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A esperança
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Quem e' o poeta?

Quem é o poeta? (perguntei eu uma vez á minha alma) esse genio pensador e quasi sempre triste? e ella respondeu-me: ― E' aquelle que desprende a idéa da terra e adeja pelas regiões ethereas em busca da visão de seus sonhos, d'um ente idéal que não pode encontrar na terra e que se o encontrou não o soube comprehender!..

E' aquelle que ama a naturesa em toda a sua magestade que deixa muitas vezes o bulicio do mundo pela solidão dos bosques que se deleita contemplando o firmamento que ama ver a lua reflectida no mar, o sol quando desponta radeante e bello e quando ao cahir da tarde esconde seus tibios raios no sio do oceano; o que ama ouvir o ruido das vagas, sentado nos rochedos quando a praia está deserta. O que se apraz de ver as lagrimas que a rosea aurora deposita nos calices das flôres e que depois lhes sorve o astro do dia desabrochando-as puras e formosas.

E' aquelle que estende o pensamento da terra á eternidade e que procura entre cyprestes os tumulos isolados que lhe revelam o nada da existencia e o pó a que se reduzem o rico e o pobre!.. aprendendo alli a despresar as grandesas que ostenta um mundo vã! E' aquelle que quando ouve o rebombar dos trovões, em meio da tempestade, mais ama e admira a Divindade, por que se recorda do Sinai, a onde precedido por formidavel trovão fallava Deus a Moysés.

E' aquelle que allivia suas magoas soltando sentidos cantos ao som d'uma harpa triste e saudosa. Aquelle que é muitas vezes escarnecido por genios boçaes e demasiado prosaicos...

E' aquelle de quem o canto livre e isento de lisonja e adulações, não prostitui a lyra a paixões sociaes, nem ao vil interesse.

E' aquelle que exprime seus cantos tão puros como o coração lh'os inspira. Aquelle que prefere uma folha de louro a um futil titulo, ou a um thesouro valioso.

E' finalmente aquelle que não póde conter occulto o genio ardente que lhe trasborda no seio e que lhe brada — á gloria!.. e após a morte!..

Maria Adelaide Fernandes Prata.

Maria Isabel


Romance original por Maria Peregrina de Sousa

Dedicado á memoria de minha irmã

(De pag. 194)

XXVI

Um pesar de menos, um receio de mais

A pobresinha filha de D. Maria Carlota occupou algum tempo a resar por todos os seus bemfeitores; em particular, por aqueles que ia vêr maltractados. Mas se o coração a atraia para estes, pela força da gratidão e da compaixão, sentimentos mais ternos e doces a faziam pensar com melancolia n'aquelles que deixava, sem mesmo se ter despedido. Tinha agora ensejo de ficar com Carolina, sem que houvesse n'isso que estranhar. Em pensando n'isto Maria Isabel sentia as lagrimas cahirem-lhe quatro a quatro; mas estava resolvida a ficar em casa da mãe de Francisco, se ella consentisse.

Tão embebida ia em suas divagações umas vezes, outras, em suas ferventes preces que não reparava, nem cogitava no caminho que tomava. De repente, a carruagem pôz-se em movimento mais rapido. Isto a tirou do seu estabelecimento[errata 1]. Olhou para fóra. Pareceu-lhe estar n'um arrabalde. O escuro da noite e a escaça illuminação, que o nevoeiro empanava, não lhe deixavam distinguir os objectos. Conheçeu por fim que tinha sahido da cidade. Bateu nos vidros para perguntar se iriam ainda longe; mas o boleeiro assobiava e parecia ser surdo; o rustico, embalado pelo movimento do carro, de certo dormia. Nenhum dos dois voltava a cabeça. E a carruagem corria cada vez mais veloz.

Maria Isabel assustou-se. Que significava tudo aquillo? Ainda lhe não vinha á ideia um rapto, e comtudo sentia um vago temor. Ganhou coragem vendo parar a carruagem. Via á sua direita uma casinha. Deviam estar alli Carolina e Francisco. Se fosse de dia, ou que a noite estivesse clara, conheceria que aquella casa não podia ser habitada; tinha só quatro pa-

  1. Correcção: estabelecimento deve ler-se embebecimento: detalhes
Primeiro Anno — 1865
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