Osmîa/Acto III
Oſmîa. DE Eledia, que ſerá? Nem inda a vejo;
Os momentos por ſeculos reputa,
Quem fluctua no pélago profundo
Do receio cruel: Ah qu' impaciente [1]
E temeroſa, amiga, te eſperava.
Que ſoubeſte de Probo? Teu ſemblante
Perturbado, naõ ſei que m' annuncia.
Eledia. [2] Talvez que os teus remorſos te declarem
Primeiro que eu o mal que me atormenta.
Oſmîa. Os meus remorſos! e quaes ſaõ os crimes
Que os fariaõ naſcer? De que me accuſa
A tua impaciente auſteridade?
Eledia. Nao ſou eu quem te accuſo; o mundo todo
Te lança em roſto, Oſmîa, eſta fraqueza,
Com que cedido tens aos vãos projectos
De quem dobradas vezes te cativa.
Oſmîa. S'outra couſa naõ tens de que m'arguas,
Poderas eſcuſar-me de eſtranhar-te
Eſſe indiſcreto zêlo, a que ſincéra
Já dei ſatisfaçaõ.
Eledia.Naõ déſte Oſmîa.
Como fabula corre entre os Romanos
De teu funeſto amor a vergonhoſa
Nunca atégora imaginada hiſtoria.
Oſmîa. Ah! treme Eledia, treme da ferida
Que no intimo d'alma vens cravar-me.
Eledia. Ameáças-me tu?
Oſmîa. Se te ameaço,
Se me dôo naõ ſei: ſei que m' accendes
Hum furor dentro n'alma deſuſado.
E quaes, Eledia, ſaõ, quaes ſaõ as provas
Da fraqueza que argues? Quem ſe atréve
A culpar-me que indique acçaõ, ou geito,
Com que os ditos infames authorize?
E tu (injuſta Eledia!) tu que ſabes
O que eu ſou, o que eu ſoffro; ſem piedade;
Sem pejo, ſem horror, e ſem reſpeito
Vens tu meſma cobrir-me d'ignominia?
Eledia. [3] Ah! fim: de que és Princeza me recordo.
Mas ſe com a Romana mal s'ajuſta
A ſevéra virtude Luſitana,
Vaſſalla, ou livre, já de ti m' affaſto.
Treme em tanto (infeliz!) do mal acérbo,
Que ſobre ti já vejo eſtar pendente.
Parto, e queiraõ os Deoſes, que os meus votos
Mais que o meu zelo ſejaõ efficazes! [4]
Oſmîa. Ah! naõ partas... detem-te.
Eledia. E de que ſerve
Mais tempo dilatar-me? Eu me envergonho
Da demora que faço. Talvez julguem
Os mordazes Romanos, que presído
De taõ loucos projectos ao Conſelho;
Vou buscar o Pretor; ſim, vou rogar-lhe
Que outra vez deſſes ferros me carregue,
Que mais honra me daõ que a liberdade
Por tao infame preço concedida. [5]
Oſmîa. [6] Naõ te deixarei ir.
Eledia. Pois inda intentas
Medir comigo forças? Foi-ſe o tempo
Em que arrojava livre o dardo agudo
Teu braço impetuoſo: Foi-ſe o tempo. [7]
Oſmîa. Naõ mais Eledia; aſſáz, aſſáz tens dito:
Attende-me; e ſe nada te merece
A minha condiçao, mova-te ao menos
De meu acérbo mal, o duro aſpecto.
Se te eſpinhas de meu reſentimento,
Naõ conheces a cauſa? Se attendêras
A' dor que me cauſaſtes (dor inſana!)
Naõ irada, piedoſa te moſtráras.
Depoem eſſe furor, que tantas vezes
Me tem atormentado, ſem que eu poſſa
Tirar delle algum fruto em tanta anguſtia.
Eledia. Furor chamas, Oſmîa, á linguagem
Da ſevéra virtude?
