João, ao discipulo amado, ao evangelista mais querido da imaginação popular, a perpetuidade da existencia. Não acceitou a Egreja a lenda, mas ella permaneceu no Oriente, modificada, fluctuante, desdobrando-se o personagem que é seu protoganista, no apostolo e no presbytero.[15] Talvez porque n’uma das epistolas, conhecidas pelo nome de João, o apostolo, por esse nome se designa este presbytero João, que toma em parte o caracter do apostolo, em parte o caracter de um discipulo do apostolo, torna-se, por assim dizer, a gloria e o tormento da Egreja de Epheso; a gloria, porque essa Egreja se ufana de lhe pertencer o personagem privilegiado que herdou do venerado Mestre o amor e a predilecção do céu; o tormento, porque esse personagem é vago, confuso, indefinido, mal visto pela Egreja em geral, e fonte de possiveis heresias.

Mas entretanto corria a edade média com a sua louca anciedade pelo advento de um mundo melhor. Não se cumpriam as promessas do christianismo. Não chegára o reinado da justiça. Na terra atormentada por mil flagellos arrastava o homem uma existencia atribulada, calcado aos pés pelos poderosos, faminto, presa a cada instante da peste e da guerra implacavel e atroz. Não chegára a era millenaria, a era sublime em que Jesus voltaria, e em que, rodeiado dos seus martyres, como de uma legião sagrada da fé e do bem, reinaria sobre a terra até que ella desapparecesse subvertida no cataclysmo final.

O que nascia, pelo contrario, era a crença desanimadora ao anno Mil, annunciado como o anno em que o mundo acabaria sem ter tido a consolação suprema de vêr o reinado do Bem; mas o anno Mil passou sem trazer comsigo o cataclysmo esperado. Seria afinal verdadeira a promessa do reino millenario, do reino dos martyres, que o Apocalypse de João annunciou? E a idéa d’aquelle Presbytero João, que vive a sua longa existencia nos páramos do Oriente, testemunha millenaria do grande acto da Paixão, fluctúa no animo dos povos. Não será em torno d’elle que se agruparão os bons, os martyres, os fieis, e não será nas suas terras que estará irradiando uma perpetua aurora, tranquilla, suave, toda misericordia e paz, emquanto cá pelo Occidente parece que o sol se afoga todos os dias n’um occaso sanguineo, n’um horizonte perpetuamente em braza, entre os clamores dos miserandos que teem sêde de justiça e o tinir das espadas gottejantes de sangue, o crepitar das chammas dos incendios e o rugido dos mares e as gargalhadas da impiedade? E lá no Oriente, onde existe o Paraizo, começa-se a devanear tambem a existencia de outro Paraizo mais accessivel ao homem, se é que se não confundem n’um só Paraizo aquelle de que o homem foi expulso, e o outro em que o homem ha de entrar, quando lhe franquear a entrada o guarda a quem o confiaram Christo e o discipulo amado.

