deava do Porto a Braga, acompanhado pelo meu amigo Arnaldo Pimenta.
Nunca jornadeei tão alegremente como então!..
Vinhamos cinco rapazes, que fallamos sempre! Quando os frios euros da manhã nos enregelavam os membros, sahiamos a apanhar a restea de sol nascente ou então a beber genebras nas baiucas da estrada. Tudo isto a rir, tudo a correr, tudo a brincar, tudo como por encanto! Eu e Arnaldo Pimenta fallavamos da soireé da vespera. Ia comnosco um jurista do quinto anno, que nos bosquejou em meia hora as suas aventuras de Coimbra. Os outros, como nós, bosquejavam tudo e não bosquejavam nada... Fallavam do que aconteceu, do que acontecia e do que havia de acontecer... Era um fallar continuo!
A neve cobria as collinas, que se erguiam como gigantes de pedra especando o ceu e fazia-nos lembrar uma viagem nos polos, uma viagem na Siberia, onde o gelo ri sarcasticamente dos raios esplendurosos do sol!
Sahimos nos ziguezagues para vermos, qual velho paralytico, descer a diligencia aquella graciosa espiral, que então não se sabia bem se era de terra se... de neve.
Os esgrouviados cavallos cobertos de espravões e enfermos de pulmoeira mal se arrastavam, coxeando, apezar dos frequentes açoites do chicote, que lhes estalava nas vertebras.
No cimo d'uma encosta que subimos, avistamos o Bom Jezus e vimos fluctuar ao longe aquellas frondozas carvvalheiras do Monte Espinho. Parecia-nos já, que estavamos n'aquella amena estancia ouvindo frautar as aves não sei que sonoras arias e lendo as iniciaes entalhadas no cortix das arvores seculares. A' entrada da cidade embetesgou-se a diligencia por umas cangostas immundas, que prematuramente fizeram descren Arnaldo Pimenta da belleza de Braga.
O carrilhão de Santa Cruz badalejava então umas alegres musicas, que nos foram de bom prenuncio.
Apeiavamos-nos emfim no pateo da estação da diligencia quando caiu sobre nós de chofre uma enorme matilha de pobres, especie de perdigueiros do dinheiro, que andam nas egrejas farejando devoto esmoler e no pateo onde pára a diligencia farejando viajantes argentarios, quando não farejam ar... Escovamos o facto, demos uma postura graciosa aos chapeus, endireitamos o penteado e calçamos umas luvas, que rescendiam ainda aromas do baile. O meu amigo Arnaldo Pimenta assestou umas lunetas, com aro de tartaruga e fitou attentamente os olhos n'um homem que passava, escondendo um enorme rosario debaixo do esquisito capote.
— Oh! Oh! Não me enganaram. Eu já sabia que em Braga se contavam os hypocritas pelos capotes. — Disse Arnaldo Pimenta com um sorriso malicioso nos labios.
E caminhamos. No Campo de Sant'Anna disse-nos o de Coimbra agitando uma ligeira vergasta de caoutchouc.
— Para onde vão agora?
— Para a rua de S. Gonçalo — volvi-lhe eu —
— Jantar, talvez?!.. Pois não deviam...
— Então?..
— Venham comigo a casa do alfaiate.. De tarde havemos de ter já côr local, appareceremos... de capote. Soltamos uma longa casquinada de riso e despedimos-nos.
(Continua).
Onde está a lyra do mimoso poeta Pinto Ribeiro? A lyra sonorosa onde cantou as «Lagrimas e Flores» e as «Corôas Flutuantes?»
Repellirá elle agora a musa que tanto o favorecia e que não deixava de voltejar em redor d'elle? Terá pois valor para suffocar o genio sublime que o inspirava com tanta eloquencia? Callar no coração as inspirações ideaes? Vendar os olhos d'alma para não vêr as celestes visões que se mostram aérias ao poeta? Não; não creio tal; o poeta recebe do céo a inspiração e não ha-de desdenhar assim a divindade.
Pinto Ribeiro, não podia abandonar a ly-