Oſmîa. Da virtude
Nao me aſſuſta a linguagem, bem que auſtéra.
Se o crime ella condemna, o criminoſo
Jámais ſabe ultrajar; antes piedoſa
O diſculpa, o dirige, e leva ao porto.
Se me julgas culpada (oh! Deos! que pena!)
Se d'uma vi! paixao victima indigna
Me preſumes... o meio de ſalvar-me
A dureza naõ he: e s'innocente
Mereço que me julgues, qual ſer póde
O fruto d'um ardor que aſſim m' inſulta?
Recobra-te, eu to peço com ſocego
Deſcobre-me o que ſabes, e tratemos
De meu damno evitar, naõ de accreſcello.
Eledia. Eſtá bem, eu conſinto; mas reſponde
Sincéra ao que t'inquiro. Naõ te agrada
O Romano Pretor?
Oſmîa. Seu nobre termo.
Que me agrada naõ nego. A ſua virtude
M'inſpira hum ſentimento generoſo
De eſtimaçaõ, de gratidaõ devida...
Eledia. Mas eſſa gratidaõ acha limites
E bem curtos a Patria lhos tem poſto.
Nem ignoras qual ódio nos inſpiraõ
As Leis contra os Romanos deſde o bêrço.
Noſſos Pais o juráraõ, e nós meſmas.
O cruento holocauſto offerecendo
As mãos de teus maiores s'immergeraõ:
As tuas s'enſopáraõ nas entranhas
Palpitantes do miſero Immolado.
Vejo aos Ceos inda os braços levantados,
E por debeis os teus ſuſtento eu meſma:
Ainda o ſangue eſcorre; e tu preſumes
Que a gratidaõ te venha da juſtiça?
Oſmîa. Que dizes? preſumir?.. por certo o julgo.
De Galba foi a negra atrocidade
Quem aſſim revoltou contra os Romanos
Os miſeraveis reſtos deſſes Póvos
Que Viriáto unio. Desbaratados
Diſperſos, e diſtantes de ſeus lares,
Para chamallos á vingança juſta
Preciſo foi enfurecer ás almas,
Co' eſſe horrendo apparato que recordas
Eu tenho dentro n'alma radicado
Hum odio permanente; de vingar-me
Não perco as eſperanças. Eſte meſino
Eſte meſmo Pretor, ſe torno ao campo,
E poſſo acommettello, ſerá alvo
De meus pezados golpes: Levo em braços
Da Patria a cauſa entaõ; porém agora
Da minha ſó ſe trata. A Lelio devo
Quanto ſabes, Eledia; beneficios
Com odio naõ ſe pagaõ: Que virtude
Tal poderá inſpirar?.. Porém tens viſto,
Amiga, no Pretor algum indicio
Que poſſa condemnallo? Os ſeus obſequios
Vem ſempre de reſpeito acompanhados.
Saõ cortezes ſeus termos e expreſſivos
Sobre modo, he verdade: mas naõ deve
Hum peito generoſo condoer-ſe
Da minha deſventura? Oh Ceos! quem ſabe,
Affeita deſde o berço a lium trato rude,
A polidez eſtranho: Do que temo
Eu meſma me envergonho; talvez ſeja
Simples cortezania o que me aſſuſta.
Eledia. Mas que empenho foi eſte d'obrigar-te
A mudar de vestido?...
Probo. ELedia, Oſmîa,
Alviçaras me dai.
Ambas. Rindaco he vivo?
Probe. Eu delle nada ſei; mas ſei que pedem
Os Vetoens contratar o teu reſgate.
Embaixadores mandaõ: Generoſos
Tudo por ti promettem.
Eledia. Reſpiremos.
Oſmîa. Dize, Probo, e ſeus nomes tu naõ ſabes?
Probo. Naõ, Princeza, que apenas a certeza
Dos guardas alcancei, vim logo dar-ta.
Oſmîa. Da tua compaixaõ ſegura prova
He eſta que recebo: eu ta agradeço.
