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A esperança

 

melhor e eu tiver concluido o quadro serei comtigo. Desculpa-me.

O teu amigo,

Vasco .

Tres dias passados, Telmo escrevia de novo ao seu amigo, e dizia assim:

Vasco

Já me não posso levantar. Recresceram as dôres de peito e as golfadas de sangue augmentam d'instante a instante. Quero despedir-me do meu amigo; vem depressa.

19 de junho.

Telmo .

Ao outro dia, ao romper da manhã, Vasco da Silveira estava junto do leito do seu amigo. Não fôra tambem Guiomar porque estava ainda convalescente do insulto nervoso que soffrera.

Telmo dizia ao seu amigo:

― A tua companhia faz-me bem, meu amigo: sinto-me melhor, muito melhor. Abre-me essa janella. Quero vêr a natureza que explende lá fóra com todas as galas que a primavera lhe empresta. Lembro-me agora... de que hoje é o ultimo dia da primavera. Amanhã, as flôres hão de empallidecer e eu...»

Suffocara-o um fluxo de sangue; descançou um pouco e continuou depois:

― Eu talvez morra com a primavera e com as suas flôres. Depois essa mulher de pedra, que calcára o meu amôr aos pés, que vá pedir perdão ao cadaver do pobre Telmo. Elle será então insensivel, como ella o fôra outr'ora... Não, não. E' justo que lhe perdôe. E' justo que perdõe a... a Guiomar.

― A Guiomar?! ― Exclamou Vasco da Silveira.

― A Guiomar sim. Essa mulher foi que me perdeu...»

E inclinou a cabeça sobre o peito.

― Telmo! Telmo! ― bradou com desespero Vasco.

Era debalde. Estava já morto.

Novembro ― 1865.

 

 

Clotilde


Romance original

por

Ephigenia do Carvalhal Sousa Telles

(De pag.355)


O snr. Cunha sahiu, e Clotilde encarregou Leopoldo de varrer e arranjar o jardim, ella subio para o seu quarto, dizendo pelo caminho:

— Não quero que elle me encontre no jardim, podia conhecer a anciedade com que o espero. Irei para a janella do meu quarto, que dista sobre a entrada, e d'alli o verei.

Apenas a menina tinha chegado ao seu aposento, um grito d'alegria se escapou do peito do velho Leopoldo.

Era Paulino que entrava no jardim, quando elle o acabava de arranjar. O velho abraçava o mancebo com a maior ternura, e elle correspondia-lhe com vivas mostras d'amisade.

Esta scena era presenciada por Clotilde. O primeiro movimento da moça foi correr ao encontro do filho do marquez, mas as pernas tremiam-lhe como delgados vimes, e o coração pulava-lhe dentro do peito, como o desgraçado que se debate contra os muros da sua prisão que tenta derrubar! elle queria vôar para Paulino, e a menina encerrava-o dentro do peito, e com mão convulsa, apertava-o contra elle. Era a luta do amor, e do dever.

Rosa subio a annunciar-lhe a chegada do mancebo.

— Eu vou já — respondeu a joven com voz alterada — Manda chamar meu tio.

A criada sahiu, e Clotilde murmurou:

— Não posso!... Meu Deus, dai-me firmesa. Deixarei vir meu tio, e só então lhe apparecerei.

— Mas que ha-de pensar Paulino? tornou a moça depois d'um momento de reflexão —