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Página:A Dança do Destino - Lutegarda Guimarães de Caires (1913).pdf/71

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A dança do destino
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lira desvairada, nesses concertos tragi-comicos, cuja evocação, ainda hoje, me traz a saudade dos tempos que não voltam mais!...

 
III
 

Uma noite, era bastante tarde, estava en no Café Martinho tomando chá. Entrou a Cotovia e ofereceu-me uma cautela de seis vintens. Por engano dei-lhe 200 réis em prata e mais um vintem.

Ela tacteou a moeda de prata, depois, chegando-a muito proxima dos seus ollos fatigados, veio apresentar m'a dizendo:

— A senhora enganon-se; isto são dois tostões.

— Guarde-os, tiasinha; devo-os á sua honradez.

— Agora sim — respondeu ela, sorrindo satisfeita — muito obrigada.

Como as velhinhas são em geral gulosas como as creanças, dei-lhe uns bolos; não os comeu. Pediu um papel, enrolando-os com todo o cuidado e levou-os. Talvez para algum bisneto.

Fiquei a scismar na grande probidade d'aquela mulher.

Não custa nada a ser honrado quando ha que comer; mas ela, que por ali andava com um seculo ás costas, a deshoras, numa noite frigidissima de dezembro, privada do conforto da sua caminha, só para ganhar uns tantos réis, vir restituir o tostão, que não