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Página:A Esperanca vol. 1 (1865).pdf/295

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A esperança
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para se prepararem para essa longa jornada que tinham de fazer! Como haviam de levar tantas riquezas como possuiam, fructo do seu trabalho, e da sua industria?

Deixal-as nos seus castellos para d'ellas se aproveitarem esses que eram os autores da sua desgraça? Não cabia isso no genio altivo e vingativo dos Mouros.

Leval-os! Como, se elles não estavam preparados, e tinham ordem expressa de não levarem coisa alguma. E as horas passavam umas após outras; o momento da partida não tardaria a sôar, e elles nada tinham resolvido!! Engolfados na immensidade da sua desdita não calcularam o tempo, esse relogio que anda sem cessar, e que vai marcando, imparcial, as horas da nossa vida. Um pensamento repentino veio socegal-os: enterrar os seus thesouros foi a opinião unanime de todos! Queriam entregal-os á terra aonde tinham sido gerados, e d'onde elles á força de trabalho as haviam arrancado. Não era só o rancôr que tinham a seus perseguidores, e o quererem inutilisar estas riquezas para que elles as não possuissem, que os obrigava a esta acção desesperada! é que um raio de esperança bruxoliada ainda nas trevas d'aquellas mentes desvairadas: confiavam muito em Allah, e esperavam que a sua sentença fosse revogada, e então elles podia vir desenterrar esses thesouros, escondidos agora por elles em sitios conhecidos.

Com estas ideias sahiram das suas habitações reis e vassalos a quem a desgraça tornava iguaes; todos munidos de instrumentos proprios para escavar, cada qual com mais ardor revolve as entranhas da terra para lhe confiar os seus haveres!!

Era uma scena de horror! A lua encoberta por grossas nuvens povoava a terra de sombras pavorosas! O silencio da noite não era interrompido por voz alguma humana, por que estes desgraçados havia-os a surpreza emudecido; só alguns mochos vinham com os seus lugubres gemidos despedir-se d'aquelles que por tantos annos alli habitaram! A este triste canto se misturava o sussurro que o rio fazia na sua rapida corrente, e o roçar das enchadas nas pedras que encontravam, muitas vezes d'este embate resultavam faiscas de lume! Era o desespero quem movia aquelles braços com tanto affan.

Junto a uma das muralhas havia um fundissimo poço; foi ahi que sepultaram a maior parte dos seus thesouros, e depois foi entulhado para melhor as occultar. Ao amanhecer estava tudo, o que tinham de precioso, fóra das vistas dos seus perseguidores.

Todos sabem como foi a sahida dos Mouros, e que eles não poderam voltar; por tanto muitos d'esses sitios que habitaram encerram ainda hoje riquezas fabulosas.

 
Fim do prologo
 

(Continua.)

 

 
Melancolia
 

 

Quando o astro do dia os raios seus apaga
E vem no ceu a lua pallida brilhar,
Eu gosto então de vêr como fermente vaga
Do turbido oceano as praias vem beijar.

Tambem gosto de ouvir a branda, amena endeixa.
Que, no meio do bosque, entôa o rouxinol;
Da timida zagala a tristurosa queixa
Depois que vai sumir-se no occidente o sol;

Da fresca viração o surdo murmurio,
Que vem do arvoredo as folhas baloiçar,
E a limpida corrente do sereno rio,
Que lança suas aguas n'um extenso mar.