Essa lenda vaga, ou antes essa incerta aspiração, concretisou-se n’uma d’essas obras anonymas em que o sentimento popular se manifesta, em que os devaneios da sua alma são encorpados, desenvolvidos e ordenados por um trovador ignorado, por um narrador mysterioso, que é afinal de contas quem produz verdadeiramente a obra popular, que depois muitas vezes um grande poeta aproveita para uma obra immortal. Assim se formou a lenda do Prestes João com o seu reino de maravilhas, a do Judeu errante, a do dr. Fausto, a de D. João Tenorio, e a de mil outros, que não tiveram outro berço senão a redacção humilde e vulgar de um pobre sonhador ignorado, que desapparece entre o povo, a quem se attribue a gloria da concepção, e a obra do grande poeta que deu á lenda a fórma definitiva e litteraria que a tornou immortal. O modo como esta lenda se formulou foi na redacção de uma carta dirigida pelo Prestes João ao imperador de Roma e ao rei de França e em que lhes contava as maravilhas do seu reino, onde os homens viviam annos quasi infinitos, onde havia maravilhosas riquezas, onde os animaes e as plantas tinham um tamanho descommunal, e onde reinava a paz e a justiça.[16] O que deu origem talvez á carta, ou o que chamou para esse vago personagem do Presbyter Johannes ou Prestre Jean ou Prestes João a attenção dos povos occidentaes, foi a vinda a Roma[17] de um estranho personagem, que se dizia patriarcha das Indias, que da Asia vinha effectivamente, e que dava noticia da existencia n’essas remotas partes, ou na verdadeira India, ou na propria Tartaria, de christãos convertidos por S. Thomé o apostolo, e que eram evidentemente christãos da heresia nestoriana, christãos dos ritos syriacos, sacudidos da Egreja Catholica, mas possuindo aquella tenacidade de resistencia, que faz com que ainda hoje, em pleno regimen papal e catholico, tenham na India os seus prelados e mantenham os seus ritos estes christãos primitivos.[18] Assim parece effectivamente que devia ser: porque na carta do Prestes João diz-se que «cada anno, quando S. Thomé vinha prégar a quaresma no seu reino, elle fazia uma peregrinação ao tumulo do propheta Daniel, com dez mil clerigos, outros tantos cavalleiros e duzentos elephantes, que levam, não torres, mas castellos, para exorcismarem e combaterem os dragões que espreitam a caravana na passagem».[19]A lenda do Prestes João localisou-se por conseguinte na India, não, como seria natural, na India verdadeira, mas na India ultima, quer dizer, no extremo Oriente da Asia, onde todas as lendas se refugiavam, a India que ficava para além dos limites das conquistas de Alexandre, e onde o proprio heroe toma tambem um aspecto legendario, como se lhe bastasse tocar n’uma região nevoenta para que o seu proprio vulto em nevoas se envolvesse. Alexandre, já o dissemos, foi para a Europa medieval, como Virgilio, um ente sobrenatural, meio pagão e meio christianisado posthumamente, meio feiticeiro e meio conquistador. É elle, como dissemos tambem, que encerra os povos de Gog e de Magog por traz da famosa muralha, é elle que na sua carta a sua mãe Olympias, carta não menos apocrypha, é claro, do que a do Prestes João, lhe diz que encontrou a arvore do sol e a arvore da lua, e que lhes ouviu os oraculos.[20] É para além do Ganges tambem que os geographos da meia edade imaginaram povos que se sustentam só com o aroma das flores, lenda que vamos ainda encontrar em Camões. É no extremo Oriente que está o Paraizo, e junto do Paraizo, note-se bem, o antro em que S. Macario se escondeu para viver immerso em prece, depois de ter tentado debalde penetrar na morada dos nossos primeiros avós, e foi ahi que o encontraram um seculo depois, e sempre orando, tres monges gregos que tinham ido a essas longinquas partes do mundo para tentarem tambem ver o Paraizo de perto.[21] Avisados pelo exemplo de S. Macario, voltaram os tres monges para traz, mas S. Macario lá ficou orando e atravessando, absorto na prece, os seculos sem fim.

Vê-se pois que aquelles ares do Paraizo espalhavam ainda nos seus arredores umas fragrancias divinas. Parecia que da eternidade promettida a Adão e Eva tinham ficado uns resquicios para os que do Paraizo se approximassem; era para alli portanto que a imaginação popular levaria o reino paradisiaco do Prestes João.

Mas as viagens de Marco Polo vieram dar uma nova physionomia ao mytho do Prestes João, approximando-o da realidade, tornando-o um personagem curioso, mas não rodeiado d’aquelle immenso prestigio anterior. Ou porque effectivamente, como sustenta o grande sinologo Pauthier, elle encontrasse christãos nestorianos na Tartaria, na provincia a que Marco Polo chama Tanduc, que Pauthier identifica com a provincia chineza de Ta-Thung, e esse facto explica-o Pauthier pela entrada de nestorianos persas na Mongolia ou no Thibet, onde teriam feito conversões, e onde effectivamente o soberano chinez lhes permittiu que erigissem um templo, ou porque, como sustentava Stanislas Julien, outro sinologo tambem notavel, Marco Polo tivesse confundido com christãos os budhistas que nas regiões que elle atravessava tinham uma das mais importantes sédes da sua religião, e que ao ver a theocracia do Grão-Lama o imaginasse um padre-rei christão, e o Prestes João por conseguinte, é certo que elle declara ter encontrado christãos regidos por um padre, que descendia em linha recta do Prestes João, que era o seu sexto descendente e que se chamava Jorge.[22] D’elle diz João de Monte-Corvino que o conheceu e o converteu á fé catholica, e Rubruquis tambem declara que na Tartaria encontrou nestorianos que viviam debaixo das leis do Prestes João.

