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Página:(1854) Sermões do padre Antonio Vieira, Volume 1.djvu/286

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SERMÕES
 
VIII.


Será finalmente a causa, que tanto ha buscamos, a voz com que hoje fallam os prégadores? Antigamente prégavam bradando, hoje prégam conversando. Antigamente a primeira parte do prégador era boa voz, e bom peito. E verdadeiramente, como o mundo se governa tanto pelos sentidos, podem ás vezes mais os brados que a razão. Boa era tambem esta, mas não a podemos provar com o semeador, porque já dissemos que não era officio de boca. Porém o que nos negou o evangelho no semeador metaphorico, nos deu no semeador verdadeiro, que é Christo. Tanto que Christo acabou a parabola, diz o evangelho que começou o Senhor a bradar: Hæc dicens clamabat. (Ibid. VIII — 8) Bradou o Senhor, e não arrazoou sobre a parabola, porque era tal o auditorio, que fiou mais dos brados que da razão.

Perguntaram ao Baptista, quem era? Respondeu elle: Ego vox clamantis in deserto. (Joan. I — 23) Eu sou uma voz que anda bradando neste deserto. Desta maneira se definiu o Baptista. A definição do prégador cuidava eu que era: voz que arrazoa, e não voz que brada. Pois porque se definiu o Baptista pelo bradar, e não pelo arrazoar: não pela razão, senão pelos brados? Porque ha muita gente neste mundo com quem podem mais os brados que a razão, e taes eram aquelles a quem o Baptista prégava. Vêde-o claramente em Christo. Depois que Pilatos examinou as accusações que contra elle se davam, lavou as mãos e disse: Ego nullam causam invenio in homine isto: (Luc. XXIII — 14) eu nenhuma causa acho neste homem. Neste tempo todo o povo, e os escribas bradavam de fóra, que fosse crucificado: At illi magis clamabant, crucifigatur. (Matth. XXVII — 23) De maneira que Christo tinha por si a razão, e tinha contra si os brados. E qual pôde mais? Puderam mais os brados que a razão. A razão não valeu para o livrar, os brados bastaram para o pôr na cruz. E como os brados no mundo podem tanto, bem é que bradem alguma vez os prégadores, bem é que gritem. Por isso Isaias chamou aos prégadores nuvens: Qui sunt isti, qui ut nubes volant? (Isai. LX — 8) A nuvem tem relampago, tem trovão e tem raio: