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A esperança

 

os attrativos que sobresaem em uma sala, porque não hão-de occultar-se as virtudes que fazem a dita da familia?!

A' instrucção do espirito, reunam a educação da alma, e verão mais tarde que, sem a sociedade perder com isto nada, ganha a familia muito.

Depois d'Aimé Martin, quanto se diga sobre este assumpto, tudo é superfluo ou imperfeito.

Se ouzei erguer a voz, tentando seguir a palavra eloquente do erudito escriptor, foi com o unico fim de chamar a attenção do mundo feminino sobre a ― Educação das mães de familia ― obra d'um valor inestimavel, mas que poucos se darão ao trabalho de meditar, como ella tanto carece, para bem ser comprehendida. Se o auctor ambicionava palmas, triumphos e ovações, não consomisse tantas horas de trabalho, escrevendo as paginas d'aquelle precioso livro.

Se esboçasse á pressa um romance feito á moda e gosto das sociedades d'hoje, ennumera lhe seria a concorrencia dos leitores, e immensa tambem a fama que lhe elles apregoariam.

Assim philosophico e erudito de mais para cabeças que de continuo se embriagam em bailes, theatros, passeios, e quando muito o appenso do romance miniatura, perde-se, sendo lido, como egualmente se perde se o não fôr.

Porém, o author quando escreveu a ― Educação das mães de familia, ― obedeceu á inspiração do bem que praticara, sem ambição de recompensa, e quiçá, talvez movido pelo amôr da humanidade, que vai perdida pelos trilhos affastados do seu verdadeiro cominho.

O testemunho de sua consciencia lhe baste para indemnisal-o das fadigas de tão ardua tarefa, já que a sociedade descura dos bons fructos que sem trabalho poderia alli colher.

Lodeiro, 7 de maio de 1864

Henriqueta Elyza.

 
 
Coisas

Preparam-se grandes acontecimentos, leitora. Tenha á mão o lenço com que ha-de enxugar as lagrimas, primeiro de dôr, depois de alegria. Como infallivelmente já previu, isto acaba em casamento, isto é, tem um fim tragico como o d'aquelle Phebo de Chateaupers de Nossa Senhora de Paris. Lá iremos a vapor porque não a quero ter presa por mais tempo á incertesa dos successos futuros.

Ora pois. Deixe entrar mais uma pessoa a pegar ao fio da historia. Será a ultima que lhe apresentarei, e que já conhece de nome, se se recorda d'um doutor Faria a quem a marqueza escreveu antes da chegada de Adelaide.

E' um homem de consummado saber medico este doutor, mas trapalhão como poucos, e, por descuido, muito pouco respeitador de certas conveniencias aristocraticas. Não invento. Conheci-o em Lisboa entre os setenta e oitenta annos, e era ainda o mesmo que tinha sido alguns annos antes, salvo no seu capital de conhecimentos medicos que augmentava de dia para dia com aturada leitura e profunda observação.

Entra, pois, o doutor, cumprimenta a todos quasi a um tempo, e declara que Maria Friedlein morre, que não ha meios de salval-a porque está no ultimo periodo de consumpção. E isto sem dar tempo á marqueza de atalhar-lhe o palavreado.

Não ha grito agudo nem grave. Adelaide mostra uma serenidade que accusa grande sofrimento intimo. Levanta-se.

― Senhora marqueza, alguns dias mais e serei orphã. A resignação não é possivel. E' preciso morrer porque não posso illudir a v. exc.a

― Illudir-me!...

― Cobrir-me com o véo da virtude para esconder as manchas do erro, e poder aspirar á