Embora tudo o que se narrava nos livros de Marco Polo estivesse envolvido nos véos do maravilhoso, é certo que esta semi-realisação do Presbyter Johannes estava longe de corresponder ao ideal que d’elle se formára. O personagem legendario não encontrava positivamente n’um descendente chamado Jorge, subdito do Grão-Khan e chefe de uma especie de tribu nestoriana, uma encarnação satisfatoria. Continuou portanto a fluctuar por todo o Oriente, e, como de certo havia noticia vaga da existencia de um povo christão para os lados da Ethiopia, foi para esse lado que se transferiu a localisação da lenda, pois que a India, na edade média, como dissemos, abrangia, pode-se dizer, toda a Asia, parte da Ethiopia, e a indeterminação da residencia do rei legendario caracterisava-se bem com a denominação que se lhe dava de Prestes João das Indias.

Não se imagine portanto que é simplesmente um rei christão perdido no meio da onda musulmana e do paganismo que se procura, o que se procura é o reino maravilhoso das lendas millenarias, é a terra estranha onde tudo floresce com extraordinario viço, onde o oiro, a prata e as pedras preciosas fulguram por todos os lados, onde se vive como que n’um antecipado Paraizo. Procuram-n’o logo na Africa, ao pé de Marrocos,[23] e não havia n’isso contradicção com o nome que se lhe conservava de Prestes João das Indias, porque, segundo a antiga geographia systematica, podia bem ser que a Ethiopia se ligasse com a Asia, e que já n’essas terras ainda proximas de Marrocos principiasse o reino maravilhoso do Prestes João.

É essa anciosa curiosidade que domina no espirito dos Portuguezes, é ella que os arroja aos grandes feitos, ás pertinazes investigações. Como das investigações astrologicas com as quaes se procurava ler nas conjuncções dos astros o segredo dos destinos humanos saía a astronomia, como nas locubrações dos alchimistas se foram desvendando os segredos da chimica, assim na procura ardente do reino do Prestes João se foi desvendando, por tantos seculos escondido, o segredo da geographia africana, o da sua fauna, da sua flora e da sua ethnologia. Logo n’uma das primeiras viagens um audacioso portuguez, João Fernandes, se internou no sertão africano, e por lá andou mezes inteiros, convivendo com os indigenas, aprendendo a sua lingua, estudando os seus costumes.[24] Devia-lhe ter corrido um calafrio nas veias quando abandonou os seus companheiros para se immergir no desconhecido. Ia encontrar talvez os povos monstruosos da tradição scientifica, os troglodytas, os himantopodas, os virgocosgigs, e ao lado d’elles os dragões de terrivel aspecto e o basilisco de halito pestifero, passeiando pelos mattos meio inflammados a sua estranha corôa de horrifico soberano. Era perfeitamente um cavalleiro andante que se arrojava a um mundo encantado, como esses heroes de novellas de cavallaria que ousavam emprehender as mais incomprehensiveis façanhas. Mas tudo elle ousava para conseguir chegar emfim ás terras paradisiacas em que o Prestes João reinava, e, quando elle voltou, depois de longos mezes, não trazia noticias nem de monstros horrendos, nem de reinos maravilhosos, mas trazia, o que valia mais que tudo isso, o conhecimento exacto da Africa interior, a revelação para a sciencia de um mundo ignorado, de arvores soberbas, que não eram a phantastica mandragora, mas o baobah agigantado e verdadeiro. Supprimia a flora sobrenatural, mas ampliava os dominios da flora verdadeira; acabava com a fauna phantastica, mas alargava os dominios da zoologia verdadeiramente scientifica. E, da mesma fórma que os alchimistas, ao procurarem nas suas longas vigilias a pedra philosophal, encontravam o segredo das combinações chimicas, assim estes audazes alchimistas do Oceano, ao procurarem o Prestes João, que era a pedra philosophal dos sonhos geographicos da meia idade, encontravam um mundo inteiro, que valeu mais para a riqueza scientifica e para a opulencia do commercio do que todos os reinos fabulosos banhados por phantasticos Pactolos e scintillantes de oiro e de pedraria.

