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A esperança
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o sabe antes, ha-de dizer que não, e que não. Elle não chora o que gasta com v. s.a. Não é por ser meu filho, mas é liberal uma vez!.. Ainda que se empenhe até ás orelhas, não ha de confessar fraqueza. «Mais facil será, dizia elle antes d'hontem, que eu deixe o meu cachimbo, e beba só agua, do que deixar faltar nada a esta triste senhora.»

― Que bondoso coração! que excellente alma!.. Devo poupar-lhe novos gastos comigo. Vejo que por ora não posso trabalhar. Não sei senão chorar. Mas queria despedir-me d'elle, e agradecer-lhe...

― Deixe-se d'isso. Elle é teimoso o preciso! Quereria obrigal-a a ficar. Quiz-me comer hontem por eu lhe fallar no offerecimento da snr.a D. Ermelinda. Chamou-lhe bruxa, feiticeira, carcassa do brasabú. Não tenho medo da sua agonia. Não sou uma mãe maricas; mas elle é capas de descompôra snr.a D. Ermelinda, e ella agoniar-se-ha, e adeus minhas encommendas! Ficava v. s.a como o parvo na ponte.

― Pois estou por tudo. Irei quando quizer; e dirá depois a seu filho, que a minha gratidão será eterna.

― Quando vinha para cá, encontrei a sr.a D. Ermelinda. Disse-me que viria perto da noite buscal-a. Ella parece temer meu filho, que lhe mostra má cara, quando a vê. Elle ás vezes parece aluado! Diz que a snr.a D. Ermelinda é fidalga feita á pressa!.. E não sei onde elle foi buscar aquillo. A snr.a D. Ermelinda é fidalga nos quatro costados. Quando falla nas suas amigas, é baroneza d'aqui, marqueza d'acolá!.. V. s.a ha-de divertir-se muito em casa d'ella.

― Ah! não estou para divertimentos!..

― Pois faz mal. Deve espairecer. As tristezas não servem para maldita coisa. Esta a bater na escada. Será talvez uma pessoa que lhe há-de trazer vestido e chapeu de luto, que a snr.a D. Ermelinda lhe manda. E dizer meu filho que é fidalga feita á pressa!

Era na verdade, vestido, mantelete e chapeu de luto. Tudo simples, mas bom.

Perto da noite, foi Ermelinda buscar a sua joven parenta. Costumára ir a casa de Carolina a pé; mas n'aquelle dia ia n'uma carruagem de aluguer. Não tinha trem; mas havia de tel-o, dizia ella, muito breve. Não tinha ainda tido tempo de cuidar d'isso.

A filha de Ricardo d'Oliveira despediu-se de Carolina, chorando. Seguia com repugnancia a viuva de seu tio. Carolina ficou tambem com as lagrimas nos olhos e murmurou comsigo mesmo:

― Ella estará muito melhor na casa d'aquella boa fidalga, e eu poderei andar na minha vida sem estar com o coração cançado. Eram flatos d'aqui, choros d'acolá... E esta rapaziada a rondar-me a porta!.. A mulher do funileiro disse-me que ainda esta manã subiu cá a riba um taful, que vinha muitas vezes com meu filho até á porta!.. Nada!.. Isto assim não tinha geito. A minha casa nunca foi casa de namoros. Mas não sei o que me está dizendo cá dentro, que fiz mal!. Queria ser bem rica, para a ter em casa e poder esdtar com ella para guardal-a.


A infancia

Ao meu amigo Antonio Peixoto Pinto Obéd

Esse tempo vôou tão ligeiro
Qual do vento o ligeiro sôprar!

A. A. Moreira de Sa'


Não sentes, amigo, no peito a saudade
Da quadra donosa, levada a brincar?
Não sentes desejos, anhelos ferventes
De vida passada fruir, desfructar?