Porém d'outra maior inda quizera
Ser-te hoje devedora. Vê ſe podes
Indagar de qualquer da comitiva
Se Rindaco eſtá vivo, e como exiſte.
E ſe mais poſſo pertender, quizera
Eu meſma inquirir delles a noticia.
Probo. Farei quanto couber na diſciplina,
Que no campo fe obſerva.
Oſmîa. Sem demora
Vem pois do que alcançáres informar-nos,
De Eledia tudo fia, ella te eſpere,
Em quanto deſte ſitio me retiro.
Eledia. NAō te confundes, Probo!
Probo. Eu confundir-me.
E de que, Luſitana?
Eledia. Compatível
Será aquelle ardor, com que procura
Noticias do Conſorte, co' as malignas
Idéas dos Romanos.
Probo. Naõ pertendo
Em tal ponto excitar nova contenda.
Oſmîa vou ſervir, quizéra vélla
Dominar outra vez ſobre ſeus Póvos. Partem.
Lelio. QUe importunos, que altivos os Legados
Eſtiveraõ por fim!
Manlio. Lelio, algum Numen
Favoravel preſide a teus deſignios.
Os meios ſe preſentaõ de ſalvares,
De arraſtar ferros a ſoberba Oſmîa,
Seus Póvos a reclamaõ; a ſeus Póvos
Sem demora ſe entregue.
Lelio. Ha pouco tempo
Querias foſſe a Roma conduzida!
Incoherente te moſtras.
Manlio. Incoherente
Só fóra, ſe o contrario aconſelhaſſe
Do que te perſuado que offerecem
Os Vetoens em reſgate dos cativos?
Lelio. Seus thezouros, celleiros, e rebanhos.
Manlio. E na falta de víveres, na falta
De Numiſma, que a Tropa já percebe,
Deves tu deſprezar hum tal ſoccorro?
Lelio. Manlio, deixa diſputas: naõ, naõ quero;
Naõ cederei jámais por algum preço
Eſſa rara mulher!...
Manlio. Quanto proféres
O receio da Tropa juſtifica;
Hum eſtragado amor vai deſpenhar-te.
Lelio. Dize antes, que hum furor m'accenda em ira;
Fruto cruel de tuas imprudencias.
Amo Oſmîa; e pois tanto te declaro,
Naõ me tornes jámais com vãos projectos,
De reſgates, de trocas, de chiméras,
Que hum menos forte amor te naõ ſoffrêra.
Serei talvez o unico Romano
Que ás doçuras d'amor rendeſſe o peito?
Manlio. O amor d'uma eſcrava naõ s'eſtranha
(Bem o ſabes) em Roma; he tua a culpa,
Se tanto teu amor nos inquieta.
As honras, que lhe dás tem indiſpoſto
Os animos de todos. S' imaginas
Eſpoſa aſſocialla, naõ te enganes.
Ninguem to ſoffreria. Apothoſes [8]
De Matronas eſcravas já tens viſto?
Ou torna em ti, Pretor, ou ſe teimares [9]
Em conſervalla, ſabe que eu meſmo
(Antes que as ſantas Leis pizar te veja)
Eu meſmo hei de arrancalla de teus laços.
Lelio. Que proféres, Queſtor? tu naõ repáras...
Manlio. Repára tu, Pretor, no que reſolves.
Conſidera, decide e s'algum reſto
De razaõ te acompanha, naõ t'exponhas
A perder-te, a perder-nos, e a deixar-te
Em vergonhoſo aſpecto ao mundo inteiro. Parte.
Lelio. A Perder-me!... a perdellos?... que ſe perca
O mundo inteiro e naõ ſe perca Oſmîa.
Chame-ſe. Oh! lá! [10] Porém que vejo? [11] Eledia?
Retirai-vos [12] Eledia, a que bom tempo
Agora appareceſte! Hum Deos amigo
Aqui te conduzio!