Quando o infante D. Henrique morreu, já os Portuguezes tinham conhecido o cabo Branco e o cabo Roxo, e o cabo Verde e as ilhas que d’este cabo tomaram o nome, e os rios Senegal e o Gambia e o Casamansa. Os terrores da zona torrida tinham desapparecido, posto que se não tivesse chegado ainda ao Equador, mas era evidente já que o mundo não alterava o seu aspecto com a approximação da equinoxial, e que os monstros não existiam senão na imaginação dos geographos, que se não encontrava senão a variante negra da raça humana, e que os novos passaros que appareciam, depois classificados pelos zoologos como remora, phenicoptero, bucerus africano ou pristis, enriqueciam as collecções ornithologicas, mas não a teratologia. E estas conquistas positivas deviam-se ao enthusiasmo e á sede do ideal. Nada se faz grande no mundo sem esse grão de loucura, que desequilibra um pouco o genio dos grandes poetas e dos grandes descobridores. A pedra philosophal transmuda deveras o cobre vil em oiro, porque é ella, como symbolo de todos os ideaes phantasticos, que faz da quebradiça argila de que se formou o homem o bronze em que se fundem os ousados pensamentos, que transforma no oiro das grandes almas o minerio banal dos espiritos vulgares.

E era exactamente o que havia de estranho e de louco nas expedições portuguezas que chamou para aqui os aventureiros e os ousados. Os Venezianos como Cadamosto, os Genovezes como Usodimare, vem aqui buscar simplesmente emprego para a sua actividade de marinheiros; os Malhorquinos como Jayme de Malhorca vem para um centro de actividade scientifica, mas esse Valarte que vem do fundo do Norte, das remotas regiões da Suecia, vem em demanda do ideal, esse loiro Scandinavo, que traz no olhar o azul dos seus lagos e no rosto a candidez das suas neves, vem procurar a estas regiões de aventura a barca dos cysnes dos Eddas que o ha de levar atravez dos mares da lenda ás regiões dos sonhos. Para esses e para muitos outros Portuguezes, como o velho Soeiro da Costa, como esse Alvaro de Freitas que tanto acaricia a idéa de ver de perto o Paraizo terreal,[25] é um romance de cavallaria que se está pondo em acção na patria de Amadis de Gaula. São os Templarios resuscitados que investem com o mar como os Templarios antigos com as ondas dos sarracenos, e o manto branco da ordem de Christo que fluctua ao sopro do vento, e a bandeira com a cruz vermelha que palpita na popa das caravelas com os bafejos do Oceano são os ultimos symbolos d’esse idealismo da idade média cavalheiresca que vae dissolver-se na epocha burgueza que já apparece no horizonte dos tempos. E esse rijo cavalleiro, ascetico, tenaz, que do alto do promontorio de Sagres lança os seus legionarios á conquista do desconhecido, ao cair prostrado pela morte, sem ter ainda encontrado o edeal que lhe absorvera a existencia, desapparece da scena do mundo, deixando resolvido um dos grandes problemas da existencia humana na terra, no mesmo momento em que outro cavalleiro andante, esse deveras o ultimo, Christovão Colombo, o Genovez, já vagueia, sonhador e pensativo, nas praias do Mediterraneo, escutando esse rumor de gloria e de aventura que vem do Occidente, e revolvendo na imaginação juvenil a solução de outro problema geographico, que ainda ficava em aberto, e que ia dar ao homem emfim a Terra inteira por dominio.


