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Página:A Dança do Destino - Lutegarda Guimarães de Caires (1913).pdf/58

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Collecção Antonio Maria Pereira

Os factos são os factos: mas por ventura haveria menos injustiça se fosse o cordeiro que comesse o lobo, em vez de ser o lobo que coma o cordeiro?

A tua razão e o teu sentimento ficavam mais satisfeitos, se, em vez da aguia, fosse a toupeira que voásse e afrontasse o sol?

A desegualdade desaparecia se tu é que fosses o rei do petroleo e Rockfeller passasse a ser o misero Charuto?

Bem vês...

Mas é claro que o pobre mendigo, o grande desgraçado, sem pão e sem luz, não raciocinava assim, nem cogitava de explicações, sentindo as garras lancinantes da fome a torturarem-lhe a existencia, o frio da cóva e a dureza da cama a traspassarem-no e a moerem-lhe os ossos, e vendo o céo por cima d'ele, sorrindo na felicidade do azul e das estrelas, impassivel perante a sua desventura e surdo às suas queixas e soluços.

Ele não sentiria senão uma desegualdade iniqua, uma injustiça clamante, uma odiosa tirania social, afrontando, torturando, esmagando; e, numa revolta imensa, num odio tremendo, num gesto brutal, eu vejo esse mendigo, esse desprezado, esse ninguem social, levantar-se uma noite, da sua cóva escura e, num arremesso pavoroso, erguor o braço para incendiar, destruir, arrazar, reduzir a um montão de escombros e de cinzas uma cidade inteira, os palacios dos grandes, as habitações dos burguezes, os tugurios dos pobres, fazendo chorar e sofrer como êle todos