Eledia. As Divindades
Contra nós vemos todas conjuradas
Se Probo diz verdade.
Lelio. Que verdade?
Acaba, dize tudo.
Eledia. Pois ignoras
As vozes que ſe eſpalhaõ?
Lelio. Nenhum caſo
Tenho feito jámais de vozes vagas,
Que origem nunca tem que vãa naõ ſeja.
Eledia. Logo por falſo tens que falecido
Rindaco...
Lelio. [13] Falecido!... como, quando...
He morto, Eledia? dize, e de que parte
A noticia alcançaſte?
Eledia. Na verdade
De teus ditos, e geſto naõ alcanço
Se ſincero me fallas, s'ardiloſo.
Lelio. Eledia, Eu ſou ſincero; nao ſabía
Que a noticia ſe tinha confirmado.
Eledia. Probo diz que os Vetoens a diffundiraõ.
Lelio. Se he verdadeira a nova, com malicia
Os Legados de mim a recatáraõ.
Eledia. Será falſa talvez, e vou d'Oſmîa
Socegar a afflicçaõ. Mal ſabes, Lelio
Que eſtranha eſtupidez lhe cobre o roſto
Deſde o fatal momento, em que a noticia
Seus ouvidos ferio! Sem movimento,
Quaſi eſtatua ficou e recolhida
Toda dentro em ſi meſma, nem m'eſcuta,
Nem os olhos aparta de hum ſó ponto:
Eu as mãos lhe toquei; toquei-lhe a teſta,
E d'um frio ſuor vertendo gottas,
Só com ſurdos ſuſpiros nos dá prova
De que a vida conſerva. Pretor, parto
A dar-lhe algum ſoccorro: naõ he crivel
Que a ti ſómente a nova s'occultaſſe.
Lelio. Dizes bem; mas quem ſabe... Eledia, espera:
Lucio vejo acolá, vem procurar-nos;
Saber delle a verdade poderemos.
Lucio. SEnhor, poſto que ainda nao voltaſſem
Aquelles que mandei, como tu ſabes,
Hum Vetaõ me aſſevera [14]...
Lelio. Em liberdade
Podes, Lucio, fallar.
Lucio. Porém Eledia,
Nao goſtará d'ouvir.
Eledia. Ah! naõ ſe trata
Do que pode dar goſto: aſſáz percebo
Que Probo naõ mentio.
Lucio. Se Probo diſſe
Que Rindaco foi morto, diſſe o meſmo,
Que o Vetaõ m' affirmou. [15]
Eledia. Atróz deſtino
Quem de teus golpes póde aſſegurar-ſe?
Nem força, nem virtude te reſiſte!
Lelio. Mas porque huma tal nova me occultáraõ
Os Legados?
Lucio. Nao ſei. O Vetaõ pede
Que os Legados naõ ſaibaõ que o declara.
Eu com Probo o deixei, torno a buſcallo. Parte.
Lelio. ELedia, tu naõ partes? Vai, conſola
A conſternada Oſmîa.
Eledia. D'aſſombrada
Naõ ſei como reſpiro.
Lelio. Vai, naõ tardes;
Procura alivialla com brandura,
Trabalha porque a dôr ſe deſaffogue,
Diſtrahilla he preciſo; vê ſe podes
Conſeguir que ſe esforce, e que ella meſma
Me queira vir fallar: convem a todos.
Eledia. Parto; mas ella vem... e porque modo!
Tanto o ſeu mal m'afflige, que me falta
O valor para vella neſte eſtado.
Oſmîa. [16] ELedia... (ſoltar poſſo!... a voz apenas!
Probo te eſpera [17] Oh! Ceos! irei comtigo
Lelio. Naõ Princeza, naõ partas; he preciſo
Que me eſcutes agora.
Oſmîa. Oh! Deos, de forte
Me traſpaſſa a amargura, e me ſoçobra
De meus eſtranhos malles a crueza,
Que apenas poſſo ver-te, nem as forças
Longo tempo me daõ, para eſcutar-te.