Notas

[editar]
  1. Humboldt, Histoire de la géographie du nouveau continent, tom. I, pag. 334 e segg.
  2. Apud Visconde de Santarem, Recherches sur la découverte, etc., pag. 113 e 114.
  3. Citado por Humboldt na Histoire de la géographie du nouveau continent, tom. I, pag. 246.
  4. No Boletim da Sociedade de Geographia de Madrid do anno corrente.
  5. «Mais avant les Portugais aucune nation de l’Europe ne semble être allée au délà de l’Équateur». (Histoire de la géographie, etc., tom. I, pag. 290).
  6. «L’horizon géographique s’agrandit peu à peu de la Mer Égée au méridien des Syrtes, de là aux Colonnes d’Hercule et hors du détroit avec Hannon vers le sud, avec Pythéas vers le nord». (Hist. de la géogr., tom. I, pag. 32). O horizonte ampliado por Pythéas nunca mais se restringiu, porque é que havia de acontecer o contrario ao horizonte ampliado por Hannon, se este viajante tivesse ido mais longe do que a costa de Marrocos?
  7. Ha bullas de Eugenio IV, de Nicolau V, de Martinho V, de Calixto III, de Xisto IV. A bulla de Calixto III, confirmando as de Martinho V e Nicolau V, declara que o descobrimento das terras de Africa Occidental o não possam fazer senão os reis de Portugal. A bulla está no Archivo Real da Torre do Tombo no Livro dos Mestrados, fl. 151 e 168. Veja-se a minha Historia de Portugal, tom. III, pag. 248, nota 1, (2.ª edição). A bulla de Nicolau V, que já citámos, de 8 de janeiro de 1454, concedia a el-rei de Portugal, ao infante D. Henrique e a todos os reis de Portugal, seus successores, todas as conquistas de Africa com as ilhas nos mares adjacentes desde o cabo de Bojador e de Não e de toda a Guiné com toda a sua costa meridional. (Arch. Real da Torre do Tombo, maç. 7 de bullas, n.º 29, e maç. 33, n.º 14). Por isso, D. João II, quando fallou a Christovão Colombo a 9 de março de 1493, lhe disse, que se regosijava tanto mais com a sua conquista, quanto tudo quanto elle descobrira pertencia de direito a Portugal. Humboldt, Histoire de la géographie du Nouveau-Continent, tom. I, sec. 1.ª, Nota E, pag. 331. E effectivamente por algum tempo se discutiu se os descobrimentos de Christovão Colombo eram ou não de ilhas nos mares adjacentes á costa africana. E não acham curioso que, se Francezes ou Hespanhoes ou Italianos, antes de nós, tivessem passado para deante do Bojador, acceitassem e reconhecessem e fizessem respeitar por leis e decretos o direito que nós tinhamos de não consentir que se fizessem descobrimentos n’esses mares, ou, no caso de se fazerem, o direito que tinhamos ao menos, á posse d’essas terras descobertas!!
    A proposito d’esse cavalleiro allemão Balthazar, que acompanhou Antão Gonçalves, diz o auctor d’este livro: «Antão Gonçalves voltou a Portugal com os negros, e Balthazar o cavalleiro allemão que o acompanhava tornou para a sua terra, onde foi naturalmente a maravilha de todos os que o escutavam, e um novo Sindbad para os pasmados Germanos. A narração das tempestades, dos perigos, dos estranhos costumes dos Azenegues devia occupar bastantes serões de inverno nos velhos castellos allemães junto da vasta lareira, emquanto gemesse lá fóra o vento e cahisse a neve cobrindo de alvo manto o solo endurecido.» Hist. de Portugal, tom. III, pag. 252 (2.ª edição).
  8. Olympiada II, 127.
  9. Como se pode ver no 1.º mappa do Atlas do visconde de Santarem, que é exactamente o mappa catalão de 1375.
  10. Habet, diz o manuscripto de Genova, latitudinem unius legue et fundum pro majore navi mundi.
  11. La plage de sable, qui, comme on l’a dit, forme presque entiérement l’embouchure du Rio d’Ouro ne permet pas de penser que ce lieu puisse recevoir des bâtiments du plus faible tirant d’eau, il ne peut probablement admettre que des canots. Roussin Mémoire sur la navigation aux côtes occidentales de l’Afrique, pag. 96.
  12. Observação já feita pelo visconde de Santarem nas suas notas á edição da Chronica de Guiné de Azurara. Veja-se tambem o magnifico capitulo da Vida do principe Henrique do illustre escriptor Richard Major, capitulo intitulado The slave trade.
