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A esperança

 
Branca

III

No dia seguinte appareceu, não me lembra agora em que jornal, um folhetim intitulado ― Recordações do baile. ― Não tinha assignatura. Eu queria saber de quem eram aquellas palavras em que o author vasára todo o fogo da sua alma. Lio e só quando cheguei á ultima columna encontrei então a chave do enygma, porque m'a deram estas duas quadras.

Vem sempre lindo o sol depois de noite escura...
Auxilio sempre tem, quem chora aos pés da cruz.
Espera, minha Branca, após a desventura
O dia hade sorrir... O ceu hade ter luz...

Eu sou o gran d'areia em revolto oceano...
Do teu olhar o fogo erguer-me póde só.
O amor, o amor é vida... O mais é tudo engano,
O mais é tudo sombra... o mais é tudo pó...

― Branca! ― disse eu quando acabei ― E' ella a mulher do baile, ninguem o póde duvidar... Este poeta é com toda a certeza Augusto da Cunha. Que santa alma de poeta que se inebria nos extasís do seu amor... Oh! o amor de poeta é o abraço invizivel de duas almas irmãs... Não venha o mundo levado por desejos sensuaes motejar estes amores innocentes do alvorecer da nossa vida. Para o poeta Platão è um mytho. O mundo, que queima a sua alma no fogo da crapula, atira-se voluptuosamente aos braços da bachante e diz lhe murmura-me ao ouvido palavras d'Epicuro e de Condillac, de Cabanis e de Tracy. E o mundo adormece nos braços do materialismo sem saber que a philosophia d'Epicuro é um insulto atirado ás faces da mocidadade poeta. O amor será sempre o germen da felicidade que Deus atirára aos dezertos aridos da vida... A mulher hade ser sempre o anjo d'azas brancas, que hade espancar as trevas da vida com a luz do seu coração...

E Byron ― até o descrido Byron! ― que tinha o coração tão frio como a avalancha dos Alpes, comprehendeu a mulher assim... Senão leiam o D. Juan e fiquem a pensar algum tempo sobre o poetico typo de Haydée

III

A historia de Branca e Augusto não é uma simples ficção romanesca. A verdade do facto não foi adulterada pela phantazia do escriptor. A epoca, essa sim, mudei-a, porque me convinha mais. Este baile a que nós assistimos, deu-se no Porto em 1863.

Não sei porque vicissitudes e felicidades passaram os dois amantes durante um anno. Anno passado, porem, vi-os uma tarde sentados na ponte de Leça e conheci-os logo.

Perguntei e disseram-me que tinham casado. Assentei-me no banco immediato ao d'elles. Appliquei o ouvido para poder ouvir a sua conversação, mas elles fallavam baixo. Já me ia a levantar, desgostoso, quando ouvi Branca proferir estas fatidicas palavras: A intelligencia é sempre preferivel ao dinheiro. Adivinhei que fallavam do seu amor.

Porto 29 de Junho de 1865.

Alberto Pimentel.

 

 
A um theatro

O fogo, mancebos, que o peito escaldando
Ao nobre caminho das artes conduz,
E' fogo sagrado que a gloria apontando
A vida illumina com fulgida luz.

Vencendo fadigas, calcando revezes,me
Se ganham corôas, se colhem laureis,
Laureis e coroas que tem muitas vezes
Mais preço e mais vivo fulgor que a dos reis.

Do palco na lida tão nobre e brilhante
Se sentem os gozos d'infindo prazer,
Quando aureo diadema de luz radiante
De gloria um futuro nos vem predizer.

Das artes a senda trilhaes sem receio,
Que mão pedorosa vos ha-de guiar;
Avante! e que firme vos sirva d'esteio
O ardor que no peito sentis palpitar.

C.