Lelio. Anima-te, Princeza, talvez poſſas
Ser menos infeliz do que imaginas.
Os Vetoens animados d'alto zelo
Propoem o teu reſgate.
Oſmîa. Já ſei tudo
E ſabe o Ceo tambem ſe lhe ſou grata.
Lelio. Os Romanos pertendem que eu te ceda
Pelo vil preço d'ouro e de armentio.
Oſmîa. Deſſe modo mudado o cativeiro,
Irei eſcrava ſer de meus vaſſallos.
Lelio. Naõ irás, eu to juro mas ſe he certo
Que Rindaco eſpirou...
Oſmîa. (Oh! Ceos!) que gêlo
Das plantas ſe levanta! naõ proſigas.
Lelio. Perdo-a, cara Oſmîa, ſenaõ cêdo
Agora teu preceito. Pois que he certo
Que de Rindaco os dias ſe extinguiraõ;
Os meus poſſo eſperar que mais felices
Comecen a correr, ſe no teu peito
Naõ achar, bella Oſmîa, reſiſtencia.
Hum amor innocente, que atégora
Sob o pezo gemia deſſa tua
T'aõ bella como rigida virtude.
Oſmîa. Pretor, deixa-me em paz... o que proféres
Aggrava a minha dor naõ poſſo ouvir-te,
Deſamparaõ-me as forças não reſiſto.
Lelio. Recobra-te, Princeza, naõ he tempo
De dar lugar á dôr, que o mal naõ cura.
Oſmîa. Ah...
Lelio. Maiores triunfos te offereço
Que os antigos, que célebre te acclamaõ.
Attende-me Princeza, dos Romanos
O Pretor tens rendido; ou vem comigo
Em Roma collocar-te, ou pronuncia
De meu fatal deſtino o termo infauſto.
Oſmîa. [18] Aparta-te cruel, aſſim naõ ouzes
Eſcarnecer da ſorte dos vencidos.
Lelio. Eſla bella fereza nao me aſſuſta.
Eſcuta-me, e verás que nao t'offendo.
Se atégora, Princeza, reſpeitoſo
Em dura eſcravidaõ contive auſtéro
O ſentimento... a chamma que teus dotes
Tuas raras virtudes me excitáraõ.
Agora [19] (nao te indignes!) impoſſivel
Me fôra ſuffocalla, ou reprimilla.
Hum raio d'eſperança entao naõ via.
A ſevéra juſtiça á tua virtude,
A lei pezada do ſilencio impunha; [20]
Hoje porém, Oſmîa, mudou tudo.
Da foice libitina huma faiſca
Vejo faltar brilhante quando o golpe
Deſcarrega fatal...
Oſmîa. Ah! mais naõ poſſo
Romano ſupportar.
Lelio. E de que offenſa
Me podes arguir? Se dependeſſe
De mim o cruel golpe deſviar-te,
Naõ me poupára, Oſmîa; podes crer-me
O Fádo mo negou; e o meſmo Fádo
A meu favor, talvez, vem declarar-ſe.
D'um Romano bem póde, ſem ſoçobro,
Chamar-ſe Eſpoſa Oſmîa. Nao recuzes
Croar a minha ſorte unida á tua.
Oſmîa. Tens dito.
Lelio. Naõ, Princeza, aſſáz me reſta
Ainda que dizer.
Oſmîa. Oh! Ceos, acaba,
Acaba d'uma vez.
Lelio. Tanto te afflige,
Injuſta Oſmîa, ouvir-me hum ſó momento?
Teu deſtino de mim já naõ depende.
Se pertendes reinar ſobre teus Póvos,
A reinar tornarás: ſerei eu meſmo
Quem para o Throno o paſſo te franque-e.
Oſmîa. Liberdade nao quero; não deſejo
Mando, que pago ſeja por meus Póvos.