  13. Este commentario vem publicado na collecção de Ramusio.
  14. O sabio francez Letronne n’uma memoria publicada no Journal des Savants de agosto de 1831, diz o seguinte: «L’hypothése d’un prolongement indéfini de la côte occidentale d’Afrique, à partir d’une latitude voisine de l’Équateur, était fondée sur la direction de la côte d’Afrique depuis la rivière de Nun jusqu’au cap Bojador que l’expédition d’Hannon n’avait pas dépassée
  15. «Ha ainda um personagem duvidoso, diz Renan, este presbyter Johannes, especie de socio do Apostolo, que perturba como um espectro toda a historia da Egreja de Epheso e causa aos criticos bastantes embaraços.» L’Antechrist, pag. XXIII, trad. do sr. Theophilo Braga, que cita este trecho nas Lendas Christãs, cap. V, As lendas do primado da Egreja, pag. 213 (Porto, 1892). Este livro do sr. Theophilo Braga é na verdade excellente e foi-me de um grande auxilio n’este estudo ácerca das viagens da lenda do Prestes João. A não ser o livro de Marco Polo e os artigos do illustre sinologo Pauthier, que consultámos directamente, as fontes que citamos são as que o sr. Theophilo Braga aproveitára e indicára. Folgamos de prestar esta homenagem ao nosso illustre confrade, porque, apesar de estarmos muito em desaccordo com alguns dos pontos de vista d’este seu novo livro, não deixamos de reconhecer que é mais uma prova do muito talento e da muita erudição do seu auctor.
  16. Esta carta vem publicada na Cosmographie et histoire naturelle fantastique du moyen-âge de Ferdinand Denis.
  17. Por 1122, no pontificado de Calixto.
  18. Ainda na ultima concordata celebrada entre Portugal e a côrte de Roma ácerca do padroado da India tiveram de ser resalvados os direitos christãos do rito syriaco.
  19. Theophilo Braga, Lendas Christãs, pag. 227.
  20. Veja-se a Nota explicativa do symbolo da arvore do sol e da arvore da lua, escripta pelo sr. Felix Lajard, e communicada ao visconde de Santarem que a publicou no fim do III volume do seu Essai sur l’histoire de la cosmographie, etc., pag. 506.
  21. Rosweid, Vitæ Patrum. — Vita S. Macari Romani servi Dei qui niventus est juxta Paradisum. Andrea Bianco no seu famoso mappa de 1436 põe o Paraizo n’uma peninsula, e junto do Paraizo um grande edificio com esta designação: Ospitium Macari.
  22. G. Pauthier Le pays de Tanduc et les descendants du Prêtre Jehan. — Revue de l’Orient, de l’Algérie et des Colonies, tom. XIII, pag. 287. (Paris, 1861). Publica primeiro o capitulo LXXIII, da Relação de Marco Polo, que se intitula: Cy devise de la province de Tanduc, et des descendants du Prestre Jehan, a que se segue depois o commentario.
  23. Ainda não tinham passado os portuguezes do Cabo Branco, estava-se apenas no anno de 1441 e já o infante encarregava Antão Gonçalves de saber alguma coisa ácerca de Prestes João.
  24. Um distincto escriptor francez, Eyriés, que escreveu a biographia de João Fernandes na Biographie Universelle, diz que elle fôra o primeiro Europeu que penetrára no interior da Africa e que as particularidades da relação que elle trouxera apresentavam uma grande analogia com as da relação de Mungo-Park. A respeito dos serviços prestados á botanica pelos Portuguezes vejam-se os estudos de primeira ordem do sr. conde de Ficalho, Plantas uteis da Africa Portugueza, (Lisboa, 1884), a Flora dos Lusiadas, (Lisboa, 1880), a Memoria sobre a Malagueta, (Lisboa, 1878). A respeito dos nossos serviços á ornithologia, vejam-se as interessantissimas communicações feitas pelo notavel sabio portuguez o sr. Bocage a Andrade Corvo, e por elle publicadas nas notas á sua edição do Roteiro de D. João de Castro.
  25. Alvaro de Freitas ia na expedição commandada por Lançarote, almoxarife em Lagos, e n’um momento de enthusiasmo declarou que estava prompto a seguir o seu chefe até ao Paraizo Terreal. V. a minha Hist. de Portugal, tom. III, pag. 271.