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Os outros

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Não há prazer maior do que se ouvir pelas ruas, pelos bondes, pelos cafés, as conversas de dois conhecidos.

Tenho um camarada cuja curiosidade pelo pensamento dos estranhos é tal que não há papel caído na rua, contendo algumas linhas escritas que ele não guarde, recomponha, a fim de dar pasto a esse seu vício mental.

Tem no seu museu coisas maravilhosas. Muita vez os missivistas pensam em ter inutilizado uma cartinha amorosa, um bilhete de "facada" e vai um indiscreto como este meu amigo e descobre que em tal dia F. "mordeu" X. em 50$000 ou Z. está apaixonado por H.

Na rua, porém, as coisas se passam mais ao vivo e as pontas de conversa merecem ser registradas, às vezes, por disparatadas, em outras, por profundamente sentenciosas, em outras ainda, por serem excessivamente divertidas.

Em um dia destes que fui levar um amigo até à esta­ção de Maruí, pude ouvir este pedaço de conversa entre dois redondos coronéis roceiros:

— Como deixaste o rapaz?

— Bem.

— Estuda?

— Estuda, mas esses estudos agora estão muito puxados. Imagina tu que ele tem de estudar, decorar um livro enor­me, cheio de números e, ainda por cima, em francês.

— Como se chama?

— Não sei. Tem um nome difícil. O autor é um tal Calle ou coisa que valha.

Tratava-se das Tábuas de Callet que tinham inspirado a piedade do pobre matuto pela vadiação do filho.

As conversas de trem são quase sempre interessantes. A mania dos suburbanos é discutir o merecimento deste subúrbio em face daquele. Um morador do Riachuelo não pode ad­mitir que se o confunda com um do Encantado e muito menos com qualquer do Engenho de Dentro.

Os habitantes de Todos os Santos julgam a sua estação excelente por ser pacata e sossegada, mas os do Méier acu­sam os de Todos os Santos de irem para o seu bairro ti­rar-lhe o sossego.

Uma senhora dizia à outra, no trem:

— Jacarepaguá é muito bom. Gosto muito.

— Mas tem um defeito.

— Qual é?

— Não tem iluminação à noite.

— Você diz bem que é só à noite, pois de dia tem o Sol.

As duas riram-se e, como nenhuma delas tivesse preten­sões intelectuais, não houve zanga alguma entre elas.

Os hábitos de sociedade, parece, ainda não estão cientificamente estabelecidos entre nós.

Julgo que se fossem analisar muitos deles à luz da metafísica, da teologia dogmática e da teoria dos raios catódicos, muitos deles seriam condenados.

Lembro-me mesmo de um caso elucidativo que um meu amigo me contou. Um outro amigo dele encontrou-o na rua e apresentou-o à mulher, ali mesmo.

Havia o movimento habitual da via pública, capaz de distrair, o mais atento. Para conversar qualquer coisa, o meu amigo narrou uma história de um acidente de bonde de que ia sendo vítima.

— Imaginem que quase morri.

Nisto a esposa do camarada do meu amigo voltou-se, pois estava olhando para um dos lados, e perguntou naturalmente:

— Não morreu?

Careta, Rio, 11-12-1915.