Se naõ pode meu braço libertar-me;
Se do Eſpoſo eſperar naõ pude auxilio;
Naõ quero ir ſupportar a ſorte ingrata
De me ver a meus ſubditos vendida.
Lelio. Naõ me julgues capaz de tal baxeza.
Se a partir te reſolves deſde logo,
Pódes diſpôr, Oſmîa, do reſgate,
Que por ti os Vetoens me offereciaõ.
O preço, Oſmîa, o preço do teu Sceptro
Só póde ſer a vida que me levas.
Eſta vida infeliz, que envolta em ſangue
Verás ſahir do peito, quando a ſorte
Segura te elevar ſobre teus Póvos.
Tenho, Oſmîa, propoſto: a ti pertence
Ou a vida cortar-me, ou dar-me alento.
Oſmîa. Que alluviaõ d'anguſtias lança o Fado
Sobre o meu coraçao. Lelio, naõ devo,
Nao poſſo reſolver-me. Generoſo,
Se tudo tu me cédes, eu naõ menos
D'immenſa gratidao.. (naõ ſei que digo.) Apart.
Lelio. Proſegue, bella Oſmîa, naõ detenhas
Impulſo de taõ nobre ſentimento.
Oſmîa. Pretor, ſoffre que hum pouco a mim me entregue,
Curto o prazo ſerá; mas he preciſo,
Que eu ache hum meio (ah! triſte!) que me ſalve
Dos horrores, que a mente me figura.
Lelio. Contra o triſte Pretor naõ, naõ decidas.
Veja Roma huma vez, que as Luſitanas
Sao dignas de ſeus fóros.
Oſmîa Os Romanos
Eſtrangeiras Eſpoſas naõ conſentem.
Lelio. Naõ conſentem; porém ainda atégora
As Oſmîas em Roma ſe naõ viraõ.
Oſmîa. Pretor, naõ m' allucino. O Ceo diſponha
Que eu ſaiba reſolver.
Lelio. Qu' indifferença!
Ah! já vejo (cruel) que ha de o meu ſangue
Ser o preço da gloria a que te elevas.
Oſmîa. Cruel me chamas!... e cruel (com tudo)
Naõ deveras chamar-me ſe ſouberas...
(Onde me precepito!)
Lelio.[21] Oh! Deos! proſegue...
Oſmîa. Lelio, fica-te em paz. [22]
Lelio.OH! cara Oſmîa,
Por que foges aſſim? que bello fogo
Chameava em ſeus olhos! Ah! vencemos,
Meu pobre coraçaõ, eſperar podes. Parte apreſſado.
- ↑ Vendo Eledia.
- ↑ Toda eſta Scena requer d'Eledia ora arrogancia, ora altivez, e d'Oſmîa reſentimento viviſſimo.
- ↑ Com ironia picante.
- ↑ Quer partir, e Oſmîa a detem.
- ↑ Querendo partir.
- ↑ Pegando-lhe pela maõ.
- ↑ Soltando a maõ.
- ↑ Com a maior, e mais picante ironía.
- ↑ Com ſeveridade, e vehemencia.
- ↑ Hum dos guardas ſe apreſenta.
- ↑ Eledia, apparece.
- ↑ Todos os guardas ſe retiraõ ao meſmo tempo, que o Pretor vai encontrar Eledia.
- ↑ Interrompe-o com a maior vivacidade.
- ↑ Lucio naõ preſegue, como que reſpeita a Eledia.
- ↑ Em quanto Eledia exclama, os dous fallaõ em particular.
- ↑ Sem ver o Pretor.
- ↑ Eledia parte, e Oſmîa vendo o Pretor aſſuſta-ſe, e quer ſeguir Eledia.
- ↑ Com indignação.
- ↑ Oſmîa quer interrompello com indignaçaõ, e elle
proſegue. - ↑ Como aſſima.
- ↑ Com ſumma vivacidade.
- ↑ Com affliçaõ, e retira-ſe.