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Agora conheço que me expuz a muito; eu devia ter fugido, devia chamar-te; mas esqueci tudo!

— Sou uma creatura bem fraca.

E Laura limppu as lagrimas que lhe rôlavam pelas faces afogueadas.

Ao outro dia separamos-nos. Nos olhos de Carlos e Laura, brilhava a esperança e a felicidade.

Passado um mez fui visitar a minha amiga.

Era por uma tarde de setembro, por uma d'essas tardes que parecem envolvidas em vapôrosas ondas de melancolica poesia!

A brisa agitava as amarellecidas folhas das arvores que se desprendiam, e vinham cahir no chão como esperanças desfolhadas pelo sopro do desengano...

Eu sentia-me commovida; e via a natureza atravez de um prisma de saudade indefinivel.. Logo à entrada da quinta apiei-me, e segui uma rua assombrada de loureiros que ia dar a um caramanchão aonde Laura costumava trabalhar.

Ella lá estava; e lia com tanta attenção que cheguei junto d'ella sem que me sentisse!

Depois de me abraçar com transporte, disse-me:

— Estás tão triste, Maria! Toma o meu exemplo; não deixes fugir o pensamento para esses mundos mysteriosos do idéalismo aonde procuras em vão não sei o que... Este em que vivemos não é ainda tão mau como parece; ha n'elle muita felicidade.

Olhei admirada para Laura! Ella que sempre tinha descrido da felicidade d'este mundo cria agora n'ella! Julguei que esta mudança seria pouco duradoura, e ocasionada pela leitura do livro que lhe descahia; ainda aberto, sobre os joelhos.

— O que lias tu quando eu cheguei, Laura?

— Uma das cartas d'Alvaro d'Espard.

— Nunca as li.

— Vê esta, e depois iremos para casa.

Peguei no livro, era a decima carta d'Espard.

Acabei de lêr, e entreguei a carta a Laura.

— Que te pareceu?

— Muito sentimental.

— E natural não? Eu pelo menos sinto no coração essas sensações que Alvaro d'Espard descreve com tanta energia.

— E ao lêres esta carta pensavas?...

— Em Carlos, me respondeu ingenuamente a moça. Penso n'elle incessantemente. Se pégo em um livro, todas as esperanças, todos os pensamentos sublimes que n'elle encontro parecem-me uma uzurpação que o seu author faz a Carlos. Se contemplo a natureza sinto o coração arroubar-se-me em inefavel goso, por que o vejo a elle ou passeiando debaixo dos arvoredos com a fronte anuviada por aquella melancolia que tão bem lhe fica, que tão bello o torna, ou em pé na crista dos rochedos, com os olhos radiantes de inspiração e orgulho, a contemplar com despreso as miserias d'este mundo!

(Continua).

EPHIGENIA DO CARVALHAL SOUSA TELLES.

 

 
AMO
 

 

Amo a solidão dos bosques,
Amo a noute triste, escura
Amo a sombra do cypreste,
Amo a lua argentea, pura;

Amo em solitaria praia
Ver o mar immenso e forte,
Amo a virgem pensativa,
Perseguida pela sorte!

Amo as flores que vegetam
Junto da campa isolada,
Amo a joven que pranteia
E suspira abandonada;

Amo o brilho das estrêllas
No firmamento a luzirem
Amo as vagas buliçosas
Do oceano a fugirem;

Amo ver como os pastores
Quando, da tarde ao cahir,
Vão os mansos cordeirinhos
Ao seu curral conduzir;